Marcos Oliveira/Agência SenadoHoje, dependemos de um "Centrão" fisiológico que se aluga ao governo em troca de verbas e cargos

Por que não temos uma oposição democrática no Brasil

Não adianta torcer pela volta do bolsonarismo ao governo em 2026 num golpe de sorte eleitoral. Trocaremos, novamente, um populismo por outro
22.12.23

Governo existe em qualquer regime, mas não há democracia sem oposição democrática. Um dos indicadores para medir a qualidade da democracia é avaliar o quanto o governo reconhece e valoriza o papel de uma oposição democrática.

No entanto, não temos hoje no Brasil uma oposição democrática, nem um governo que reconheça a sua necessidade e a valorize como parte fundamental da governabilidade democrática. As razões não são difíceis de detectar.

Os bolsonaristas não podem fazer uma oposição democrática ao governo Lula. Em primeiro lugar, porque… não são democratas! Basta ver como admiram Trump, Orbán e, se cavar mais dois dedinhos, até o Putin. São todos populistas-autoritários, iliberais. Em segundo lugar, porque não fazem propriamente política, mas antipolítica: acham que estão numa guerra religiosa (defendendo Deus, pátria, família patriarcal e hierarquia social contra a dissolução dos costumes tradicionais, a qual estaria sendo promovida pelos comunistas por meio da defesa do aborto, da ideologia de gênero, da doutrinação das crianças nas escolas, do desarmamento da população etc.).

Os pouquíssimos democratas liberais (quer dizer, não populistas) que se abstiveram, anularam o voto ou votaram em Lula nas eleições de 2022 (unicamente para impedir a reeleição de Bolsonaro) ou foram cooptados pelo governo (como a inconsistente Tebet) ou não conseguiram articular uma força política expressiva para se opor ao neopopulismo de esquerda que está avançando no controle das instituições (nas empresas estatais, nos órgãos de controle, nas Cortes superiores de Justiça e, inclusive, em grande parte imprensa profissional — pela primeira vez incorporada como peça orgânica do sistema de governança oficial). Além disso, os democratas não estão conseguindo denunciar o alinhamento do país ao eixo autocrático que ora ataca as democracias liberais (sim, contra o espírito e a letra da nossa Constituição, que toma partido da democracia, o governo está escolhendo o lado antidemocrático da segunda grande guerra fria que já começou). Neste momento, o eixo autocrático — Rússia, Irã, Síria e outras tiranias do Oriente Médio, com o apoio da China e de governos populistas da Europa, América Latina e África (reunidos no Brics ou no Sul Global) — está na ofensiva e o governo brasileiro embarca alegremente nessa aventura insana que ameaça destruir a ordem liberal no plano global.

No plano interno, não há mais um centro de gravidade democrático em torno do qual a política institucional possa gravitar, nem uma movimentação social que sustente uma alternativa democrático-liberal. Hoje a democracia está dependendo de um “Centrão” fisiológico que se aluga ao governo em troca de verbas e cargos. Mas, por incrível que pareça, se não fosse esse chamado “Centrão” — que precisa da democracia para sobreviver (pois sua profissão é viver dela)—, nosso regime entraria em transição autocratizante muito mais rapidamente (com o governo “passando a boiada” no Parlamento).

Não adianta torcer pela volta do bolsonarismo ao governo em 2026 num golpe de sorte eleitoral. Trocaremos, novamente, um populismo por outro — ambos não liberais. Essa situação não terá solução enquanto houver um déficit tão acentuado de agentes democráticos na sociedade brasileira. Isso significa que, no curto prazo, não há solução. Mas significa também que os democratas sabem o que precisa ser feito, ainda que numa perspectiva de longo prazo.

Não existe democracia sem democratas. É uma questão de sobrevivência para os democratas — e para a própria democracia — expandir a aprendizagem da democracia em todos os lugares onde seja possível fazer isso. O objetivo é multiplicar o número de agentes democráticos que sejam capazes de reconhecer e refutar os populismos que hoje são os principais adversários da democracia, no mundo e no Brasil.

É preciso dizer, ao contrário do que muitos pensam, que populismo não é característica psicológico-política de um líder. Populismo é um comportamento político que consubstancia forças políticas concretas (organizações, partidos e movimentos que arregimentam seguidores). Por isso, não adianta dizer: “Bolsonaro é populista, mas Tarcísio não é” ou “Lula é populista, mas Haddad não é”. Bolsonarismo e lulopetismo, com ou sem Bolsonaro e Lula, são forças políticas populistas. Enquanto essas forças, no governo ou fora dele, estiverem polarizando o cenário político nacional, não haverá lugar para o florescimento de uma oposição democrática.

