Foto: Reprodução, InstagramCarlo Ancelotti, o treinador do Real Madrid; italiano é considerado um dos favoritos para assumir a seleção brasileira

O treinador tranquilo

Inspirado por O Poderoso Chefão, o multicampeão Carlo Ancelotti parece opção óbvia para o Brasil — até a leitura de seu livro sobre liderança
10.03.23

O modelo de liderança de Carlo Ancelotti é Vito Corleone. O mafioso. O poderoso chefão, de Mario Puzo e Coppola. O treinador italiano de 63 anos, que se tornou o favorito para assumir a seleção brasileira de futebol, faz quatro referências ao temperamento do personagem, imortalizado no cinema por Marlon Brando, no livro Liderança Tranquila (Editora Grande Área), que publicou antes de assumir o Bayern de Munique, em 2016. O pior é que faz sentido.

Ancelotti, que tem contrato com o Real Madrid até junho de 2024, já teria um acordo verbal com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) — ambas as partes negam qualquer conversa. O último boato dá conta de que Frank Trimboli, agente do técnico, passou pelo Brasil recentemente para “sentir o clima”. Atual campeão da Champions League e do Mundial de Clubes, Ancelotti se tornou uma alternativa óbvia para a CBF, mas a leitura de Liderança Tranquila sugere que seu sucesso à frente da seleção brasileira não é tão óbvio assim.

Único treinador campeão do maior torneio europeu por quatro vezes — uma delas a esperada “décima” do Real Madrid, em 2013/14 —, Ancelotti teve uma carreira honesta como segundo volante, com títulos pela Roma e pelo Milan, entre eles um bicampeonato da Champions League (1988/89 e 1989/90), além de duas Copas do Mundo disputadas pela Itália. Nada que se compare, contudo, a seu currículo como técnico. Além de maior vencedor da Champions, é o único que conseguiu ganhar as cinco principais ligas da Europa.

Como conseguiu tudo isso? Com calma.

Ancelotti defende no livro um estilo sóbrio. Não esconde seus acessos de raiva — o episódio em que chutou uma caixa que foi parar na cabeça de Zlatan Ibrahimovic se tornou célebre —, mas destaca o benefício da ira esporádica para despertar o time. Como bom italiano, prima pelo rigor do esquema tático — considera o 4-4-2 a melhor formação, capaz de ocupar todos os espaços do campo —, mas seu trunfo está na relação com os jogadores. O líder tranquilo não manda ou ordena: ele cativa e conduz.

Os comandados referendam. Ibrahimovic, Cristiano Ronaldo, David Beckham e Alessandro Nesta, entre outros, reverenciam, em depoimentos no livro, o lado humano do treinador, destacam seu interesse pela vida e o bem-estar dos jogadores e sua disposição para ouvir as contribuições de todos e prestar atenção mesmo aos aspirantes das categorias de base. “Vi jogadores tomando injeções para superar contusões, porque queriam jogar por Carlo Ancelotti. Percorremos aquele quilômetro a mais por quem se importa com a gente enquanto pessoa”, diz John Terry, capitão histórico do Chelsea.

Ancelotti conquista lealdade pelo exemplo. Se preocupa em demonstrar humildade. Quando chega a um país novo, se esforça para aprender a língua local. Combina as regras a serem seguidas com os jogadores e se encarrega de que elas sejam cumpridas por todos. Destaca os membros mais disciplinados do time como exemplos a serem copiados, para não precisar impor normas de conduta. E trabalha para envolver todos, mesmo os jogadores que ficarão no banco de reservas, em cada jogo — uma necessidade para o futebol europeu, tão recheado de craques de todo o mundo. Foi assim que conseguiu encaixar Gattuso, Pirlo, Seedorf e Kaká em apenas três vagas no meio-campo do Milan.

Mas tudo isso é alcançado com tempo de trabalho, pela convivência cotidiana com os jogadores — condição que uma seleção nacional, restrita às viagens das datas Fifa, não proporciona. A única experiência de Ancelotti com equipes nacionais foi como assistente técnico de Arrigo Sacchi, na Itália de 1994, que perdeu a final nos pênaltis para o Brasil tetracampeão. “Ainda estamos procurando a bola que Baggio chutou”, brinca no livro, na parte em que fala sobre a importância da condição mental dos jogadores.

Treinar uma seleção já seria desafio bastante para um técnico que fez toda a carreira em clubes. No caso em questão, o estilo de Ancelotti enfrentaria os obstáculos extras da falta de intimidade e do idioma. Esse último quesito é tão importante que ele se preocupava em trocar jogadores de lugar durante as refeições no Real Madrid, em sua primeira passagem pelo clube, para que todos interagissem em espanhol e se integrassem — Sami Khedira e Toni Kroos não poderiam estar sempre juntos, senão ficariam restritos às conversas em alemão.

O histórico vitorioso de Ancelotti e a consciência que demonstra sobre o papel do treinador sugerem, por outro lado, que o italiano tem ferramentas para driblar as dificuldades — inclusive políticas — que devem se apresentar caso de fato tope o desafio de comandar o Brasil rumo ao hexacampeonato. O italiano destaca a necessidade de se adequar ao estilo dos clubes que dirige, ao contrário de treinadores como Pep Guardiola, Arsène Wenger, Alex Ferguson ou José Mourinho — os dois primeiros levam a posse de bola para onde vão, enquanto os dois últimos preferem os contra-ataques, onde quer que estejam.

Ancelotti fez Milan e Real Madrid jogarem para a frente, como a história desses clubes demanda. O treinador que transformou Pirlo em um dos melhores volantes da história também sabe — e ressalta — que os protagonistas são os jogadores, principalmente aqueles que conseguem marcar um gol por jogo, como Cristiano Ronaldo — “a partida já começava com 1 x 0”, diz ele no livro. E o mais importante: o italiano, que trabalhou para os magnatas Roman Abramovich e Silvio Berlusconi, reconhece que quem manda é o dono do time. Ainda assim, quem faz as ofertas impossíveis de recusar, como diria Don Corleone, é Ancelotti.

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  1. Enquanto a CBF continuar a bagunça que é e sendo usada para politicagem e negócios nem sempre ortodoxos atendendo interesses que não os da seleção brasileira não haverá santo milagreiro que dê jeito.

  2. Sim, Ancelotti é o nome ideal, mas o desafio de trabalhar uma seleção, com calendário apertado, e para mais a brasileira, ávida de títulos e com uma imprensa que sofre de pachequismo crónico dificultará bastante seu trabalho.

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