Zeca Ribeiro/Câmara dos DeputadosArthur Lira na tribuna da Cãmara, antes de votar rapidinho a reforma para não perder o cruzeiro do Wesley Safadão

Tem um capacete na minha cesta básica

14.07.23

Leio e releio textos sobre a reforma tributária e, como bom habitante do Bananão — brasileiro, profissão desconfiança —, fico me perguntando qual é a pegadinha. A redução de cinco impostos para dois parece ótima, sem dúvida, mas deve haver algum coelho nesse mato da aparente concórdia universal: fora o Jair, que fez questão de ser do contra como o PT foi na época do Plano Real, só faltou deputados, governadores e prefeitos se darem as mãos e mandarem um Give Peace a Chance puxado pelo Arthur Lira. É muito fora do personagem de todo mundo; quero saber em que momento, exatamente, a gente vai se ferrar.

Claro: no instante em que escrevo, a reforma tributária ainda tem de ser votada pelo Senado, e há uma série de coisas no texto aprovado pela Câmara que ainda dependem de lei complementar para funcionar. Ou seja, ainda não perdemos a chance de estragar tudo, e eu continuo mantendo minha fé na capacidade dos brazucas de acochambrar as coisas e mudar tudo para que tudo fique como está.

De todo modo, mesmo um assunto árido como a reforma do sistema tributário pode fazer a gente descobrir algumas coisas interessantes. No meu caso, foi a incrível elasticidade do conceito de “cesta básica”, a depender do estado — é como coração de mãe: sempre cabe mais um, incluindo produtos que você jamais conseguiria pôr numa cesta e dificilmente chamaria de básicos. Explica-se: a cesta básica é isenta de impostos federais, mas paga impostos estaduais, o que dá a alguns estados o poder de zerar as alíquotas de coisas do arco-da-velha.

Uma reportagem recente do Estadão mapeou essas cestas pra lá de básicas. “É uma espécie de microcosmo do sistema tributário brasileiro: benefícios que se multiplicaram ao longo das décadas e que variam de acordo com o estado e as pressões exercidas pelos segmentos produtivos”, escreve o jornal. O texto é acompanhado de um mapa do Brasil que mostra o seguinte: no Rio, a cesta básica inclui protetor solar e repelente. Em Minas, ela tem pão de queijo (estão certos os mineiros nessa); em Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina, erva-mate; em Goiás, rapadura; no Pará, chocolate em pó. Mas a melhor, disparada, é a cesta básica cearense: tem telha, tijolo, bicicleta, antena parabólica e capacete de moto. Sim, triste do brasileiro que recebe aquela cesta básica básica, só com alimentos não perecíveis, que não vem nem com anteninha parabólica junto.

Um dos pontos da reforma tributária recém-aprovada, assinala o Estadão, é definir quais os produtos que vão fazer parte de uma cesta básica nacional, isenta da cobrança do novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado). A experiência de acordar todo dia cercado de Brasil por todos os lados — e isso já faz algumas décadas — me diz o seguinte: vai ser mais fácil isentar do novo IVA todas essas tranqueiras do que eliminar o “direito adquirido” das atuais isenções nos estados. Por via das dúvidas, já vou me preparar para reivindicar pão de queijo, parabólica e capacete na minha cesta básica, mesmo sem espaço para guardar a antena e sem dirigir moto. Chega de cesta basiquinha: quero a VIP platinum plus.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Os políticos brasileiros têm muitos costumes exóticos; meter citação de Bob Dylan no meio dos seus discursos deve ser um dos campeões. Não bastasse termos de aturar Eduardo Suplicy cantando Blowin’ in the Wind, na terça (11) Marcel van Hattem (foto) citou a mesma música, num inglês quase joelsantânico, mas com tradução simultânea (“quantas vezes uma pessoa pode virar sua cara e fingir que não está vendo?”). Não é à toa que o próprio Dylan, há quase 60 anos, ficou de saco cheio das suas protest songs e resolveu virar roqueiro: pena que não dê para o Bardo Fanho voltar no tempo e descompor Blowin’ in the Wind.

Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

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  1. Concordo contigo, tem gato ensacado aí! Só não se sabe onde está o saco. E o senado ainda tem a chance de botar o gato dele em outro saco. Calma que ainda dá tempo de estragar tudo.

  2. essas cestas básicas mais absurdas estão lá no Nordeste, a região com péssima qualidade de vida dos pobres. Miséria e doença faz parte do cotidiano. Eu não entendo como pode ter tantos políticos nordestinos e nada acontece de desenvolvimento por lá. Só o que chega lá são as antenas parabólicas, e só para ganhar os eleitores. Feito isso os corruptos ganham seus cargos e gastam, por dia, muito mais do que uma cesta básica. R$18,00 serviu para quê?

  3. O Brasil cansa, mas pra rir não falta material. Essas cestas básicas são tanto inacreditáveis como hilárias

  4. Um sistema tributário justo não tem isenções mas diferenciação de alíquotas em favor dos mais pobres e no Brasil estas são feitas porque o desequilíbrio de renda dos fatores de produção é brutal e o operariado que aufere ridículas mesadas liberto por decreto real jamais pode sair das senzalas onde é humilhado há exatos 135 anos de insanidade e escravização . a saída é reestruturar a economia mas um não fez e não será este de mente insana cujo horizonte são as saias da prima dama que fará.

  5. Os caras no congresso, que não precisam de cesta básica para viver muito bem, já negociaram seus interesses com o Descondenado estão só definindo o tamanho do nabo na nossa birosca.

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