Fernando Frazão/Agência BrasilMulher mostra cartaz agradecendo Elon Musk em Copacabana: esquerda falou em "internacional fascista"

Intrigas internacionais

Direita quebra monopólio da esquerda na articulação global
25.04.24

Faz parte da realidade geopolítica atual que governos, partidos e empresários busquem influenciar a política em outros países. É um jogo planetário, em que o Brasil é irrelevante. Somos um país pobre, fechado e sem autoridade moral para alterar os acontecimentos ao redor. Mesmo assim, a histeria sobre o assunto dentro das nossas fronteiras nunca foi tão gritante. A principal teoria conspiratória dos últimos dias vem da esquerda e diz que há uma internacional fascista” de extrema-direita, empenhada em destruir a democracia brasileira. O alvoroço se dá principalmente porque esse era um campo em que a esquerda reinava soberana, criando organizações como o Foro de São Paulo e assinando acordos com as ditaduras da China e da Rússia. A entrada tardia do bolsonarismo nessa seara acirrou os ânimos.  

Para muitos na esquerda, não poderia haver nada mais revelador que o ato para promover Jair Bolsonaro na praia de Copacabana no domingo, 21. Várias autoridades subiram ao palanque para elogiar e pedir aplausos ao bilionário sul-africano Elon Musk, dono da rede X (antigo Twitter). Ao entregar todos os emails dos advogados de sua empresa, em 2022, Musk deu as condições para que jornalistas publicassem, anos depois, os “Twitter Files Brasil”: mensagens em que esses funcionários falavam das ações autoritárias do Supremo Tribunal Federal, STF, e do Tribunal Superior Eleitoral, TSE. Na praia carioca, o deputado federal Gustavo Gayer, do PL, foi o mais direto ao microfone. “Desta vez eu vou falar em inglês, porque com certeza o Elon Musk está olhando para o que está acontecendo aqui, agora”, afirmou, sob aplausos da plateia. “O que você vê aqui são pessoas que amam a liberdade. Que não vão desistir. Que não vão ceder às ditaduras. Pessoas dispostas a darem suas vidas pela liberdade. E nunca vão desistir. Nós seremos a esperança do mundo” falou Gayer, em inglês.

No mesmo dia, Gleisi Hoffmann, presidente do Partido dos Trabalhadores, o PT, acusou a existência de uma “rede fascista internacional”, fruto de um “alinhamento total do bolsonarismo com o dono do X, contra a democracia no Brasil”. Segundo ela, “a democracia precisa se defender desses ataques coordenados em nível internacional”. Um dia antes, ela já tinha dito que Musk estaria atentando “abertamente contra a soberania brasileira em prol dos seus interesses e da extrema-direita”.

Tão ciosa da importância de preservar a soberania brasileira, Gleisi não viu qualquer problema ao se reunir, em meados abril, com membros do Partido Comunista da China, em Pequim. “O que eu vejo aqui é uma democracia e uma participação nos estratos mais baixos da sociedade aos mais altos no desenvolvimento do país. Quisera tivéssemos isso nos países em que o capitalismo é o coordenador da economia”, disse ela. No final de março, ela esteve em Havana para se encontrar com o ditador Miguel Díaz-Canel e assinar um acordo de cooperação e intercâmbio entre o PT e o Partido Comunista cubano.

Essas relações entre petistas, cubanos e chineses entram constantemente na mira dos políticos de direita, como Jair Bolsonaro, Nikolas Ferreira e Gustavo Gayer, aqueles mesmos que estavam no ato em Copacabana. Moral da história: quando o contato com os estrangeiros é feito pelo outro, trata-se de extremismo e ameaça à soberania. Quando é feito pela própria pessoa, é intercâmbio e defesa da democracia.

As semelhanças param por aí. Isso porque o nível de alucinação na esquerda alcançou níveis recordes. A deputada Sâmia Bonfim, do Psol, pediu à Anatel a suspensão da empresa Starlink, de Musk, que segundo ela estaria fazendo vista grossa à utilização de antenas de banda larga satelital pelos garimpeiros ilegais na Terra Indígena Yanomami. O cientista político Christian Lynch afirmou que “o Brasil está sofrendo um ataque orquestrado da internacional fascista, via (Viktor) Orbán, (Benjamin) Netanyahu e Elon Musk”. A depender de quem se lê ou se assiste, a tal conspiração ainda pode incluir os americanos Steve Bannon e Donald Trump, a francesa Marine Le Pen, o português André Ventura, o espanhol Santiago Abascal, a família Bolsonaro, o argentino Javier Milei, o indiano Narendra Modi, a italiana Giorgia Meloni, o pastor Silas Malafaia, golpistas bolivianos e o mentor intelectual de Vladimir Putin, Alexandr Dugin.