Quem investiga redes e democracia entende que os democratas são netweavers. A eles acabe articular e animar o processo interativo de formação de uma opinião pública democrática. Esse papel não é cumprido por maiorias, mas por minorias de agentes democráticos. Por certo, os agentes democráticos ativos nunca foram e jamais serão maioria. Os democratas não são a massa, mas o fermento na massa. Todavia, uma quantidade tão pouca de fermento, não pode fermentar nada. Essa é a nossa situação atual.

Sob a terceira onda de autocratização que nos assola neste século e num novo estado de guerra fria já instalado, o desafio parece insuperável. Talvez seja mesmo, no curto e médio prazos. Entretanto, é própria dos democratas a teimosia de remar contra a corrente. A democracia original dos atenienses nasceu como que numa ilha, cercada de autocracias por todos os lados. E mesmo assim eles desafiaram o que parecia ser uma ordem natural ou sobrenatural.

Voltamos ao início. Cabe-nos, agora, fazer a mesma coisa.

 

Augusto de Franco é escritor

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  1. Concordo 100% com o artigo. Também não vejo saída no curto prazo, é um ataque a nível mundial às democracias, da direita à esquerda. Apoio o parlamentarismo com voto distrital e readequação dos deputados federais às populações estaduais.

  2. A prémissa da democracia é o exercício do governo, pelo povo e para o povo. Essa ideia romântica gestada pelos atenienses e fomentada por iluministas, já não se sustenta mais nos dias de hoje. A figura do estado, dito democrático, foi dragada por interesses corporativos, de modo que o povo só vê solução em “messias”. É um movimento mundial, fomentado por redes socias, Bolsonaro é um bom exemplo disso, aparentemente irreversível por mais que democratas autênticos, minoria como dito no texto, se empenhem. Infelizmente esse movimento populista que leva a concentração de poder dificilmente será contido sem uma “quebra democrática do estado democrático de direito”,

  3. O maior problema, brasileiro adora um populista. Reduzir a direita a um Bolsonaro é terrível mais vai acabar acontecendo. Vão fomentar a divisão entres os candidatos de direita até chegarmos num ponto onde o mais cotado será o mais grotesco.

  4. Talvez não haja mais espaço para democracias. A população em geral perdeu a confiança no pacote todo do Iluminismo como ferramentas para melhorar a vida de todos. Apoiam antes um populista autoritário de qualquer bandeira. Vamos dando adeus a essa bela tentativa que foi tentar organizar o mundo de modo racional. Não deu certo.

    1. Deu certo sim! Ocorre que as sociedades democráticas ainda são relativamente jovens. Precisamos amadurecer como sociedade.

  5. Antes de mais nada, desejo expressar que sou cristão. Mas quem se preocupa em seguir os ensinamentos de Cristo, jamais misturará Ele com a política secular. Em segundo lugar, falando do reino deste mundo, no qual o Brasil está inserido, opino que, se a direita quiser sobreviver, precisa aposentar Bolsonaro e todo o seu séquito. Talvez a partir disso, a esquerda também aposente Lula e os radicais do lado de lá.

    1. A esquerda jamais aposentará seus radicais, e com a burrice e “tosquice” do bolsonarismo, vai se fortalecer cada vez mais.

  6. O pais está e continuará dividido por dois populistas. Quem poderia mudar isto seria o centro, que seria a mudança do peso da balança, pensando no país. Mas o centro só pensa no fundo partidário e nas emendas parlamentares. Pois os mesmo se perpetuam em seus currais eleitorais aonde mantem suas manadas a ¨cabresto¨.

  7. A imensa maioria do povo brasileiro é uma legião de fiéis procurando um messias, um profeta salvador da pátria, não o fossem, nem Lula, nem Bolsonaro teria ido para o segundo turno ano passado. Classifico esta maioria (tanto faz esquerda ou direita) pela sigla BOI: Bitolados, Oportunistas e Ignorantes. Basta ver o que a maioria lê ou assiste: futebol, novelas (BBB incluso) e noticiário policial. É o Brasil.

  8. Muito bom! Falta mesmo é uma cultura democrática no país. O nosso imaginário é todo formado e influenciado pelo populismo e autoritarismo. Dois exemplos claros disso são a maneira como duas categorias importantes se renderam a essa disputa Lula x Bolsonaro: jornalistas e advogados.

  9. O Brasil realmente carece de cultura democrática, mas me admira que coloque a admiração por ditaduras no colo da oposição. Quem tieta ditadores e regimes autoritários é o próprio governo Lula, com seus acenos ao “excesso de democracia”. Me desculpe, mas o liberal que votou em Lula para salvar a democracia ou é oligofrênico ou é mal-intencionado.

    1. Tá cheio de direitista por aí querendo uma nova ditadura militar.

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