ReproduçãoValdemar Costa Neto e Jair Bolsonaro: um novo desembarque é possível?

Os extremos do PL

Votação da reforma tributária evidencia distância entre as alas fisiológica e ideológica do partido
13.07.23

Março de 2022. Em uma solenidade relativamente discreta em Brasília, o então presidente Jair Bolsonaro deu suas bênçãos à filiação ao PL de 14 deputados eleitos em 2018 pelo PSL (que depois veio a se tornar União Brasil) e tornou-se o protagonista de um processo de reformulação partidária nunca visto na história recente da República brasileira.

Até a filiação de Bolsonaro, no final de 2021, o PL tinha a terceira maior bancada da Câmara, com 48 parlamentares. Com o apoio do ex-presidente – que estava de olho na sua reeleição – o partido fechou a janela de transferência partidária (quando deputados podem migrar de partido sem perder o mandato) com 77 parlamentares e assumiu o posto de partido líder na Câmara.

Foi uma reviravolta surpreendente. Ainda mais pelo fato de que ela foi coordenada por um personagem conhecido pelo fisiologismo político: Valdemar Costa Neto. Segundo detalhe: o episódio ocorreu dez anos depois de Valdemar ter sido condenado a sete anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no escândalo do mensalão.

Com Bolsonaro como cabo eleitoral, o PL conseguiu eleger (ou reeleger) 99 deputados e se consolidou como o maior partido do país. Com orçamento nada desprezível (200 milhões de reais em 2023 e expectativa de receber 830 milhões de reais nas eleições do ano que vem) e um ex-presidente da República popular, criou-se a expectativa de que o partido seguiria rumo a uma coesão inédita na política brasileira.

Entretanto, como dizem costumeiramente deputados e senadores, se partidos não vivessem suas divisões internas eles seriam “unidos” e não “partidos”. A votação da reforma tributária na Câmara na quinta, 6, expôs a distância entre duas alas dentro do “novo” PL.

Desde março do ano passado, ex-integrantes do PL como o ex-deputado Marcelo Ramos já imaginavam que o partido sofreria com esse tipo de conflito. Tudo dentro de um roteiro mais do que batido. Em 2019, a ala bolsonarista do PL fizera a mesmíssima coisa com o antigo PSL. Na época, deputados como Bia Kicis, Bibo Nunes e outros enfrentaram publicamente o presidente do partido, Luciano Bivar. Em outubro daquele ano, Jair Bolsonaro deixou a sigla, acompanhado pelos seus correligionários, e tentou fundar o Aliança pelo Brasil. Sem sucesso na empreitada, restou ao ex-presidente se abrigar nos braços do ex-mensaleiro Valdemar Costa Neto.

A exposição da divisão interna do PL durante a votação da reforma tributária também apontou os holofotes para uma relação complexa entre Valdemar e Bolsonaro. Aliados de Valdemar reclamam que o ex-presidente cobra com insistência crescente sinais de fidelidade do presidente do partido. Na outra ponta da mesa, correligionários do ex-presidente reivindicam uma maior participação dele nas decisões internas da sigla.

Como presidente de honra, Bolsonaro sempre deixou claro que não é uma mera figura decorativa e que vai influenciar nas decisões mais estratégicas da sigla. Seu desejo é ter o mesmo peso que Lula tem no PT. Gleisi Hoffmann é quem preside a sigla, mas Lula é quem dita os rumos do petismo.

Aliados do ex-presidente da República afirmam que a mesma dinâmica deveria ocorrer no PL. Para eles, Bolsonaro deveria ser o homem responsável por ditar os rumos do PL, doa a quem doer.

Contudo, mesmo com um pé no bolsonarismo, o PL ainda carrega uma ala de 30 parlamentares ditos “pragmáticos”, “não-ideológicos” – ou seria a palavra  “fisiológicos”? São nomes do “valdemarismo raiz”, como se diz internamente no partido. Políticos como os deputados federais Wellington Roberto (PB), Antônio Carlos Rodrigues (SP) e  Josimar do Maranhãozinho (MA), que têm eleitorados próprios e não necessariamente são bolsonaristas.

Roberto, por exemplo, é homem forte de Arthur Lira e, conforme interlocutores do PL, tem proeminência na articulação política de boa parte da bancada nordestina, não somente do partido de Valdemar Costa Neto. Ex-líder do partido na Câmara, Wellington Roberto é homem que constantemente auxilia deputados do Centrão a obter recursos, emendas e reuniões com integrantes do governo federal. Em algumas contas, ele tem em sua mão pelo menos 30 deputados.

