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É o fim do Miss Universo?

Miss Holanda é a segunda mulher trans a se classificar para o Miss Universo. Por se tratar de um evento privado, quem dá as regras são os donos, que hoje é uma mulher trans
13.07.23

A Miss Holanda é uma mulher trans e se classificou para o Miss Universo. Esse fato gerou consternação na internet por pessoas que talvez nunca tenham acompanhado o concurso. Eu compreendo! Também nunca acompanhei a trajetória e o campeonato de misses, tanto nas etapas nacionais quanto na final do Miss Universo. Não apenas eu como também, acredito, os ferozes críticos da atual Miss Holanda, não devem nem sequer saber o nome da vencedora do concurso ou sua nacionalidade. Talvez não saibam nem quem foi a Miss Brasil em 2022.

Penso que o torneio é chato e ultrapassado e representa uma sociedade que já não existe. No entanto, certamente não sou o público dessa indústria que movimenta milhões de dólares.

Curioso que em 2015 o Miss Universo foi integralmente comprado pelo ex-presidente Donald Trump — um ano antes de sua vitoriosa corrida eleitoral em 2016. Em outubro de 2022, todavia, foi adquirido por Ann JKN: mulher trans tailandesa e milionária. É incontestável que a titularidade da indústria de misses naturalmente representa as políticas internas adotadas. Ora, esse nada mais é que o pilar mais sólido da propriedade privada.

E esse é o ponto central do debate. O Miss Universo em toda a sua capilaridade é um torneio privado com regras privadas para um público específico. Não à toa, em novembro de 2022, um tribunal de apelação dos EUA acertadamente ratificou o entendimento de que, caso seja de seu interesse, os organizadores de qualquer concurso de Miss podem impedir participantes trans. Até porque esse seria apenas mais um dos requisitos que se exigem para elegibilidade no torneio — como nunca ter nudez divulgada, estar em determinada faixa etária, não ser casada ou ter tido filhos.

Assim, se mulheres trans podem participar, já não importa divagar sobre seu sexo biológico. Entretanto, se estamos diante de um concurso de beleza é natural que se questione a beleza ou a falta dela.

Não posso deixar de confessar, é verdade, que a Miss Holanda não me agrada. Não é bela e não é capaz de cativar olhares. Provavelmente a Miss Holanda, se algum dia calhasse de me notar, se desagradaria igualmente com as minhas feições e traços. Eu não estava em um concurso de beleza, todavia, e é inquestionável que a vencedora não era nem sequer competitiva perto das adversárias. Porém, é de ressaltar que esse mesmo argumento poderia ter sido trazido nas edições anteriores do concurso.

Em 2022, houve uma gigante indignação da torcida venezuelana no Twitter pelo fato de a Miss Estados Unidos ter se sagrado Miss Universo. Como os próprios fãs do programa gostam de ressaltar, há muito tempo que o torneio não é só sobre beleza — não que precisemos acreditar nessa desculpa. Aliás, se avaliássemos as vencedoras dos últimos anos, seria bastante provável que nem todas fossem do nosso agrado.

Legitimamente se tem discutido a questão do apagamento das mulheres em seus próprios campeonatos e torneios com a presença de mulheres trans. Ora, o percentual de mulheres trans na população é tão baixo, que resta questionada a real competitividade delas. No Brasil, por exemplo, menos de 2% da população é formada por pessoas trans e não binárias. Quantas delas poderiam ser uma real ameaça às mulheres cis num torneio de Miss Brasil? É verdade que quando pegamos um único caso isolado, podemos nos assustar, mas os números não mentem.

Sob o meu ponto de vista, não penso que mulheres trans são competitivas para vencer um torneio dessa natureza por questões simples: mulheres trans não são mulheres cis — nem penso que essa seja uma reivindicação delas. Talvez se eu fosse a milionária brasileira dona do Miss Universo as regras também fossem outras, mas esse não é o caso.

A quem está incomodado com a situação, as soluções são simples: ou barganham a titularidade do Miss Universo na bagatela de 20 milhões de dólares com a trans-tailandesa milionária ou criam seu próprio concurso com suas próprias regras.

 

Izabela Patriota é advogada formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com mestrado em Direito Constitucional na  Universidade de Brasília (UnB) e doutoranda em Direito Econômico e Economia Política na Universidade de São Paulo (USP). Iza é diretora de Relações Internacionais no LOLA Brasil

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  1. Ao invés dessas tentativas patéticas para chamar a atenção do concurso, poderia criar uma "categoria" Trans, assim ao menos não pareceria tão ridículo e forçado.

  2. Não acompanho essa cafonice. Mas a beleza pode ser trans. Nesse caso foi só um ridículo pois o vencedora é muito feia. Mas nos esportes o absurdo é extremo. São ex homens medíocres competindo contra mulheres. Não fica só fácil, fica desleal. Que concorram na categoria de ex homens. No final tudo se resume em consulta médica com ginecologista ou urologista

  3. Nada contra, mas muito menos a favor. Ainda mais que tbm não sou publico desses eventos. Mas para mim, MULHER é mulher, HOMEM é homem.

  4. Se as trans precisam fazer esse tipo de competição; se isso traz algum benefício a elas, pois que façam. Já que existe quem paga e quem consome. Mas, por favor, acabem de vez com esse circo de Miss UNIVERSO, que só beneficia os investidores do negócio, e provavelmente às candidatas, que ganharão. Mas vejam, hoje quem ganha um BBB fica mais famoso e ganha muito mais dinheiro que essas pobres moças que sonham ter um príncipe rico para chamar de seu

  5. Excelente, Izabela!! Além de seus argumentos, acrescento que a beleza feminina é um conceito relativo, varia entre culturas e países. Convenhamos, esse concurso não representa o que não existe: um conceito mundial de beleza e, menos ainda, universal.

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