Foto: Reprodução/G1Depois de passar um ano tentando acalmar o mercado oferecendo isenção fiscal para o Rivotril, Lexotan, Frontal , ele foi humilhado pelo presidente

O ministro malemolente

Descobri que temos um ministro que toca violão. Faz reforma tributária e toca violão, talvez não exatamente nessa ordem
13.07.23

Descobri que temos um ministro que toca violão. Faz reforma tributária e toca violão, talvez não exatamente nessa ordem. Mas que importa? Mais brasileiro – mais malemolente, mais requebrante, mais viniciusdemoraizento, mais grêmio recreativo escola de samba responsabilidade fiscal com sentimento social – do que isso, só se ele trabalhar de chinelos e sunga, direto da praia, dando aquela bicadinha na caipirinha entre um decreto, uma audiência, um acorde com sétima e nona, bem bossa-nova.

É verdade que o ministro tem seu quê de tímido, e seu talento só apareceu mediante certa pressão da imprensa (que estava, como direi?, cumprindo o seu papel). Mas apareceu sempre. Violão na mão, ante o desafio que lhe foi posto – “mostra pro povo de que matéria és feito, ministro; cala a boca de quem te deslustra o estro, excelência” – ele performou. E bem. Lascou lá seu sambinha da reforma tributária (por ora ainda sem letra) e ganhou da mídia entusiasmada tanto o aplauso merecido quanto o reconhecimento de que, como o time do Botafogo, o ministro vive boa fase.

Agora, é o seguinte: que alívio, para mim pelo menos, é saber que a reforma foi posta nas mãos solidárias de um artista, de – como se dizia antigamente no mundo do samba – um bamba. Porque isto de reformar os impostos tem seu tanto de arte, daí o artista; tem seu tanto de matemática, daí o músico (música é matemática, sabia não?); e tem seu tanto de exigências ao famoso jogo de cintura, daí o bamba. Estamos, pois, nas melhores mãos.

Por outro lado, e antes que o amigo comece a achar que estou pegando no pé do excelentíssimo, a verdade é que, com ou sem violão, é preciso que haja um camarada – pelo menos um – disposto a dar um jeito no cipoal tributário nacional. É preciso que haja, caramba, alguém que tenha por encargo, além do dedilhar das seis plangentes cordas, resolver esse assunto tão esotérico e inacessível ao homem comum. Porque, se o amigo for como eu – e eu aposto que o amigo é como eu –, de impostos só entenderá que tem que pagá-los, e caros, e tantos, que não conseguirá de cabeça dizer os nomes dos principais, e até se surpreenderá caso seja apresentado a alguns pela mão de algum Senador.

Imaginemo-nos, nós os homens comuns, caminhando ali pela rua Direita e esbarrando com o nobre Senador Cândido Oriney, que vem para cima da gente com aquele ar que só político e camelô têm:

— Olá, cidadão comum, um minuto da sua atenção. Quero lhe apresentar aqui o AFRMM, o Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante.

A gente dá a mão a um guapo imposto vestido de marinheiro. Ou:

— Boa tarde, contribuinte! Apresento-lhe a CCCCN, Contribuição à Comissão Coordenadora da Criação do Cavalo Nacional.

A gente cumprimenta uma contribuição magra, leve, vestida de jóquei. Ou:

— Saúde aqui, ó humílimo transeunte, a GIIL-RAT, a Contribuição do Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho.

A gente tira o nosso chapeuzinho Fedora para um imposto de macacão, capacete, luvas e máscara contra gases. Ou:

— Apresento-lhe, sagaz eleitor, o FUNDAF, Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização.

Fazemos mesura para um fundo de terno e com uma pasta tipo 007. E o Senador segue, fazendo a fila andar e a gente ter o prazer de conhecer em pessoa a Taxa de Fiscalização de Sorteios, Brindes ou Concursos; a Taxa de Pesquisa Mineral; a Taxa de Utilização de Selo de Controle; a esplêndida Taxa de Avaliação da Conformidade (a quê?); e assim por diante.

A propósito, não vá o amigo achar que estou inventando esses adicionais, contribuições, fundos e taxas aí em cima. Não estou, não: todos eles existem, exatamente com esses nomes aí (se o amigo duvida, pode consultar essas e outras no sítio de internet do Portal Tributário: o total até ontem era de 92 tributos diferentes).

Ora, ante isso tudo, é claro que estou disposto a dar ao ministro violeiro aquele crédito, aquele fiado de confiança que só os inocentes, só os polianos podem dar: vai, ministro, ser violeiro e podador de tributos na vida! Vai tocar o Samba do Bilhete Azul para essas taxas todas, essas contribuições, esses fundos, esses emolumentos, esses tributos tão brutos! Vai fazer “xô, galinha!” no quintal das alíquotas! Vai gritar “Não passarão!” pro pelotão dos impostos! O senhor tem o meu apoio, e digo mais: se triunfar contra as taxas, compro o disco do seu samba!

Nos prometeram a volta do amor; aceito, aceito, mas não me importo se trouxerem junto uma reforma tributária decente (e um violão de bônus). Play it, sir.

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  1. Haddad toca e idiotas dançam mas o homem ao que parece está tomando tenência pois o peso do cargo desentorta a boca . em alta sim.

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