Antônio Carlos Rodrigues é presidente da bancada paulista da Câmara. Homem da velha guarda do PL, o parlamentar tem gerência sobre pelo menos 50 deputados federais paulistanos (inclusive de outros partidos). Articulador nato e nome conhecido do Centrão, Rodrigues consegue facilitar a vida tanto de deputados mais antigos quanto dos mais novos em Brasília. Um ativo nada desprezível.

Mas a ala pragmática do PL é coordenada por… Josimar do Maranhãozinho. Aquele deputado que foi alvo, em dezembro de 2021, de uma investigação da Polícia Federal que apurava um esquema de desvio de dinheiro de emendas parlamentares destinadas à área de saúde. Dinheiro do orçamento secreto.

Além da influência sobre outros deputados, a chamada ala pragmática do PL também é beneficiária de um sentimento de gratidão de Valdemar Costa Neto, conforme apurou Crusoé. Alguns desses deputados estavam ao lado do ex-mensaleiro durante os aproximadamente três anos e meio em que ele cumpriu o regime fechado na Penitenciária da Papuda e no Centro de Progressão Penitenciária.

Um grande emissário de Valdemar quando ele cumpria pena foi o deputado Vinícius Gurgel (AP). Após os encontros com esse e outros integrantes da sigla, Valdemar foi alvo de um processo de investigação da Vara de Execuções Penais do DF e teve o direito ao semiaberto suspenso temporariamente por determinação do agora ex-ministro Joaquim Barbosa.

Para quem não está associando os nomes aos bois, foi justamente Vinícius Gurgel um dos protagonistas do barraco no WhatsApp do grupo do PL que teve início quando ficou claro que a decisão de dizer não à reforma tributária na Câmara havia deixado o partido isolado. Gurgel reclamou publicamente aos colegas do PL que sua filha foi assediada na escola e chamada de “filha de traidor”, em referência ao fato que ele não acatou a ordem, vinda de Bolsonaro, de se opor à reforma. Nas mensagens, Gurgel não jurou fidelidade ao ex-presidente e foi além: rejeitou qualquer dívida com ele.

Gurgel é alvo de um inquérito no STF que apura crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro sobre sua suposta participação em um esquema de corrupção do Dnit do Amapá entre os anos de 2015 e 2019. O parlamentar, conforme apurou Crusoé, tem dois grandes aliados em Brasília: o presidente da CCJ do Senado, Davi Alcolumbre, e… o ministro de Infraestrutura, Waldez Goes. Ou seja, portas abertas com o governo Lula.

Diante da troca de chumbo interna, Valdemar Costa Neto divulgou uma carta, esta semana, tentando acalmar os ânimos no PL.

Se o atual governo apresentar uma pauta boa para o país, esse presidente que está aí não precisa gastar orçamento para ter o nosso voto, pois todos seremos a favor. Da mesma forma que, se uma determinada região precisar de uma emenda parlamentar, de uma obra, de um programa social, é correto que esse parlamentar cuide do seu povo e melhore a qualidade de vida de quem o elegeu”, disse Valdemar, conforme o texto obtido em primeira-mão por O Antagonista.

A ambiguidade de Valdemar incomoda a ala ideológica da sigla. Nas palavras de um deputado bolsonarista ouvido por Crusoé, “desvios de conduta de uns não podem comprometer toda a bancada?”. Esse é o medo dos bolsonaristas, que discutem até mesmo um movimento de desembarque da sigla – ainda que a experiência fracassada de abandonar o PSL para fundar o Aliança Brasil tenha servido de aprendizado.

A ideia é simples: aguardar os próximos movimentos de Valdemar Costa Neto. Se ele continuar os acenos aos petistas, os bolsonaristas vão buscar uma sigla para um novo desembarque em peso. Em um primeiro momento, fala-se do Republicanos, que já abriga alguns aliados de primeira ordem de Jair Bolsonaro, como Tarcísio de Freitas e Damares Alves. Mas, obviamente, essa é uma ideia embrionária. Quem já falou sobre o assunto lembra que o plano somente poderia ser colocado em prática em 2026, no ato da próxima janela partidária.

Quem defende essa ideia também defende a ida de Bolsonaro para outra sigla. A aliados, o ex-presidente não descartou a possibilidade, mas também não deu qualquer sinalização de que esteja prestes a embarcar em outra aventura.

