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O que o futuro reserva para a Argentina

Independentemente de quem ganhar as eleições, o novo governo terá mais desafios que oportunidades
16.11.23

O segundo turno das eleições presidenciais na Argentina ocorre neste domingo, 19 de novembro. A disputa está acirrada entre o libertário Javier Milei e o ministro da Economia, o peronista Sergio Massa. A maioria das pesquisas eleitorais, incluindo as três maiores que previam a liderança peronista no primeiro turno, apontam uma leve vantagem para Milei, dentro ou quase dentro da margem de erro. É importante ressaltar que a legislação eleitoral vetou as pesquisas de captarem a última semana da eleição, o que torna o cenário ainda mais incerto.

A única certeza para a Argentina é que, independentemente do resultado de domingo, o próximo governo terá mais problemas do que oportunidades pela frente. “A inflação está descontrolada. Eu não consigo fazer nenhum projeto de investimento, porque não sabemos quais serão os custos no longo prazo. E ainda falta mercadoria”, diz Marcelo Marinovich, dono de um restaurante em Buenos Aires. Abaixo, o que se pode esperar em caso de vitória de cada um dos dois candidatos, em diversas áreas.

 

Lula

 

Milei: Será bem difícil para o libertário se entender com o presidente brasileiro. Milei afirmou múltiplas vezes que não estimularia as relações com países governados por “comunistas”, dentre os quais estaria o Brasil. Ele também disse que Lula foi preso por ser “comunista e corrupto”. As relações comerciais, segundo ele, seriam conduzidas apenas pelo setor privado. Nos bastidores, figuras importantes da campanha, em especial a candidata a vice, Victoria Villarruel, e a potencial ministra das Relações Exteriores, Diana Mondino, desmentem as bravatas de Milei. Elas disseram ao embaixador do Brasil na Argentina, Julio Bitelli, que há interesse na manutenção das relações bilaterais e do Mercosul, como revelou Crusoé ainda antes do primeiro turno.

Massa: O peronista já se encontrou com Lula diversas vezes e os dois mantêm uma boa relação. Essa proximidade pode render ao argentino facilidades para garantir empréstimos de órgãos internacionais ou do BNDES, às custas do contribuinte brasileiro. Na campanha, houve pressão do governo do petista para que o Banco de Desenvolvimento da América Latina, da Cooperação Andina de Fomento (CAF), emprestasse 1 bilhão de dólares à Argentina. Desde abril, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenta fechar a criação de uma nova linha de crédito para exportações brasileiras à Argentina.

 

Acordo UE-Mercosul

 

Milei: Lula poderá usar a vitória do libertário como um bode expiatório, caso desandem as negociações para o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. O PT é contra acordos de livre comércio e, em 2005, enterrou a Alca, que incluiria vários países da América Latina, Estados Unidos e Canadá. Este ano, Lula atacou diversas vezes a União Europeia, dizendo que o bloco estaria ameaçando com sanções no caso de descumprimento de metas ambientais. A assinatura do acordo, então, foi adiada. Milei diz que prefere acordos com o “mundo livre”, o que poderia incluir a Europa. Mesmo assim, um estremecimento das relações com a Argentina poderia servir de álibi para Lula enterrar de vez as negociações. Além disso, a falta de governabilidade de Milei poderia causar receio entre os representantes europeus.

Massa: Uma vitória do peronista não seria uma garantia da concretização do acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Em agenda oficial em agosto no Paraguai, o ministro-candidato defendeu que o Mercosul negocie acordos distintos com cada país do bloco europeu. É importante lembrar ainda que o peronismo tem uma forte veia protecionista e nacionalista. Isso pôde ser observado nos conflitos entre o agronegócio argentino e o Mercosul.

