Foto: Marcelo Camargo/Agência BrasilGonet: promessa de defender o Ministério Público e suas prerrogativas

Amarras desfeitas?

Ministério Público celebra o fim da gestão Aras e a promessa interna de Paulo Gonet de defender as prerrogativas da instituição -- inclusive o poder de investigar
22.12.23

O processo de escolha do novo Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, mostrou de forma cristalina que o período passado na prisão deixou marcas profundas na maneira como Lula toma decisões de governo. A seleção demorou muito mais do que a praxe, tornando o intervalo entre a saída de um PGR e a indicação de seu sucessor o mais longo da história: 62 dias.

Lula ignorou a lista tríplice apresentada pelo Ministério Público, ao contrário do que fez em seus mandatos anteriores. Ignorou também a insistência de “companheiros” do PT, que recomendavam o nome de Antonio Carlos Bigonha. No fim, valeram as garantias dadas pelos ministros do STF  Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, de que Gonet não seria um algoz ao estilo de Rodrigo Janot, que comandava a PGR no auge da Operação Lava Jato.

Na segunda-feira, 18, durante a posse de Gonet, Lula disse em público o que já havia dito pessoalmente a ele: que a PGR deve ser “corresponsável pela harmonia entre os poderes”, não pode contribuir com a criminalização da política, nem se “submeter a manchetes”.  “Acusações levianas não fortalecem a democracia, não fortalecem as instituições”, declarou o presidente.

O discurso e linguagem corporal de Gonet sugeriram que a sobriedade será a tônica do seu mandato. “No nosso agir técnico, não buscamos palco nem holofotes. Mas, com destemor, havemos de ser fiéis e completos ao que nos delega o Constituinte e nos outorga o legislador democrático. Devemos ser inabaláveis diante dos ataques dos interesses contrariados e constantes diante da efervescência das opiniões ligeiras. Devemos sobretudo ter a audácia de sermos bons, justos e corretos”, disse ele.

A mensagem mais importante para os integrantes do Ministério Público, no entanto, havia sido transmitidas anteriormente. Segundo apurou Crusoé, nos dias que se seguiram à aprovação de seu nome pelo Senado, no último dia 13, Gonet conversou com subprocuradores, procuradores regionais e chefes das procuradorias nos estados. Prometeu que será um defensor intransigente da instituição e suas prerrogativas – e que ninguém será tolhido no trabalho. Era o que os seus colegas queriam ouvir de um nome respeitado pelas qualidades pessoais e intelectuais, mas que nunca havia exercido liderança efetiva dentro da carreira.

Essa é a crítica mais comumente dirigida a Augusto Aras, o antecessor de Gonet, dentro do MPF: ele não defendia a instituição, pelo contrário, agia como se desconfiasse dela. “Aras se comportava como um interventor”, disse um subprocurador a Crusoé.

Críticas ao trabalho dos colegas eram muito mais comuns do que palavras de incentivo. Além disso, muitos no MPF não apenas se sentiam perseguidos, como também eram vistos pelos colegas como alvos de perseguição. Em nome da “não espetacularização” das ações, Aras, segundo ouvido pela reportagem, calou muitos membros do Ministério Público Federal. A centralização das tarefas de divulgação do órgão em Brasília teria sido uma atitude para, deliberadamente, reduzir o impacto de iniciativas de procuradores.

O desenho institucional do Ministério Público, derivado da Constituição de 1988, dá autonomia funcional a cada um de seus membros, ou seja, eles agem nos processos de maneira independente, não precisando submeter suas decisões a nenhum “superior”. Eles podem ser alvo de processos disciplinares, mas não por aquilo que escrevem em seus pareceres ou pela opção de instaurar, dar prosseguimento ou arquivar uma investigação. Para muitos, Aras lançou uma sombra até mesmo sobre essa autonomia.

Essas medidas de cerceamento seriam o contraponto interno dos procedimentos preliminares e dos engavetamentos de processos que fizeram Augusto Aras ser visto, publicamente, como alguém imbuído da tarefa de blindar o sistema político de quaisquer ameaças mais graves. O PGR tem o poder de processar criminalmente o presidente da República, ministros e parlamentares, e precisa ser ouvido em todos os casos que correm no STF. Também é legitimado a propor ações diretas de inconstitucionalidade e intervenções federais nos estados. Segundo a Constituição, cabe ao MPF a defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis, a defesa da ordem jurídica e do regime democrático.

“Aras era beligerante, talvez um pouco paranoico, e não dialogava. Com Gonet, voltou a ser possível conversar. Ele deixou claro que pretende pacificar as coisas no MPF”, afirma um subprocurador da República.

O novo PGR escolheu para atuar em seu gabinete subprocuradores que participaram de ações de combate à corrupção. O procurador Alexandre Espinosa foi escolhido para atuar como vice-procurador-geral eleitoral, função que era de Gonet. Espinosa foi auxiliar dos ex-PGR Antonio Fernando de Souza e Raquel Dodge nas investigações do mensalão e da Lava Jato. Raquel Branquinho também foi prestigiada por Gonet. Ela foi responsável por apurações no mensalão e auxiliou Dodge na área penal, especialmente nas  denúncias do esquema de corrupção atribuído pelo MPF aos irmãos Joesley e Wesley Batista, do conglomerado J&F.  Branquinho vai exercer a função de chefe da Procuradoria. A Secretaria de Cooperação Internacional, por sua vez, será comandada por Anamara Osório, que foi coordenadora da força-tarefa da Lava Jato em São Paulo.

“Temos um passado a resgatar, um presente a nos dedicar e um futuro a preparar. O Ministério Público vive um momento crucial na cronologia da nossa República democrática. O instante é de reviver na instituição os altos valores constitucionais que inspiraram a sua concepção única na história e no direito comparado”, disse Gonet em seu discurso de posse.

É importante que ele cumpra esses propósitos sem perseguições e, especialmente, sem amarras.

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  1. A partir de quem escolheu, so se pode esperar uma troca de capachos. Simplesmente a continuação de um martírio, depois da saída do capacho asqueroso anterior, com certeza prosseguirá a herança maldita. Saudades do EXCELENTÍSSIMO SR. DR. DELTAN MARTINAZZO DALAGNOL E DE TODA A ESQUADRILHA DA LAVAJATO!!!

  2. Os nomes escolhidos da equipe são bons, mas como acreditar no trabalho de alguém indicado por Lula sob as bênçãos de Gilmar Mendes? Espero nada mais do que um mandato de autoridades blindadas. A prioridade será sempre nunca mais deixar a lava jato se repetir

  3. Quem viver verá! Será que o Gonet terá como senhor a constituição ou o Gilmar e o Lula serão seus mentores? Saudades da Lava Jato

  4. Considerando quem patrocinou a indicação de Paulo Gonet, como esperar qualquer atuação efetiva diante dos desmandos dos três poderes que se sucedem diariamente? Foi escolhido para ser o Aras do Lula.

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