ReproduçãoLula e Dirceu: o ex-gênio da política espera obter do STF o mesmo presente que o presidente obteve

Ele também voltou

José Dirceu tenta anular condenações na Lava Jato e trabalha para recobrar protagonismo no PT e visibilidade política
19.01.24

Devagarinho, o petista José Dirceu está saindo da toca, depois de quase duas décadas de justo ostracismo. A rigor, as circunstâncias deveriam impedir que ele recuperasse visibilidade política e tentasse recobrar algum protagonismo no PT. Afinal, pesam contra ele condenações a quase 42 anos de cadeia, sobretudo por crimes de corrupção. Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a desmontar a Lava Jato, contudo, Dirceu recobrou o ânimo. Ainda no começo de 2022, seus advogados começaram a explorar a possibilidade de estender a ele os mesmos resultados obtidos por Lula contra a operação – ou seja, a anulação de todos os atos processuais presididos por Sérgio Moro, quando juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba. Mas foi só na semana passada que uma petição com esse objetivo foi encaminhada ao ministro Gilmar Mendes, um dos mais ativos operários do serviço de demolição do STF. Segundo os advogados, o pobre José Dirceu precisa ser exonerado de culpa, pois foi apenas um degrau a ser necessariamente sobrepujado para que se alcançasse o então ex-presidente” –  ou seja, o pobre Lula. Esses profissionais experientes têm antenas bem treinadas para captar os sinais favoráveis do meio político e, sobretudo, da corte suprema, esse mundo mágico onde o garantismo penal seletivo pode converter em pó, de uma hora para outra, a pilha de provas que existem contra Dirceu no mundo real. 

Enquanto essa movimentação jurídica acontece, é possível ver Dirceu ocupando espaço na imprensa para falar sobre política. Difícil acreditar que não seja um trabalho coordenado de relações públicas. Nesta quarta-feira, 17, ele fez saber que abençoa o retorno de Marta Suplicy ao PT para figurar como vice na chapa à prefeitura de São Paulo que terá o psolista Guilherme Boulos como titular. Dirceu tem dividido o tempo entre Brasília e São Paulo e pretende trabalhar ativamente nos bastidores da campanha paulistana.

Antes disso, circularam declarações de Dirceu num podcast do PT realizado no último sábado. Ele disse que é “quase uma covardia” o PT não apoiar as medidas econômicas defendidas pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad: “Não adianta criticar o Haddad, porque a política econômica é do governo do presidente Lula.” Afirmou, ainda, que a direita está ganhando a disputa por corações e mentes nas atuais circunstâncias políticas, o que demandaria uma reorganização do PT. Ambas são críticas nem um pouco veladas a Gleisi Hoffmann, atual presidente do partido cargo que Dirceu já ocupou. Fica esperta, Gleisi.

Cerca de dez dias atrás, Dirceu já havia estreado uma coluna num site de esquerda. Sua primeira postagem cobrou responsabilização dos militares pelos atos do 8 de Janeiro. É o tipo de cantilena que seria tolerável vinda de qualquer outro que não fosse um petista tão profundamente imbricado naquela outra forma de assalto à democracia: a corrupção destinada a eternizar um grupo político no poder.

A manifestação mais espalhafatosa de Dirceu aconteceu ainda em meados de 2023, quando ele e o advogado Kakay, do Grupo Prerrogativas (aquele, dos advogados milionários de esquerda), posaram juntos em Paris celebrando a cassação do mandato de deputado federal do ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol. Foi um daqueles momentos em que Dirceu realmente deixou de lado o medo de ser feliz, para lembrar o velho slogan lulista de 1989. Um dos efeitos das condenações do petista foi o bloqueio de seu patrimônio, estimado em mais de 10 milhões de reais. Quem se encontrou com Dirceu recentemente diz que ele anda nostálgico dos tempos em que podia alimentar hábitos de gente rica, como tomar vinhos caros. Em Paris, com Kakay, não deve ter faltado vinho.

