Wilton Junior/Estadão ConteúdoLula e o petróleo do pré-sal: voluntarismo na hora de alocar recursos

A volta do Estado empresário

Com as estatais cheias de dinheiro no caixa, o governo vê uma oportunidade para tirar do papel projetos mirabolantes, como cataventos de energia em alto-mar
10.03.23

Foi no início de 1918 que o empresário americano Percival Farquhar se encontrou pessoalmente com Vladimir Lênin para discutir seus investimentos em ferrovias na Rússia. O resultado foi um, ainda que momentâneo, sucesso por parte do bom-senso. Por meio da NEP, a Nova Política Econômica, Lênin concordou em manter as propriedades do empresário, ajudando na imagem do novo regime soviético junto ao mundo.

Nem tanta sorte Farquhar teve duas décadas depois, quando se encontrou com outro ditador: Getúlio Vargas. Nas décadas anteriores, Percival havia se tornado o maior investidor privado do Brasil, com investimentos em ferrovias, energia, hotelaria e siderurgia. Vargas, porém, não gostava dos planos de Farquhar para exportar minério de ferro, motivo pelo qual estatizou sua empresa, a Itabira Iron Ore. Deste processo nasceu a Companhia Vale do Rio Doce.

História similar teve Eduardo Guinle, responsável por uma intensa campanha para descobrir petróleo no Brasil. Após obter sucesso, Guinle recebeu do “amigo” Getúlio a notícia de que suas descobertas na Bahia estavam sendo encampadas pela União.

Voltando um pouco mais no tempo, cabe lembrar que Mauá recebeu notícia similar em 1853, quando soube que seu banco, o Banco do Brasil, seria estatizado pela União para fundação do novo Banco do Brasil.

O primeiro Banco do Brasil, criado em 1808, havia falido após sucessivos saques por parte da Coroa. Quando Mauá o refundou, gerou revolta no parlamento, que considerava um dever do Estado ocupar o setor.

Mauá bem que tentou criar um novo banco, mas uma regra criada em 1860 garantia que todos os bancos do país deveriam ter lastro em ouro para criar títulos (moeda), exceto o Banco do Brasil, de propriedade do governo.

A história do Estado empreendedor brasileiro é um retrato das mazelas que vemos hoje. Há casos em que o Estado atua para evitar que empresas quebrem (como no setor ferroviário), outros em que se sente no dever de atuar como monopolista, ou aqueles que julga de “interesse nacional” investir.

No fundo, vemos uma completa ausência de valores que deveriam fundamentar uma economia de mercado, como o fato de que empresas podem e devem quebrar, para que outras mais eficientes surjam, ou ainda na escolha de como alocar capital.

São traços culturais quase patológicos por parte da política brasileira. Em 2009, por exemplo, a Vale do Rio Doce se sagrava como uma das grandes campeãs nacionais (as verdadeiras), quando Lula julgou ser interessante que o país passasse a exportar aço e não mais minério.

Roger Agnelli, o presidente da Vale, resistiu e argumentou que não faria sentido. O setor siderúrgico possuía oferta excessiva por parte de competidores chineses que tinham custos menores em energia, um fator crucial. A Vale, dizia ele, poderia se beneficiar mais alocando recursos em algo no qual tivesse melhor vantagem.

Lula venceu e a Vale passou a investir em siderúrgicas. Em 2016, a mesma Vale vendeu a CSA, Companhia Siderúrgica do Atlântico, por um “preço simbólico” que implicava perdas relevantes face aos 6,2 bilhões de euros investidos na obra. Já em 2021, vendeu a CSP, Companhia Siderúrgica do Pecém, no Ceará, para a Arcelor Mittal.

Essa imensa confusão entre desenvolvimento e valor agregado permanece sob qualquer olhar, com insistência de governos que se sucedem, com exemplos à  esquerda e à direita (que o digam as mais de 300 estatais criadas na ditaduras), gerando resultados previsíveis: um país viciado em se autossabotar.

Como o economista Rafael Vasconcellos, da FGV, publicou em estudo de 2017, escapar da chamada “misallocation”, ou má alocação de capital, poderia tornar nossa indústria até 146% mais produtiva.

Um exemplo clássico disso está na chamada PTF, ou Produtividade Total dos Fatores. Nossa produtividade era, em 2018, de 110% em relação a 1960. Em suma, em 6 décadas nos tornamos 10% mais produtivos.

É evidente que o jeito com o qual temos lidado com essa questão até o momento precisa mudar.

Mas, ao que tudo indica, não devemos ver mudanças tão cedo. Com as estatais com caixa reforçado, tendo lucrado R$ 132,7 bilhões em 2022, contra um prejuízo de R$ 3,3 bilhões em 2016, veremos dinheiro “sobrando” para tentar, novamente, brincarmos de Estado empreendedor.

Nesta semana, por exemplo, a Petrobras anunciou uma parceria com a Equinor, antiga Statoil, a estatal de petróleo da Noruega, para implementar 7 parques eólicos offshore, com capacidade de 14,5 GW (a mesma de Itaipu), ao custo de R$ 270 bilhões.

