PT na CâmaraGilberto Carvalho: ele acha que é preciso abrir os olhos dos pobres

O PT precisa mais dos pobres do que os pobres do PT

Justificar o poder a partir de uma superioridade moral, e não pela qualidade das políticas públicas, é a tônica deste governo
16.11.23

No auge da Revolução Russa, um jovem soldado do Exército Vermelho entra numa loja de pulgas de um velho judeu em uma cidade qualquer do front. Como conhecidos, iniciam uma conversa sobre as razões do conflito: afinal, pergunta o ancião, se a Revolução é tão boa, “por que manda armas antes de si mesma”? Isto é, se o novo regime e estado de coisas é naturalmente tão superior ao que já existe, por que precisa ser imposto com violência?

O jovem entusiasta responde que nem mesmo o sol pode ser visto por aqueles que fecham fortemente os seus olhos e que os soldados estavam lá para “ajudar” a abri-los. O velho, então, diz que a Revolução requisitou sua radiola e, em resposta, ele disse que amava música e que aquilo não era possível. A Revolução lhe respondeu que ele não sabia realmente o que amava e que ela atiraria nele porque ela era a Revolução e ele entenderia que a Revolução não podia não atirar nele, porque atirar era da sua natureza.

O velho insiste e diz que a ordem que estava caindo atirava nele. E se a Revolução fizer o mesmo, ele não saberá mais quem é quem, pois quem estava saindo e quem estava chegando eram igualmente violentos. Que diferença faria para ele? Se a Revolução fosse boa, ela teria que trazer felicidade, evitaria transformar crianças em órfãos e seria feita por bons homens. E, assim sendo, ele não se importaria de entregar sua vitrola a bons homens, porque sua cidade precisava deles. Onde está a Doce Revolução?

Então ele passa a dizer que sabe o que a Internacional quer (organização com representantes de 12 países existente em Moscou de 1919 até 1943, para disseminar a Revolução no mundo), mas ele deseja uma Internacional de boas pessoas, que promova de fato bem-estar e felicidade e que os atuais dirigentes não sabem engolir isso. Mas eis que o revolucionário lhe responde prontamente: “Sabemos, vamos engoli-los com pólvora e temperados com o melhor sangue”.

Este diálogo foi livremente traduzido do livro Exército de Cavalaria, de Isaac Babel, jornalista e escritor de família judia, nascido no que hoje é a Ucrânia, entusiasta inicial da Revolução Soviética e que ganhou fama como correspondente durante a guerra para a sua instalação. Babel, no entanto, recusou-se a se adequar aos novos padrões culturais do seu país e foi acusado de “baixa produtividade” cultural, o que fez com que ele declarasse que estava se tornando mestre em um novo gênero literário, o “gênero do silêncio”. Babel foi preso, torturado e morto em 1941, além de ter seu nome apagado dos registros políticos e culturais de seu país.

O motivo da conversa entre o velho judeu e o jovem revolucionário ser reproduzida aqui é fazer uma analogia da estranha conversa que o PT faz com os pobres, ao menos pelo ponto de vista do ex-ministro e um dos fundadores do partido, Gilberto Carvalho. Em uma palestra recente para uma entidade de cunho religioso, Carvalho, que já foi seminarista, afirma que o partido precisa abrir os olhos dos pobres. O partido, na sua leitura, deve buscar construir uma aliança duradoura com eles, elevando sua participação nas políticas públicas a outro patamar. É necessário, segundo ele, “amar o pobre, não desviar do pobre, também é investir, insistir na educação popular, na conscientização. Fazer de cada ato, de cada conquista, um momento de educação, de autoconsciência.”

A instrumentalização do pobre como elemento de sustentação vem associada a uma profunda desconfiança institucional manifestada também por Carvalho neste evento. Para ele, mesmo o partido tendo ocupado o Planalto por quase 14 anos na passagem Lula/Dilma, ter assimilado todos os mecanismos tradicionais de fazer política e de ter retornado ao Planalto em 2022, o sistema irá expelir o PT na primeira oportunidade que tiver porque “eles” (outros partidos) não nos aceitam”.

Dá medo de perguntar o que essa receita que inclui uma relação diferenciada com o pobre e a desconfiança com o sistema político tradicional pode dar. O fato é que o espírito do jovem revolucionário está no velho petista porque, apesar de fazer tudo igual aos contrarrevolucionários, ele detém uma superioridade moral que garante seu direito de governar, isto é, só pode solucionar os problemas dos pobres quem já foi pobre, e sofre para conviver com as outras forças políticas, que ele considera inferiores.

Justificar o poder a partir de uma superioridade moral, e não pela qualidade do governo e das políticas públicas que se faz, é a tônica deste governo e, não por acaso, Lula é a expressão máxima e insubstituível do PT. Gilberto Carvalho, na sua juventude, escolheu morar em uma favela e trabalhar como peão de fábrica, indicando seu peso na consciência por ter nascido do lado errado da luta de classes. Considerando que a próxima geração não é nem sequer de ex-pobres, fica essa angústia na qual o PT sabe que, tendo perdido a classe média, caminha para se fiar apenas nos pobres, precisando mais deles do que eles precisam do PT. Se atirar era da natureza daquela Revolução, ser populista é a natureza desta.

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  1. Quantos sindicalistas petistas enriqueceram nas fileiras do PT? Ferraram com a classe média trabalhadora. Só voltaram porque alguns milhões de eleitores não queriam mais o louco e sua tropa. Caiam na real e deem o fora!

  2. O problema é que o PT fala com os pobres, e busca dividir o país criando a contraposição desses na verdade contra uma classe media, que é chamada no discurso de "ricos e privilegiados", "que não querem a faxineira no aeroporto nem o filho dela na universidade etc.". Os ricos, na verdadeira acepção do termo, não participam nem nunca participaram desse conflito, até porque não se exerce o poder sem dialogar com essa faixa.

  3. Se fosse excluir os ricos ou classe média, média alta, os dirigentes do PT, inclusive o presidente deveriam se abster de falar aos pobres, pois, ou nunca foram, ou deixaram de ser há muito tempo. Enriqueceram com seus "ideais", e quem enriquece com seus ideais, já sabe, né?

  4. Mas a escória que se aproveita da pobreza não tem superioridade moral e as figuras mais proeminentes do partido/organização criminosa são exemplos da falta de moral.

  5. Muito bom seu artigo e, ao mesmo tempo, assustador. Mostra claramente o que os fanáticos idólatras de populistas nada tem a ver com melhorar a condição de vida do povo.

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