Marcos Oliveira Agência SenadoDeputados discutem a reforma tributária na Câmara, em 2019

Sou a favor da reforma, mas não essa que está aí 

Poucas frases são tão reveladoras do entendimento brasileiro de política quanto a que dá nome a este texto
13.07.23

Previdência, trabalhista, tributária, você pode escolher. Não importa a reforma, haverá sempre alguém para bradar no tom mais autoconfiante possível: sou a favor de uma reforma, mas não essa.

Eis a frase que resume o brasileiro. E não por coincidência, é repetida por políticos de todos os espectros ideológicos.

Foi essa a desculpa petista para ser contra a reforma da previdência (além de fake news como o apocalíptico “teremos de trabalhar até morrer“), e agora ela se repetiu no bolsonarismo.

Nas últimas semanas circularam bizarrices das mais variadas. Alguns diziam que por definir a alíquota de transmissão de bens (o famoso imposto sobre a morte), como “progressivas“, o estado estaria decretando um confisco de imóveis (sim, gostaria de dizer que estou inventando, mas infelizmente não é o caso).

Outros viram “imposto sobre homens brancos“, no trecho que falava sobre a devolução de impostos ter como objetivo reduzir desigualdade de raça, gênero e renda.

De todos os argumentos contrários, porém, o mais surrealista foi o que mencionava o fato de que o Brasil teria a maior alíquota de IVA do mundo.

Esse argumento se enquadra na categoria surrealista por uma razão bastante simples: apenas alguém muito alienado da realidade brasileira poderia acreditar se tratar de uma novidade.

Em suma, e longe de mim acreditar em boa fé de políticos, a reforma aprovada no Congresso na última semana contém em seu texto que “a alíquota deverá ser definida de forma a igualar a carga tributária atual“.

Em suma, teríamos a alíquota mais alta do mundo pois de fato possuímos os impostos sobre consumo mais elevados do mundo.

Esse é, para qualquer pessoa que acompanhe o mínimo em relação à tributação, o principal motivo de fazermos uma reforma.

Nossos impostos são elevados, confusos e nada transparentes.

Imagine a revolução que seria o Brasil descobrir na hora de pagar por um produto o quanto ele está pagando de imposto? Claro, não quero aqui ser Poliana e acreditar que nossos políticos adorariam algo como nos EUA, onde o imposto é cobrado direto no caixa e adicionado ao preço que você vê na prateleira do mercado.

Me contentaria em termos um cálculo de imposto “por fora“. Em resumo, que o brasileiro soubesse que o carro que ele está comprando custa 52 mil reais, e os impostos 48 mil reais, ou 92% do preço do produto, contra os supostos “48%” atuais. Explico: no modelo atual, um consumidor que pague 100 mil reais em um carro, paga em média 48% desse valor em impostos, ou 48 mil reais. O problema? Quarenta e oito mil reais equivalem a 92% dos 52 mil reais (o valor efetivo do carro). Você sai da concessionária pagando um carro pra você e outro para o governo, sem perceber.

Na prática, a reforma instituiu esse tipo de cálculo “por fora”. Ou seja, os impostos serão calculados sobre o valor agregado na produção e não mais sobre o valor da venda. Suponha, por exemplo, que o produto hoje custe 80 reais, mas é vendido a 100 reais. Nesse caso, entende-se que a carga tributária é de 20%, pois o cálculo é feito com base no valor da venda final. Mas, se for considerado o valor agregado da produção, a alíquota seria de 25% (25% de 80 reais, que dá 20 reais). Então, uma alíquota maior de imposto “por fora”, de 25%, feita sobre o preço do valor agregado, não elevou o total.

A questão, claro, é que sabemos que são raros os produtos que possuem apenas 20% de impostos no Brasil de hoje, como também serão raros os produtos que irão aumentar de preço com a adoção do que seria o “maior IVA do mundo“.

O aumento irá residir nos serviços, estes pouco tributados hoje (convém lembrar que o Simples, que representa 98% dos CNPJs do Setor, não está incluso).

Profissionais como advogados, que hoje pagam 8%, poderão ser tributados em 25%, caso seja essa a alíquota de fato. Esse é um exemplo de aumento significativo, mas que nada mais é do que o mínimo de equidade tributária.

Mas de volta ao ponto original, que me motiva a desabafar por aqui.

O papel de um político é, na teoria, o de representar os interesses de seus eleitos. E não há sob qualquer hipótese, um eleitor brasileiro que acredita que não precisamos de uma reforma tributária.

Não há razão alguma para continuarmos no atual manicômio tributário brasileiro, ou para que esperamos o alinhamento dos planetas para implementar uma mudança que, na prática, nos coloque onde inúmeros países já estão há cinco décadas: com um imposto sobre valor agregado.

Da mesma maneira, não havia razão para esperar três décadas para reformar a previdência, como fizemos entre 1997 e 2019.

Não cabe aos políticos torcerem o nariz ou fazer beicinho porque a reforma ocorre no mandato do coleguinha.

Tal atitude infantil é o exato oposto do que precisamos.

Cabe aos políticos lutarem por pontos da reforma, buscando torná-las representativas dos interesses de seus eleitores.

Por fim, cresci ouvindo um auto elogiobairrista no Rio Grande do Sul, endossado por gente de fora (e muitas vezes usado também para se referir aos argentinos), o de que o gaúcho é “politizado“.

Com o perdão dos meus conterrâneos, mas gostaria de esclarecer a verdade. O gaúcho não é politizado por discutir política, por tornar tudo uma disputa. Ele é apenas clubista.

O resultado é também o oposto do que o Brasil deveria entender por politização.

A política é a arte de conciliar. Do contrário, sinto informar, mas todo o Brasil poderá se tornar um Rio Grande do Sul, um estado que ama a política pelo embate, não pelo resultado. Um estado que transforma tudo em grenal, entre Sim e Não. E que no fim, gasta 70% do seu orçamento de educação e segurança com aposentados, pois muitos insistem ser a favor de reformas, mas não as que estão aí.

 

Felippe Hermes é jornalista

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  1. A reforma mais importante é a que acabe com privilégios legais e extremamente imorais. Políticos que votam e concordaram com aumentos indecentes para o judiciário deveriam ir para o paredão. E só teriam aumento se autorizados pelos eleitores em casa eleição a cada 4 anos

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