Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STFAlexandre de Moraes no prédio do STF depredado no 8 de janeiro

A democracia na balada

O STF chamou para um twittaço em defesa do Judiciário, da democracia e da Constituição. Campanha em rede social é o tipo de iniciativa que amesquinha a corte maior do país
13.07.23

Cheguei a pensar que Alexandre de Moraes promoveria uma rave na Praça dos Três Poderes. Imaginei até o ministro do STF comandando as pickups na festa da democracia. E por que não? Altas autoridades da República também precisam se divertir. Arthur Lira não embarcou no cruzeiro do Wesley Safadão?

Personagem pouco verossímil, DJ Xandão nasceu de um erro de leitura. Em um tuíte do último dia 8, Moraes escreveu que, passados seis meses do quebra-quebra de 8 de janeiro – que ele chama de Dia da Infâmia –, o Brasil “deve comemorar sua #DemocraciaInabalada”. Minhas retinas tão fatigadas entenderam que era para celebrar a democracia na balada.

Quero acreditar que meu engano tem potencial para a sátira política. A simples omissão da letra I na hashtag subverte tudo o que Alexandre de Moraes tinha a dizer. Ele falou em comemoração, mas não encontro ânimo festivo em seu tuíte. Há, isso sim, uma nota de triunfo cívico, sentimento que inspira paradas militares, não desfiles de Carnaval.

Moraes oferece, como prova da firmeza da democracia brasileira, um levantamento das ações tomadas contra a baderna golpista: “o STF recebeu 1295 denúncias da PGR, iniciando as ações penais e já realizou 133 audiências de instrução” (a pontuação deficiente é do original). A linguagem aqui é protocolar, com números para atestar a produtividade do judiciário. Quando está mais soltinho, o ministro à frente do interminável inquérito das fake news e dos atos antidemocráticos às vezes emprega a língua da cana dura. Depois dos ataques de 8 de janeiro, ele julgou necessário esclarecer que prisão não é colônia de férias.

Não me entendam mal: sou pela punição rigorosa, dentro dos limites da lei, a todos que participaram da bagunça em Brasília. Em um texto de dezembro, publicado três semanas antes da depredação dos palácios, eu disse que já passava da hora de expulsar a Horda Canarinha da porta dos quartéis.  Ainda assim, me causa desconforto que um integrante da corte constitucional brasileira aponte para o braço forte do Estado como prova de que nossa democracia é sólida. Não são a polícia e a prisão que diferenciam os regimes democráticos dos autoritários.

No Twitter, sob a hashtag da democracia inabalada, pipocaram posts entusiasmados dos fãs de Alexandre de Moraes. Tendo a achar que o juiz herói (Moraes não é o único) prospera só em democracias capengas, mas isso é só um palpite. Em todo o caso, pelo que pude ver, os memes de Moraes como guardião da democracia estão em minoria. A hashtag foi promovida pelo STF, mas já não pertence aos excelentíssimos ministros: boa parte dos posts – talvez a maioria deles – emprega o bordão de forma, digamos, irônica. Para muitos tuiteiros, a democracia brasileira está não só abalada, mas quebrada. Os mais extremados afirmam que vivemos sob uma ditadura.

Nessa turma, há quem acuse a impunidade de políticos corruptos, enquanto alguns pedem liberdade para os “presos políticos” da Horda Canarinha. O infame apoio de Lula a ditaduras de esquerda é lembrado. E não poderia faltar, claro, a renitente dúvida sobre a lisura das urnas eletrônicas.

Essas afirmações e reivindicações cobrem o amplo território que vai da verdade parcial ao completo delírio. Importa menos o conteúdo específico de cada uma delas e mais o que o conjunto indica: uma desconfiança entranhada em relação ao poder público em geral. Em certo grau, tal ceticismo pode ser saudável – e é certamente preferível à devoção por líderes populares (ou populistas). Mas nenhuma democracia é saudável sem um consenso em torno de princípios básicos e uma confiança mínima nas instituições e em seus representantes. Tal coesão social não será conquistada só pela repressão a grupos extremistas e ou pela censura de opiniões divergentes. Ela até pode ser imposta por esses meios – mas não sob um regime democrático.

Tampouco se vai reforçar a democracia com hashtags. Eu argumentaria, ao contrário, que essa ferramenta tende a reforçar bolhas de opinião, aglutinando os usuários de redes sociais em torno de palavras de ordem intransigentes. Mas a conta oficial do STF não só abraçou o #DemocraciaInabalada como chamou para um twittaço em defesa do judiciário, da democracia e da Constituição. Campanha em rede social é o tipo de iniciativa que se espera de um partido político, mas que amesquinha a corte maior do país. O STF vive hoje nessa ambiguidade: uma corte que desce à arena política mas ainda tem a afetação de ser o árbitro olímpico dos princípios constitucionais (a propósito de um ministro no chão escorregadio da política, recomendo os artigos publicados em junho por Wálter Maierovitch, no UOL, e Malu Gaspar, no Globo, sobre o Fórum Jurídico promovido em Lisboa pelo IDP, instituto fundado por Gilmar Mendes).

Ao contrário do que a gritaria no Twitter sugere, o Brasil não é uma ditadura. Acrescento ainda que não houve golpe em 2016 e nem a democracia foi “restaurada” pelo atual governo. Seguimos na pasmaceira de sempre: o debate público de baixo nível, as negociações e negociatas por emendas e dotações orçamentárias, o voluntarismo autoritário de medalhões da República que não gostam de ser contrariados. A ladainha dos otimistas também segue igual: as instituições estão funcionando! Olha aí a reforma tributária que finalmente foi destravada na Câmara!

Aqui de onde vejo as coisas, não encontro razão para festa. Nem para balada.

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  1. No Brasil tudo é distorcido e esculhambado mesmo. Uma corte superior deveria ser afastada dos holofotes, e não tratada como vedetes dando entrevista. No máximo deveriam ter um porta-voz para comunicar ou comentar decisões de julgados da corte, e ponto. Ministro não deveria dar entrevista sobre aspectos da vida pessoal, ou muito menos participar de rede social dando pitaco em tudo, como essas vedetes adoram.

  2. Avalio seriamente cancelar minha assinatura. Já leio pouco há tempos e o pouco que leio me desagrada. Começou na politização da pandemia. Escolher ser contra o tratamento precoce foi um erro e a revista Fezueli embaixo da mesa. O Brasil virou um surubão

    1. Brilhante artigo Jerônimo Teixeira.Lavou minha alma e meu coração,Nesses meus 81 anos nunca esperei ver um STF tão sem classe , desumanizado, tosco, desrespeitoso com nossa Constituição e comigo que me sinto abandonada pelos Poderes Constituidos assim como toda a Nação Brasileira. Obrigada MIL..

  3. Este é Brasil senão vejamos . o Lira vai safadear no Caribe, o STF prefere o sofá da Esbanja na criminosa perseguição ao "hombre" e a inocentes manifestantes em vez de centrar a punição nos reais criminosos mostrados ao vivo e a cores e Pacheco tido como capacho-mor não convidado para nada de forma ridícula cobra "retratação" do claro crime dr. Verboso que fez entender ao ignaro canelau o que realmente quis dizer com "eleição no Brasil não se ganha, se toma" . inda vamos manés? e vem mais !!!

  4. Vivemos um processo de venezuelização sob o comando do Descondenado, com aderência de um congresso venal, e um judiciário contaminado e promiscuído. No EDD do Escalvado só ele mesmo acredita.

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