O presidente Lula não fez a sua listinha, mas aproveitou a oportunidade para se colocar como a principal vítima do “movimento extremado“, ao escrever no X, na terça, 23: “Há muitas décadas que não víamos o surgimento de um movimento extremado no mundo. Não é uma exclusividade do Brasil. Eu sei que sou persona non grata pela extrema direita. A minha volta à Presidência do Brasil trouxe uma perspectiva muito grande de retorno do Brasil ao cenário internacional. Um simbolismo muito grande de volta da democracia e combate ao extremismo. E isso incomoda eles”, escreveu o presidente.

É sabido que o americano Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump, criou em 2017 o The Movement, com o objetivo de prestar consultoria a partidos nacionalistas e populistas de direita em todo o mundo. Mas o tal movimento não conseguiu atrair grupos nacionalistas para uma causa universalista —um paradoxo inescapável. Como partidos europeus de direita populista deram as costas para o americano, o movimento de Bannon foi um fiasco. Apesar disso, contatos foram estabelecidos, e muitos dos líderes de direita hoje se encontram e se apoiam esporadicamente. Jair Bolsonaro é amigo de Victor Orbán a ponto de ter dormido duas noites na embaixada da Hungria, em Brasília, em pleno Carnaval. O argentino Javier Milei convidou Bolsonaro para sua posse, em dezembro. O americano Donald Trump falou brevemente com o brasileiro por videochamada, em março, em uma conversa pelo celular intermediada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro.

Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, é o principal elo entre brasileiros e estrangeiros. Em março, ele organizou uma viagem de dezenove parlamentares brasileiros para os Estados Unidos para falar sobre a censura e o autoritarismo do STF. Os deputados se encontraram com cinco congressistas do Partido Republicano e deram entrevistas para veículos locais. Cerca de um mês depois, uma comissão do Congresso americano, dominada por republicanos, divulgou um relatório de 541 páginas com decisões de Alexandre de Moraes, solicitando uma ação do governo do presidente Joe Biden. Como Brasil e Estados Unidos são duas democracias soberanas que mantêm com boas relações entre si, não há muito o que possa ser feito. O caso mostra como os brasileiros têm muito mais a ganhar com os americanos, do que o contrário. “Em condições normais, o Brasil não sofre muita influência de governantes ou personalidades estrangeiras. O exemplo de Musk é mais uma instrumentalização feita por Bolsonaro e seus partidários do que uma influência externa real”, diz o embaixador Rubens Ricupero.

A glorificação de Musk acontece principalmente porque não há mais a quem recorrer. Decisões do STF, principalmente a partir de 2019, retiraram perfis do ar e colocaram políticos e pessoas comuns em inquéritos intermináveis, sem possibilidade de acessar os autos para saber como se defender (Crusoé foi uma das primeiras vítimas). Como o STF é a última instância da Justiça, as ações do ministro Alexandre de Moraes não tinham qualquer contraponto. No início de abril, a divulgação dos emails dos advogados do Twitter revelou como essas ordens de censura chegam às redes sociais e alimentou a esperança de que essa revelação, amparada por um relatório no Congresso americano, poderia gerar constrangimento e algum respiro, em meio a tanto autoritarismo.

Toda essa expectativa, contudo, não rendeu qualquer resultado. Moraes não voltou atrás e mantém suas decisões sob sigilo. Nesta semana, os abusos do STF ainda passaram a contar com o apoio da Advocacia-Geral da União, AGU, órgão encarregado de defender juridicamente o presidente da República. Na terça, 23, o advogado-geral Jorge Messias encaminhou ao STF um pedido de investigação sobre o jornalista Michael Shellenberger, um dos responsáveis pelo Twitter Files. A acusação vaga foi a de “tentativa de desestabilizar o Estado Democrático”.  Além de não caber à AGU a função de pedir investigação, o pedido desconsiderava que os emails divulgados não traziam informações sigilosas e, mesmo que trouxessem, os jornalistas podem divulgar informações de interesse público. Aos abusos do STF, agora se somam os da AGU, sob as ordens de Lula.