Segundo integrantes do PL, os 11 parlamentares da sigla no Senado devem votar em bloco contra o texto, caso ele não passe por modificações profundas. Ao contrário do que ocorreu na Câmara, não deve haver troca de farpas ou barracos públicos. Afinal de contas, seis senadores foram eleitos com a ajuda de Bolsonaro, quatro aliaram-se ao ex-presidente desde 2021 e apenas um é considerado independente: Romário. Vale de novo a lembrança: Romário até hoje não esconde as mágoas de ter sido escanteado pelo ex-presidente. Em 2022, Bolsonaro apoiou o ex-deputado Daniel Silveira.

O PL é um partido plural, mas temos várias convergências internamente. O partido defende costumes e valores, somos conservadores. O PL defende o desenvolvimento humano e tecnológico, a economia de mercado, todos esses temas convergem. Agora, a gente tem que entender que há outros temas específicos, além da reforma tributária, que dialogam direto com o eleitor. O PL tem que se preocupar com a questão regional, a reforma tributária mexe com a questão da indústria, mexe também com a questão regional”, disse o líder do PL no Senado, Carlos Portinho.

Ao longo da semana, a crise interna foi minimizada por bombeiros como Eduardo Pazuello (RJ), Ubiratan Sanderson (RS) e Bibo Nunes (RS). Sim, acredite: alguns que tocaram “fogo no parquinho”, agora atuaram para debelá-lo. A “turma do deixa disso” tentou minimizar o episódio, dizendo que foi uma discussão pontual entre Gurgel, Eduardo Bolsonaro, Gustavo Gayer e Júlia Zanatta. Nas palavras de um integrante do PL: “No PSL, a crise foi maior”.

Até mesmo integrantes da ala pragmática minimizaram o episódio. Fagundes, por exemplo, tem dito a aliados que nem sequer viu o arranca rabo no grupo de WhatsApp.

Vai ver Fagundes é mesmo um sujeito distraído. Mas o fato é que duas visões muito diferentes sobre o exercício da política convivem hoje no partido – e os recursos multimilionários do PL são motivo de sobra para que as duas alas continuem se digladiando pelo poder.

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  1. Pero Vaz de Caminha, lembram-se? (os milleniais talvez ache q é avô de alguém importante...), aquele do "em se plantando tudo dá!" colheu da corte, por esta um baita empregão (não é o de ministro do STF, mas...) na biblioteca do reino. Estava inaugurado o fisiologismo inaugurado o fisilogismo, q contaminou o povo brasileiro da mesma forma que a febre espanhola. Daí, para o tal "patriarca"- J. Bonifácio- fundar o famigerado centrão, "...até que a morte os separe". Daí para a tal constituição c

    1. "cidadã" (a do "... é dando que se recebe" um pulo para a institucionalização do v´cio do troca-troca, claro que com o apoio canalha dos eleitores viciados (maioria, né?). Povo comprado a eleger canalhas. A ditadura deu a sua mãozinha extinguindo os partidos e nos dando de presente a dupla Tancredo/Sarney (e bota adesismo ao poder, nisto!). E o tal jornalismo político, hein?? Chumbo de Diário Oficial.

  2. DE QUE ADIANTA POLÍTICO INFLUENTE "RESPONDER" A INQUÉRITOS POLICIAIS NO stf? RESPOSTA: GRANDE PIZZA. NINGUÉM É REALMENTE CONDENADO E AINDA SAEM MAIS FORTE DO EMBRÓGLIO. VEJA O EXEMPLO MAIOR, CONDENADO POR CORRUPÇÃO, FOI "DESCONDENADO" E HOJE PRESIDE UM PÇAÍS DE BOSTA.

  3. O ESPELHO DO NOSSO CONGRESSO. VALDEMAR CONDENADO A SETE ANOS DE PRISÃO POR CORRUPÇÃO E LAVAGEM DE DINHEIRO (LADROAGEM). ESTÁ TUDO PODRE NO BRASIL.

  4. Não tem ninguém que preste nessa briga. Caso o bolsonarismo consiga implodir o projeto do Valdemar terá sido o único serviço útil dessa corja pro Brasil

  5. Só idiotas se iludem com esta politicalha cínica e ladra que se vendeu ao governo por $8bilhões em duas votações de projetos que nos enrabarão como bem querem ... a pior politicalha de nossa triste estória é lixo infecto e o fedor é insuportável.

  6. O resumo disso tudo é que os políticos estão se lixando para os problemas do país, querem apenas preservar seus cargos e renová-los em reeleições. Todos juntos formam um grande monturo.

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