ReproduçãoMargareth Menezes, ministra da Cultura do governo Lula

Sensacionalismo sob encomenda

Notícia de que Lei Rouanet "explodiu" no governo Lula é inexata, mas narrativa petista foi inflada pela direita e pelo bolsonarismo
22.12.23

A notícia foi reproduzida exaustivamente em rede social nos últimos dias: “Lei Rouanet explode no governo Lula e chega a 16 bilhões em 2023”. Tudo começou no portal Metrópoles, que acrescentou: “O governo Lula aprovou a liberação de 16,3 bilhões de reais para projetos culturais via Lei Rouanet em 2023, segundo dados do Ministério da Cultura aos quais a coluna teve acesso. A cifra representa um recorde histórico e contrasta com o ajuste fiscal em curso, uma vez que a Fazenda busca receitas extras, inclusive com aumento de impostos, para evitar um rombo de 168 bilhões de reais no ano que vem”.

A notícia, divulgada aos quatro ventos por deputados da direita e do MBL, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro, é inexata e sensacionalista. Por vários motivos. Quando o portal diz que o “governo Lula aprovou a liberação de 16,3 bilhões de reais para projetos culturais via Lei Rouanet em 2023” é simplesmente falso.

Primeiro: o que impacta no orçamento não é a aprovação mas a efetiva captação. Apenas 20% dos projetos captam o valor necessário para liberar o valor do projeto, e 5% conseguem o valor total.

A Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual utilizam-se de incentivo fiscal: o dinheiro não passa pelo governo, trata-se de um recurso que viria a ser público. Entretanto, a conta do projeto só é liberada pelo governo. E para isso é preciso ter um valor mínimo – atualmente, na Lei do Audiovisual, é preciso ter 80% do valor total para ter o recurso liberado. Muitos projetos não conseguem esse valor e precisam redimensioná-lo ou simplesmente devolver o recurso captado.

Além disso, existe um teto anual de captação: e ele é de 2,5 bilhões de reais. Até agora, próximo do final do ano, foi captado 1,2 bilhão de reais – muito longe do teto. A captação, na verdade, diminuiu significativamente desde o governo Bolsonaro: 33,26% comparado ao mesmo período do ano passado.

O Ministério da Cultura informou que teve 10.676 propostas admitidas, de um total de 12.265 recebidas. O aumento, segundo eles, deve-se “a uma demanda reprimida dentro da sociedade durante os quatro anos anteriores, quando havia uma legislação que dificultava muito a apresentação de propostas ao Ministério”.

Mesmo que os projetos aprovados em 2023 captem no próximo ano, como vai ser na maioria dos casos, o teto dos dois anos será de no máximo 5 bilhões de reais. E se todos os projetos captarem o valor total? Assim, o governo teria que priorizar uns em detrimento dos outros (talvez por ordem de inscrição), ou teria um problema fiscal. De qualquer forma, esse cenário é totalmente irreal – nunca aconteceu desde a criação da Lei Rouanet em 1991. O valor de 16,7 bilhões de reais é totalmente fora da realidade, puro sensacionalismo.

Não acho que a aprovação de tantos projetos ao mesmo tempo tenha o objetivo de beneficiar a produção cultural. O propósito foi causar uma impressão de que “a cultura voltou, que é o lema do petismo nessa gestão. O sensacionalismo da imprensa favoreceu a narrativa petista – e diga-se, com a ajuda da direita e do bolsonarismo, ao inflar a notícia.

Tal narrativa não encontra amparo na realidade: a captação de recursos através da Lei Rouanet caiu 33,26% em relação ao mesmo período do ano passado – talvez o motivo seja a estagnação da economia. Na Lei do Audiovisual (que é a Lei Rouanet do cinema) durante o ano de 2023 os projetos têm demorado um ano para serem aprovados – o tempo deveria ser de, no máximo, três meses.

E para completar, o governo petista alterou e tem por objetivo alterar ainda mais a Lei Rouanet. O Ministério da Cultura anunciou em outubro o programa Rouanet nas Favelas, que irá investir 5 milhões de reais especificamente nos estados do Pará, Maranhão, Ceará, Bahia, e Goiás. Tal ação só foi possível com o decreto aprovado em março com alterações na Lei Rouanet, com novas diretrizes que permitem que o governo atue junto aos patrocinadores. De acordo com o decreto, “os mecanismos de fomento do país devem promover a diversidade cultural, a superação do patriarcado e a erradicação de todas as formas de preconceito”, segundo matéria da Folha de S.Paulo.
Tais alterações desviam o sentido da lei, cujo objetivo era tirar do Estado a escolha dos projetos – essa escolha passava para a iniciativa privada, através da isenção fiscal.

Enquanto a direita compra o sensacionalismo promovido pelo petismo, o governo Lula trata de mudar a lei para controlar ainda mais os recursos. O único mecanismo de fomento à cultura que um sujeito não alinhado com o governo federal pode acessar é a Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual. E são exatamente esses os mecanismos que são sistematicamente atacados por parte da direita e pelo bolsonarismo em rede social. Qualquer projeto político de oposição que não leve em conta a cultura – e a política cultural – está fadado ao fracasso.

 

Josias Teófilo é cineasta, jornalista e escritor

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500
  1. Concordo com o Josias sobre o sensacionalismo criado pela direita. Mas também acho que se hoje existe grande aversão à Lei se deve ao fato de que o dinheiro habitualmente acaba em mãos erradas. A quantidade de artistas que recebe essa verba não é bem aquele que precisa. Ou pelo menos boa parte. Então, vale prestar bem atenção para onde irá o dinheiro. E porque tem que ser direcionado ao Nordeste? Bons artistas sem condições de mostrar seu trabalho é uma realidade em todo o País.

    1. https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/dados-da-cnm-mostram-a-concentracao-dos-recursos-quase-80-da-lei-rouanet-ficou-no-sudeste

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