Reprodução/YoutubeTrump com Melania, quando ainda era presidente: primeiro no banco dos réus

O preço do silêncio

Pagamento para silenciar atriz pornô em 2016 leva Trump para o banco dos réus, mas não o tira da corrida presidencial
26.04.24

Quando o então candidato republicano Donald Trump foi avisado de que a soma para silenciar a atriz pornô Stormy Daniels seria de 130 mil dólares, em pleno ano eleitoral de 2016, ele fez as contas em sua cabeça: “Cento e trinta mil é bem menos do que eu teria que pagar para Melania (Trump, sua esposa). Se isso vazar, não sei como meus apoiadores reagiriam. Mas apostaria que muitos pensariam que é legal eu ter dormido com uma estrela pornô“.

A história foi narrada no livro Disloyal, do advogado de Trump, Michael Cohen, ainda sem tradução para o Brasil. Oito anos depois, o caso continua incomodando Trump, que com isso tornou-se o primeiro ex-presidente a ir para um tribunal na condição de réu. Nesta semana, começou o seu julgamento na Justiça Estadual de Nova York pelo caso do suborno à ex-atriz pornô Stormy Daniels. A questão nunca foi se o republicano traiu ou não a esposa. O que importa saber nesse caso é se ele manipulou os registros comerciais de suas empresas para esconder esse pagamento de 130 mil dólares para calar Stormy Daniels. No total, Trump responde por 34 acusações pelo crime de falsificação de registros comerciais. Ele se declara inocente de todas.

Trump tem usado a sua rede social, Truth Social — criada após ele ter sido banido em 2021 do então Twitter — para proferir uma série de ofensas a pessoas ligadas ao julgamento. Sobrou até mesmo para o juiz responsável pelo caso, Juan Merchan. O ex-presidente chamou a filha de Merchan de “odiadora raivosa” e a acusou de “fazer dinheiro trabalhando para ‘pegar Trump’”, em referência a uma eventual condenação. Algumas das declarações do ex-presidente atribuíam à filha do magistrado postagens no X de um perfil fake. Acontece que, desde 26 de março, Trump está sob “ordem de silêncio”, que o impede de fazer comentários de conteúdo “ameaçador, inflamatório ou caluniador” a pessoas envolvidas no julgamento. Na terça, 23 de abril, a promotoria pediu uma multa de 10 mil dólares por Trump ter supostamente descumprido dez vezes a “ordem de silêncio”. A defesa do ex-presidente alega que os comentários dele são apenas “respostas a ataques políticos”. O argumento não agradou Merchan e o levou a reprimir o advogado de Trump, Todd Blanche. “Você está perdendo toda a sua credibilidade”, disse o juiz a Blanche. Merchan ainda não decidiu sobre a multa.

Atrações secundárias à parte, o julgamento pelo suborno a Stormy Daniels seguiu nesta semana com o depoimento da primeira testemunha do caso. Trata-se do magnata do mundo dos tabloides David Pecker. Amigo pessoal de Trump, de quem recebia informações de bastidores do reality show “O Aprendiz”, o depoente afirma ter coordenado um esquema para enterrar relatos prejudiciais à campanha presidencial do republicano em 2016. Segundo o testemunho, e embasado em registros comerciais de Pecker, os tabloides dele compravam os direitos autorais de histórias negativas sobre a imagem de Trump e, assim, proibiam o denunciante de revelá-los a outrem. Dois relatos foram enterrados com esse esquema: um affair com uma modelo da Playboy e uma denúncia sobre um filho ilegítimo — esta última nunca veio a ser corroborada por nenhuma evidência. Entretanto, Pecker nega ter participado do encobrimento do affair de Trump com Stormy Daniels. “Não vou pagar por essa história. Eu não vou me envolver com uma atriz pornô”, disse Pecker em seu depoimento no tribunal nesta quinta, 25.

Quem comprou o silêncio de Stormy Daniels foi Michael Cohen, com seu próprio dinheiro. O pagamento de 130 mil dólares à ex-atriz pornô foi considerado pela Justiça como uma contribuição individual de Cohen à campanha presidencial de Trump, o que ultrapassa o limite máximo de 2.700 dólares para esse tipo de doações. Cohen declarou-se culpado. Foi condenado por violação da lei eleitoral em 2018 e cumpriu pena de prisão até 2021. Cohen, que não figurava oficialmente como integrante da campanha do republicano em 2016, recebeu, no ano seguinte, um pagamento pelos seus serviços. Apesar de até hoje negar o affair, Trump reconheceu em uma publicação nas redes sociais em 2018 que pagou Cohen para firmar um acordo de confidencialidade com Stormy Daniels. Ele nega que a operação tivesse relação com as eleições de 2016.

Ninguém nega que houve o pagamento à ex-atriz pornô. O julgamento de Trump gira em torno da questão se a compra do silêncio configura ou não um gasto de campanha. O Ministério Público do Estado de Nova York afirma que sim. “Esta foi uma conspiração planejada, coordenada e de longa duração para influenciar as eleições de 2016, para ajudar Donald Trump a ser eleito através de despesas ilegais – para silenciar as pessoas com algo de mau a dizer sobre o seu comportamento”, disse a acusação nesta semana. A defesa do ex-presidente, por sua vez, tenta desvencilhar a operação da campanha eleitoral. Trump estaria apenas “protegendo sua família, sua reputação e sua marca”, diz a defesa.

Mesmo que seja condenado e preso, Trump não seria impedido de concorrer à Casa Branca nas eleições deste novembro. Diferentemente do Brasil, os Estados Unidos não têm uma Lei de Ficha Limpa. A Constituição americana lista os requisitos para ser candidato à presidência. Ela apenas determina que um presidenciável precisa ser cidadão americano nato, ter mais de 35 anos de idade e residindo no país por pelo menos 14 anos. “Não há nada sobre crime, acusação ou condenação”, disse o constitucionalista Michael Klarman, da Faculdade de Direito de Harvard, a Crusoé, em abril de 2023, quando Trump foi denunciado pelo caso Stormy Daniels. O republicano ainda é réu em outros três processos por temas muito mais graves. Trump responde na Justiça Federal pela retenção ilegal de documentos confidenciais da presidência e por um esquema amplo de tentativa de fraude das eleições de 2020, que culminou na invasão ao Congresso americano, em 6 de janeiro de 2021. E, na Justiça da Geórgia, Trump é acusado de fraude eleitoral por tentar intervir na contagem de votos da eleição presidencial no estado em 2020.

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