A estatal alega que são apenas estudos, mas analistas têm modelado os custos, estimando que a instalação de turbinas gigantes em alto-mar custa 3 vezes mais do que em terra. Para piorar, o plano da Petrobras equivale a tudo que o país agregou de energia eólica na última década. E para piorar, claro, se referem ao fato de que tamanha agressividade da estatal em investir neste setor poderia gerar um excedente de oferta que reduza os preços da energia, levando assim a retornos menores.

Nos últimos anos a Petrobras dedicou seus investimentos ao seu core business, a produção e exploração de petróleo, uma tática que permitiu à empresa ter maior foco, lucratividade e assim premiar seus acionistas, como o próprio governo.

Na sanha de mostrar grandes obras e realizações, o novo governo pode acabar criando custos extras para a população (e não apenas os custos inimagináveis de termos de subsidiar linhas de transmissão para fantasiosas usinas eólicas offshore).

Considere por exemplo que, subtraindo os dividendos recebidos pela União das estatais, o superávit primário de R$ 54 bilhões em 2022, o primeiro desde 2014, se converteria em um déficit.

A existência desse superávit, ainda que via receitas extraordinárias, era uma das questões centrais apontadas pelo Copom, o Comitê de Política Monetária, possibilitando a reversão da alta de juros, algo esperado pelo mercado para o meio de 2023.

A eleição, com os gastos do antigo governo e os novos gastos de agora, somada à perspectiva de menor receita, tornam a situação fiscal muito mais complicada, levando a uma alta na expectativa dos juros.

A taxa de juros para janeiro de 2024, que era de 11% em outubro (contra os atuais 13,75%), está em 13,86%, indicando uma alta.

Em suma, voltamos ao insólito cenário de 2015, quando em meio a uma crise fiscal, o governo Dilma chegou a cortar programas sociais como o Minha Casa Minha Vida, em até 85%. Ao mesmo tempo, o governo mantinha por meio do BNDES uma carteira de ações com R$ 100 bilhões.

O governo que exigia sacrifícios, como elevar de 6 para 12 meses o tempo necessário para requisitar auxílio-desemprego, especulava na bolsa.

Este cenário tem boas razões para ocorrer em 2023, com o novo governo já indicando aumentos de impostos para cobrir novos gastos e queda de receita.

Em outras palavras, teremos de pagar mais impostos para que sobre dinheiro no caixa da Petrobras, do Banco do Brasil ou da Caixa Econômica Federal, para que o governo brinque de empresário, enquanto seu descontrole de gastos eleva os juros e afasta investimentos.

Por mais azar que seja, veremos isso ocorrendo ao mesmo tempo em que Estados Unidos e Europa aumentam juros, forçando os daqui pra cima.

As razões disso não chegam a ser novidade. Como dizia Frédéric Bastiat, um filósofo e economista francês do século 18, na economia há o que se vê e o que não se vê.

Vemos os estaleiros e obras financiadas pelo audacioso plano de investimentos da Petrobras. Há fotos históricas do presidente com as mãos sujas de petróleo, ou jaleco da estatal. O que não vemos é a má alocação drenando recursos que poderiam ser mais úteis em outras áreas.

Esse é um cenário do qual a história brasileira nos mostra que há pouca chance de escapar. Como dizia o grande Nelson Rodrigues: subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos.

E nesse quesito, somos hábeis construtores.

 

Felippe Hermes é jornalista

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Excelente. Cabe ao brasileiro, adepto de fundamentos básicos do liberalismo econômico aplicado a sua via cotidiana, mesmo que o ignore, exija o mesmo ao governo. Até lá usar, abusar e se lambuzar com as estatais será demasiado tentar para não o fazer. Cabe aqui também uma pequena menção ao péssimo governo Bolsonaro que fracassou em privatizar tudo o que poderia ser privatizar, prevenindo um governo como o atual de preparar o descalabro que está já cozinhando.

  2. Com o desgoverno do ex presidiário teremos mais incompetência e má fé para dilapidar o caixa que estiver com dinheiro, onde não tiver dinheiro vai haver dívida.

  3. Produtividade de 110% (em 2018) em relação à produtividade de 1960 , significa um aumento de 10% na produtividade em 6 décadas?

  4. Entra governo, sai governo, alguns até voltam. Nada muda. Mas, sigo otimista e paciente. O Brasil tem jeito, sim. Na próxima era glacial, extinta a raça humana. Acreditem e esperem…

  5. Ou seja: trolha. Queríamos o quê, ao elegermos essa gente. O Einstein já nos alertou sobre a loucura que representa fazer tudo igual e pretender resultados diversos. A insensatez pode ser avaliada na troca Paulo Guedes x Haddad

  6. Os próximos quatro anos só não estarão totalmente perdidos, se o Bozo for encarcerado e o Luladrão receber um chamado da natureza. Estamos no mato sem cachorro …

  7. É sempre bom nos lembrarmos da sanha empreendedora do PT e do Lula, para não voltarmos a embarcar em projetos que acabam causando um fantástico prejuízo ao país

  8. Esse modelo não é estado empresário. É estado parasita para acomodar esquerdista que nunca trabalharam, como exemplo o Sr atual presidente do Brasil.

Mais notícias
Assine agora
TOPO