 

Papa Francisco

 

Milei: O papa sempre foi próximo dos peronistas e avesso aos seus opositores. Quando se encontrou com o então presidente Mauricio Macri, o pontífice foi seco e ficou com o visitante por poucos minutos no Vaticano. Com Milei, a relação seria ainda pior. Desde 2017, o libertário ataca o papa. Ele já o chamou de “comunista” e “representante do maligno na Terra”. Francisco retrucou com alfinetadas sem citá-lo em uma entrevista transmitida na semana do primeiro turno. Em reação, o guru ideológico de Milei defendeu o rompimento das relações com o Vaticano em discurso a milhares de pessoas no ato de encerramento da campanha no primeiro turno.

Massa: A afinidade de Francisco com o peronismo não significa uma boa relação com Massa. Pelo contrário, o papa e o hoje ministro da Economia têm um histórico de conflitos. Quando era chefe de gabinete do então presidente Néstor Kirchner, Massa tentou forçar a aposentadoria de Bergoglio, então arcebispo de Buenos Aires — Kirchner rompera com o então arcebispo por desavenças políticas, que se agravaram ainda mais no governo de Cristina, com a aprovação da lei do casamento gay. Um indício recente de eventuais hostilidades entre Massa e o papa foi divulgado na semana passada em mídias oficiais do Vaticano. Trata-se de uma foto de Francisco com um político rival do ministro. Logo, assim como Milei, Massa na presidência também terá dificuldades para lidar com a Igreja.

 

Economia

 

Milei: O libertário tem um plano econômico simplista, de difícil aplicação prática. Ele quer combater a inflação com o fechamento do Banco Central da Argentina e a eliminação do peso de circulação. Assim, a moeda oficial do país passaria a ser o dólar. Milei, entretanto, precisa contornar a escassez de moeda americana nas reservas do Estado argentino, decorrente de má-gestão fiscal e crescimento da dívida pública. O seu plano de dolarização fala em cortes de gastos e em terceirizar a renegociação da dívida, mas essas medidas podem ser impraticáveis pela provável falta de capital político e de credibilidade da Argentina nos mercados internacionais. Pior, estima-se que a tentativa de dolarizar faça a inflação crescer ainda mais.

Massa: O peronista não apresentou nenhum plano econômico coeso ou crível nestas eleições. Afinal, como ele já é o ministro da Economia e presidente de facto, há poucos motivos para acreditar que a política econômica mudaria.

Governabilidade

 

Milei: O libertário não teria apoio garantido no Congresso para as suas principais propostas, como os cortes de gastos. Todas suas ideias demandam aval do Legislativo. Seus partidários terão 40 dos 257 deputados e 8 dos 72 senadores. Mesmo incluindo os congressistas aliados, Milei estará longe da maioria simples para aprovar suas medidas na primeira metade de seu governo. Um desafio ainda maior para Milei é que os peronistas só precisarão de três senadores a mais para obter maioria na Casa. Com alguma negociação, os peronistas teriam capacidade para barrar muitas das propostas de Milei.

Massa: O peronista, caso vencedor, terá uma base forte no Congresso. A coalizão de Massa contará com 108 deputados e 34 senadores, ou seja, lhe faltarão apenas 21 votos na Câmara e dois no Senado para alcançar uma maioria simples. O problema será manter a coesão do peronismo a partir de dezembro de 2023. Como Massa brigou com Cristina Kirchner em 2013, quando desertou do governo dela, espera-se que Massa tenha problemas em lidar com o kirchnerismo. Na hipótese de tentar uma reeleição em 2027, Massa teria o governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, como seu principal rival. Kicillof é um protegido de Cristina Kirchner.

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  1. Quero dar meus parabéns ao Caio e à Crusoé pela excelente cobertura dessas eleições. Lá como cá estão ferrados: 2 péssimos candidatos. A única certeza é a continuação da miséria nos próximos 4 anos

  2. Torço pelo Milei e que consiga com sua erudição e inteligência, fazer um bom governo e melhorar a felicidade de "los Hermanos". Fora Lula e fora Bolsonaro!

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