As articulações pelo lado da esquerda são muito mais frutíferas. Entre todos os países que buscam influenciar o Brasil, Cuba é o que mais tira proveito. O Foro de São Paulo, criado em 1990, nasceu de uma parceria entre Lula e o ditador Fidel Castro. A ideia do Mais Médicos, de 2013, foi dos cubanos, que conseguiram a aprovação da então presidente Dilma Rousseff. Até 2018, quando Cuba decidiu sair do programa, o Brasil enviou para a ditadura mais de 3,5 bilhões de reais. Petistas também se beneficiaram porque os médicos cubanos fizeram propaganda eleitoral em diversos rincões do país durante as consultas. A parceria voltou com o retorno de Lula ao Palácio do Planalto, com ganhos para os dois lados. Em fevereiro deste ano, o Brasil enviou toneladas de alimentos para impedir uma revolta dos cubanos contra o regime. Em março, o Itamaraty fechou um acordo de cooperação com a diplomacia cubana, para a formação e “colaboração em matéria de capacitação acadêmico-diplomática”. Com isso, diplomatas brasileiros bem avaliados pelos petistas poderão passar um tempo estudando no Instituto Raúl Roa García, em Havana.

O ditador venezuelano Hugo Chávez foi esperto ao construir uma ponte com Lula e o petista José Dirceu. A relação beneficiou principalmente a empreiteira Odebrecht, que venceu diversas licitações na Venezuela, incluindo o metrô de Caracas. A construtora, depois, recompensou os petistas pagando propinas. Outro ditador, Vladimir Putin, tem cooptado jornalistas, políticos e acadêmicos no Brasil. Com isso, o russo que ordenou a invasão da Ucrânia consegue a proeza de contar com a solidariedade de Jair Bolsonaro e também do governo Lula, que tem criticado as sanções econômicas impostas pelo Ocidente.

Outro país que exerce influência no Brasil é a China. Ao fazer parcerias com canais de televisão e instalar institutos Confúcio dentro de universidade públicas brasileiras, o ditador Xi Jinping contém as críticas às violações de direitos humanos e conduz a política externa brasileira, que é antiamericana, focada no “Sul Global” e nos Brics. “Hoje, o Brasil depende muito da China, que conduz o grupo dos Brics como se fosse uma organização oposta ao G7 ou à OCDE”, diz o embaixador Paulo Roberto de Almeida. “O Brasil, infelizmente, tem a sua política externa hoje guiada pela China e pela Rússia.”

O endeusamento que Jair Bolsonaro e seus apoiadores fizeram de Elon Musk na praia de Copacabana mostra que, agora, tanto a esquerda quanto a direita brasileira têm amigos no exterior e buscam se aproveitar desses vínculos em benefício próprio. Mas vale lembrar que essa é uma disputa em que a esquerda já largou com vantagem.

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  1. Impressionante como a lógica conspiracionista é a mesma: na extrema direita prega-se a existência de uma conspiração global da esquerda pra criar um governo mundial financiado pelo George Soros (deep state).

  2. Enquanto os europeus ainda iludidos vivem sob o iluminismo medieval contratualista e humanista nós a manezada mestiça sob o Cruzeiro do Sul e o panaturalismo de Tupã iniciamos o fatal processo de totalitarismo que a explosão demográfica nos impõe ... mais uma vez é o Brasil na vanguarda do mundo, tremei Kin il Sun que em breve aqui será pinto.

  3. A diferença fundamental entre Direita e Esquerda é que a Direita acredita cegamente em tudo que lhe ensinaram, e a Esquerda acredita cegamente em tudo que ensina. Millôr Fernandes

    1. Ótimo Duda. ,,,Sempre brilhante, Amei mil,,, Obrigada,,,

  4. A esquerda brasileira nunca foi com Nara ditaduras em outros países. Enfrentaram a ditadura daqui pra tentar impor a própria diradura. E hoje vigora a politica externa imprestavel do Lula

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