Rafael Ribeiro/CBF

Outra temporada no inferno

O futebol brasileiro tem um problema mais urgente do que o comando da seleção, mas a solução não depende apenas da CBF
13.07.23

Gabriela Anelli tinha 23 anos. Trabalhava com crianças autistas e com síndrome de Down. Morreu na última segunda-feira, horas depois de ser vítima dos estilhaços de uma garrafa de vidro, enquanto esperava para assistir ao jogo entre Palmeiras e Flamengo no Allianz Parque. Em março passado, o motoboy Carlos Henrique Silva Ferreira, que tinha 34 anos, foi encontrado desacordado no chão, sem qualquer pertence ou roupas, nos arredores do Maracanã após briga entre os torcedores de Vasco e Flamengo. Morreu no dia seguinte. O mesmo confronto levou à morte de Eder Eliazar.

Naquele mesmo mês, um torcedor do Ceará foi assassinado a pauladas enquanto se dirigia à Arena Castelão, em Fortaleza, para assistir à partida contra o Iguatu. Em abril, um corintiano morreu em Belém durante uma briga com torcedores do Remo no caminho para o Mangueirão, e um torcedor do Fluminense foi baleado em bar próximo ao Maracanã. No mês seguinte, um torcedor do CSA foi espancado até a morte por rivais do Confiança, em Maceió, e uma briga entre torcedores de Campinense e Santa Cruz fez outra vítima fatal, no Recife.

São os cadáveres pensativos do futebol brasileiro, descreveria Rimbaud. Eles se unem aos 30 de 2013, maior número anual da última década, de acordo com a pesquisa do sociólogo Maurício Murad. Em 2012, foram 23. Passamos, neste ano, por mais uma temporada no inferno, quando o esporte que deveria aliviar as tensões e servir para a comunhão entre os adversários se presta a emoldurar uma violência que fluiria de qualquer forma, por outros meios — a política também virou pretexto para extravasar frustrações nos últimos anos.

É urgente uma conversa definitiva sobre o fim da impunidade de criminosos que, vestidos com as cores de um clube o qual não representam, cometem atos tenebrosos, como temos visto todas as semanas, infelizmente”, convocaram em manifesto os quatro principais clubes de São Paulo após a morte de Gabriela. “É preciso que autoridades e todos os envolvidos no esporte — em São Paulo, no Rio de Janeiro e todo o Brasil – restauremos a paz e a força afetiva da prática esportiva”, segue a nota. Fazer o quê?

Não existe solução fácil, dizem os especialistas. O roteiro básico passa por punir, prevenir e reeducar. Mas os dirigentes do futebol nacional mal conseguem se entender para formar um liga na qual todos ganhariam, com a organização e a promoção conjunta da modalidade, como fazem os maiores campeonatos do mundo. Enquanto isso, são adotadas medidas difusas, como o cadastro de torcedores, feito em São Paulo e Pernambuco, e a reserva de um setor na arquibancada para torcida mista, que Grêmio e Internacional sustentaram de 2015 a 2022, mas que foi abandonada pelos elevados custos do aparato de segurança.

Há quem argumente que a torcida única, adotada para os clássicos na capital paulista, tem efeitos dúbios — evita os conflitos em dia de jogo, mas, ao mesmo tempo, alimenta o ambiente de rivalidade entre as torcidas organizadas. Além disso, as organizadas não seriam bem compreendidas e, associadas aos criminosos que atuam em seus nomes, acabaram por se degradar, o que enfraquece seu papel social de comunhão. Outro gargalo seria o despreparo da polícia para lidar com as multidões em festa.

Em última instância, para evitar mortes associadas ao futebol, seria necessário consertar um país onde são cometidos mais de 40 mil homicídios por ano. Quando esses assassinatos ocorrem num ambiente de diversão, a tragédia dessas mortes gratuitas se escancara, mas o buraco é muito mais embaixo.

O senador Jorge Kajuru (PSB-GO) clamou pela interrupção do Campeonato Brasileiro — já o tinha feito quando as denúncias de manipulação de resultados para apostas esportivas chegou à Série A. Mas suspensão dos jogos só valeria a pena se fosse para de fato tomar atitudes que evitassem novas mortes. Não há qualquer sinal, contudo, de que alguém irá assumir o leme do barco bêbado do futebol brasileiro, que segue ao sabor das piores marés possíveis. Pelo menos Carlos Ancelotti está a caminho — ou nem isso.

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  1. Cara de pau dos clubes falarem que essas torcidas "não os representam". A maioria - inclusive de São Paulo - financia essas torcidas, dando ingressos, bancando viagens para os jogos fora, abrindo portões para intimidarem as equipes no seu ambiente de trabalho, legitimando as demandas, por mais absurdas que sejam. E as próprias torcidas se "defendem" dizendo que são elas quem protegem os demais torcedores da violência das torcidas dos outros times. É um teatro.

  2. Extremamente triste ver o que vem acontecendo, principalmente fora de campo com a violência. Mas nosso futebol está podre faz é décadas, jogos raramente bons, arbitragem pífia e jogadores cada x mais reclamao e caí caí.

  3. Os grupos que se auto intitulam "torcidas organizadas" não passam de bandos de vândalos e baderneiros que prejudicam o futebol. Torcedor adepto de violência devia de ser proibido de frequentar estádios e ser monitorado.

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