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Violência, morte e censura no futebol

Torcedora do Palmeiras foi assassinada à porta do Allianz Parque no dia em que a presidente do clube cassou a palavra de seus pupilos
13.07.23

Gabriela Annelli, de 23 anos, foi executada por estilhaços de uma garrafa atirada em seu pescoço à entrada do estádio três horas antes do jogo entre Palmeiras e Flamengo pelo campeonato brasileiro de futebol, no sábado 9 de julho de 2023.

De acordo com pesquisa feita pelo cientista social Sílvio Ricardo da Silva, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi a oitava morte do ano em arredores de estádios. O assassinato ocorreu de forma carregada de simbolismo, a começar pela data, feriado comemorativo da reação paulista de 1932 exigindo a convocação de uma Constituinte para  interromper a intervenção militar da dita Revolução de 1930. Os estilhaços que fizeram a vítima sangrar abundantemente a atingiram na rua Padre Antônio Tomás, onde, há 35 anos, foi morto o fundador da torcida organizada Mancha Verde, Cleófas Sóstenes Dantas da Silva, o Cléo, numa briga de torcidas indo para o estádio, então conhecido como “os jardins suspensos do Parque Antártica”. Há outras coincidências sinistras: o erro grave da Polícia Militar (PM), ao alterar a programação para a segurança dos torcedores, e a impunidade que pode persistir devido ao açodamento da Polícia Civil na identificação do eventual assassino.

Segundo o colunista Paulo Vinicius Coelho (PVC), do UOL, a entrada mais próxima do incidente estava reservada para a torcida visitante, no caso a do Flamengo, e para cadeiras cativas de palmeirenses. A PM não estava, pois, autorizada a permitir o acesso de torcidas organizadas dos anfitriões. Tal erro pode ter resultado da resolução comodista e incompetente das autoridades responsáveis pela segurança nos estádios paulistanos de torcedores visitantes de Palmeiras, São Paulo e Corinthians. A providência pouco razoável, que garante aos três grandes de São Paulo exclusividade sem razão, pode ter dado a outra comentarista da capital paulista do UOL, Milly Lacombe, razão de sobra para registrar que a combinação entre polícia e futebol é “tóxica”. Mais do que isso: é mortal. À ameaça à vida acrescente-se ainda a pressa com que o delegado César Saad, da Polícia Civil, identificou o atirador da garrafa. Ainda no sábado, ele ocupou o noticiário com a informação de que Leonardo Santiago, de 26 anos, teria confessado ter feito o arremesso fatal, após tê-lo negado. O promotor Rogério Zagallo, coincidentemente com o mesmo sobrenome do jogador e técnico que mais ganhou mundiais no Brasil, avisou que só o delegado ouviu a confissão. Ester também teria contrariado as imagens do entrevero, pois o rapaz imberbe com uma camiseta do Flamengo não foi flagrado atirando garrafa, mas, sim um barbudo com camisa cinza, ainda não identificado. O MP pediu a libertação do acusado em mais uma crítica à atuação das tais Operações Estratégicas da Polícia Civil, encarregadas de coibir tais excessos. E também a transferência do caso para o DHPP, tendo sido atendido pela juíza Marcela de Sant’Anna, da 5ª vara de Justiça.

De acordo com o especialista Sílvio Ricardo da Silva, situações como as denunciadas por PVC e Milly Lacombe devem-se ao despreparo das polícias militares e civis, à criminalização genérica das torcidas organizadas, à incoerência do diálogo entre estas e os clubes, à inércia dos profissionais da popularíssima atividade esportiva e à elitização das arenas.

A esse diagnóstico convém ainda adicionar a impunidade, como já abordado aqui antes. Essa impunidade inclui a passividade com que órgãos como o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) deixam de reprimir boquirrotos que acusam sem provas. Urge lembrar que a partida, não assistida pela jovem; que cuidava de crianças autistas para pagar seus ingressos, também foi prejudicada pela atitude autoritária e estúpida da direção do clube anfitrião. A presidente do Palmeiras, Leila Pereira, endossou as denúncias do auxiliar técnico do clube, João Martins, de que existiria um Sistema, com S maiúsculo, para evitar que seu time seja bicampeão este ano. Proibiu que seus craques e funcionários dessem entrevistas, como sói acontecer nos jogos.

O futebol é um negócio multimilionário, o que inclui transmissões televisionadas das disputas. A censura à palavra dos próprios profissionais é uma atitude fascistoide, além de não vir acompanhada de uma prova que fosse das acusações. O segundo colocado, o Flamengo, está a dez pontos do líder, Botafogo, cujo desempenho e cuja história merecem mais respeito de rivais e adversários. A acusadora vê seu clube em quinto lugar, a 12 pontos, ou seja, 4 das 24 rodadas a serem jogadas pelo líder. Este ocupa o lugar com toda justiça, sem nada que manche sua trajetória ou sua história, que inclui o fornecimento das bases das seleções campeãs mundiais do Brasil em pelo menos três copas em 1958, 1962 e 1970. Na primeira delas, a Fifa concedeu a um de seus craques, Didi, a honra de ter sido o melhor na Suécia, onde Pelé foi revelado, aos 17 anos.

Ou seja, o melhor que a sra. Pereira poderia fazer seria ela mesma se reservar ao silêncio e permitir que seu elenco de estrelas use a palavra. Antes de encerrar, talvez seja útil cobrar esse mutismo como reparação pelo uso impróprio da camiseta esmeraldina do multicampeão para promoção imprópria pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que, ainda assim, perdeu a reeleição, fato raro na nossa História republicana. No caso, ela pode se deixar acompanhar pelo desafeto Rodolfo Landim, presidente do rubro-negro carioca, por culpa da permissão de portar lesa-camisas, ambas merecedoras de usuários menos polêmicos.

 

José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor

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  1. O CORRETO É COLOCAR OS TORCEDORES NO CAMPO COM FACAS E PUNHAIS E OS JOGADORES NA ARQUIBANCADA. QUE COMECEM OS JOGOS.

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