Ricardo Stuckert / PRLula parece disposto a materializar a importância que ele faz de si mesmo para o Brasil e para o mundo

Lula conseguiu não ser Bolsonaro?

Presidente petista vendeu a ideia de que o seu retorno traria normalização institucional e seria o suficiente para colocar o Brasil em águas mais calmas e previsíveis. Quanto sucesso ele teve?
22.12.23

Talvez a principal notícia de 2023 é a de que Lula não é Bolsonaro. Sem ironia, o presidente petista, na sua terceira passagem pelo Planalto, assumiu o poder vendendo a ideia de que o seu retorno traria normalização institucional e seria o suficiente para colocar o Brasil em águas mais calmas e previsíveis. E um balanço de 2023 pode ser feito a partir daí: quanto sucesso ele teve?

Para fazer essa avaliação, se Lula conseguiu não ser Bolsonaro, é preciso recorrer ao recurso do “copo meio cheio ou meio vazio”.

No aspecto da diminuição das tensões, pode-se dizer que a coisa não aconteceu porque o PT segue sendo o PT e há interesse de Lula em manter a polarização com objetivos eleitorais. Foi ele mesmo que afirmou isso em evento recente do seu partido, prevendo que as eleições municipais serão novamente uma luta entre o lulismo e o bolsonarismo. Esse é o lado vazio do copo.

No lado cheio, Lula deu espaço para o retorno da política como principal meio de solução de conflitos de políticas públicas, embora ameace judicializar algumas derrotas enfrentadas pelo Congresso. Um exemplo é o debate do marco temporal. O STF criou sua tese, o Congresso reverteu, Lula vetou e o Congresso derrubou o veto. Passar pelo debate sem atacar a institucionalidade é a grande mudança que as elites nacionais buscaram com a saída de Bolsonaro e é o que, até agora, Lula está bancando.

Do ponto de vista dos resultados, não há como deixar de fazer uma associação entre aspectos pessoais de Lula e de um desenho institucional emergente.

Desde o primeiro dia de janeiro, Lula parece disposto a materializar a importância que ele faz de si mesmo para o Brasil e para o mundo, sem se importar em, muitas vezes, desafiar as condições objetivas da realidade a partir da sua capacidade de diálogo, convencimento e negociação.

No plano internacional, Lula criou mais polêmica do que conquistou resultados efetivos. Seus posicionamentos foram contestados no conflito entre Rússia e Ucrânia e na guerra entre o Hamas e Israel. Foi responsabilizado parcialmente pela não concretização do acordo entre Mercosul e União Europeia e exagerou na ajuda pessoal que deu na reabilitação internacional de Nicolas Maduro, o que pode ter servido de estímulo para que o ditador venezuelano resolvesse criar mais uma confusão, dessa vez com um país vizinho.

Além disso, Lula se envolveu pessoalmente na campanha do peronista Sergio Massa e acabou vendo Javier Milei vencer a eleição argentina e dar tratamento de chefe de Estado ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Por fim, no campo ambiental, embora tenha apresentado bons números de combate ao desmatamento, fez o Brasil sair desacreditado da COP28 depois de um desastrado anúncio de ingresso à Opep+, entidade que é a grande vilã na guerra contra os combustíveis fósseis.

No campo doméstico, Lula trabalhou na linha de que o “melhor que vocês podem ter é o que vocês já tiveram”, ressuscitando programas de suas gestões passadas. Em termos de novas ideias, mesmo que não sejam próprias, o Desenrola, ajuda para pessoas a resolverem suas dívidas com bancos e serviços de proteção ao crédito, foi o principal destaque.

Na economia, o princípio de que o Estado deve ser o principal vetor de organização dos investimentos continua valendo e o mandamento “gasto é vida” tem sido assumido cada vez mais abertamente. Mas há uma novidade importante que diferencia essa experiência petista de outras anteriores.

Durante o ano, o ministro Fernando Haddad dedicou-se fortemente a desfazer a agenda Dilma/Mantega de desoneração de impostos dadas a setores específicos, feita entre 2012 e 2014. A reforma tributária, liderada pelo Congresso, mas que teve uma ajuda decisiva do Executivo — que aceitou pagar os custos de transição financiando fundos destinados aos estados — faz a limpeza dos gastos tributários no atacado. No varejo, o governo conseguiu tributar isenções estaduais e perdeu a guerra da desoneração da folha de pagamentos.

Nas derrotas recentes no Congresso, Lula conheceu outro limite para seu poder pessoal, que foi a ascensão de um parlamentarismo que se torna bem efetivo ao controlar metade do orçamento discricionário da União. Aliás, saber como Lula lidará com a dinâmica de preponderância congressual é outro desafio de pacificação. Vai se adaptar ou desafiá-lo via STF? Se optar pelo primeiro caminho, se conformará em ver suas possibilidades (e as do PT) sempre limitadas. Se escolher o segundo, contratará um conflito institucional que pode escalar e atrapalhar o andamento do seu governo.

Comparar Lula e Bolsonaro parece um exagero para quem simpatiza com um lado ou com outro. Mas esse é o exercício cotidiano que a população faz e que consolidou um frame que o presidente fez muito pouco para desmontar em 2023, porque objetiva fazer seu uso instrumental nas eleições de 2024 e, quiçá, na disputa de 2026. Dessa forma, é possível dizer, agora com ironia, que Lula ainda não conseguiu, para efeito de pacificação, não ser Bolsonaro.

 

Leonardo Barreto é cientista político e diretor da VectorRelgov.com.br

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  1. O maior problema e semelhança entre eles é ignorar o combate à corrupção, por interesse próprio, é claro. Nisso arrastaram o Congresso e o stF em prol da harmonia entre os poderes

  2. Pena que nenhum dos citados no artigo tenham a pauta do combate à corrupção e todos busquem a harmonia constitucional se blindando mutuamente

  3. Triste ver que a pauta do combate à corrupção foi abolida por Lula, Bolsonaro, Congresso e até pelo STF e todos se blindam em função da harmonia entre os poderes

  4. No plebiscito m 21 de abril de 1993 os brasileiros escolheram o regime república presidencialista. Lentamente os congressistas, liderados pelos suínos do Centrão, foram mudando para o regime parlamentarista, dando destinação a seu bel prazer de metade orçamento discricionária. Estes suínos não estão respeitando o plebiscito e a CF.

  5. Não conseguiu. Apesar de terem a mesma vibração para obediência ao Kremlin tem gostos diferentes. Um prefere ser Stalin e o outro prefere ser Kim Jong Un. O difícil mesmo, para Luis Stalinácio é ser Mahatma Gandhi.

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