 

ReproduçãoReproduçãoDirceu e Kakay fazem o L em Paris: sem medo de ser feliz
 

Parece ter vindo de Kakay, por sinal, o incentivo para que Dirceu recebesse um outro apoio, esse bem inesperado. Também no fim da semana passada, o ex-deputado estadual paranaense Tony Garcia se ofereceu para colaborar com a defesa de Dirceu em sua cruzada para anular as sentenças da Lava Jato. Mais ou menos na mesma época em que os petistas eram flagrados no mensalão, Garcia foi flagrado por Moro e por procuradores federais do Paraná em uma trama de corrupção. Foi dele um dos primeiros acordos de delação premiada firmados no país. Recentemente, mais uma vez envolvido em falcatruas, que o levaram a assinar um novo acordo – dessa vez com o Ministério Público de seu estado –, ele concluiu que tinha meios de acusar a operação Lava Jato de irregularidades. Mesmo reconhecendo que as narrativas de Garcia são “confusas”, a PGR, ainda ocupada por Augusto Aras, resolveu encaminhar o seu relato ao STF. Por sua vez, o ministro Dias Toffoli – outro valoroso operário da Demolições STF Ltda. – decidiu dar início a um inquérito para apurar a conduta de Moro. A decisão, tomada no final do ano passado, se tornou pública na última segunda-feira, 15.

A mais recente sentença contra José Dirceu foi expedida pelo novo juiz da 13ª Vara de Curitiba, Fabio Nunes Martino, que herdou os processos da Lava Jato. No início de dezembro de 2023, ele absolveu o petista do crime de lavagem de dinheiro numa ação relacionada ao recebimento de 2,5 milhões de reais das empreiteiras Engevix e UTC. Os aliados comemoraram como uma vitória, mas o fato é que o juiz simplesmente reconheceu uma tese consolidada na Justiça, segunda a qual a lavagem de dinheiro não é um crime autônomo em certos casos de corrupção. Em outras palavras, Martino afastou um delito, mas reiterou a conclusão de que Dirceu recebeu propina: “A sofisticação na forma escolhida pelos envolvidos para recebimento da vantagem indevida não tem o condão de, por si só, permitir que o pagamento de cada uma das parcelas a título de propina sejam considerados crimes autônomos.”

Tendo em vista o enredo traçado nos últimos meses, não será surpresa nenhuma se o STF optar por dar apoio à ressuscitação de José Dirceu (que, vale repetir, acaba de ter reconfirmado o seu status de corrupto), enquanto ignora os fatos sobre o petrolão. Deixemos, no entanto, um alerta aos ministros. Também nesta semana (impressionante como tudo vai se precipitando), a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) resolveu dar atenção a um pedido que lhe foi encaminhado por Dirceu dez anos atrás. Ele alega que teve seus direitos violados durante o julgamento do mensalão, esquema do primeiro mandato de Lula, em que o PT comprou com dinheiro apoio político no Congresso. O mensalão foi o caso que deu início ao declínio de Dirceu, até então celebrado como peça chave na vitória eleitoral de 2002 e todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil, até ser defenestrado em 2005.

Diante do CIDH, os advogados de Dirceu alegam que ele não deveria ter sido julgado pelo STF, porque quando a ação foi a plenário, entre 2013 e 2014, ele não contava com foro privilegiado. Trata-se do mesmo argumento esgrimido atualmente pelos advogados que representam centenas de presos do 8 de Janeiro, e que causa enfado e irritação na corte. Ao se debruçar sobre o caso de Dirceu, que encarna a quintessência do petismo, os ministros deveriam se lembrar do ditado espanhol: é perigoso criar corvos.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. José desceu volta novamente aos holofotes da imprensa, foi o grande mentor por trás da campanha presidencial de Lula, colocando ele como uma figura fina e tirando a figura de Lula de macacão de oficina e colocou de terno e gravata com a barba bem feita, palavra de Roberto Jefferson" sai daí Zé vou para tribuna e você vai sair do governo".

  2. Quem dilapidou a economia do país, condenado mediante provas e testemunhos inafastáveis, foi liberado pela justiça máxima por erros processuais, nunca pelo mérito das sentenças… como vingança e retorno da lei de Talião, querem agora punir o juiz das causas! É o poste mijando no cachorro, como dizia o saudoso Joelmir Beting …

  3. O Brasil 🇧🇷 honesto e trabalhador tem nojo dessa casta de espertalhões corruptos que atuam sob o guarda chuva quadrilheiro do Partido dos Trambiqueiros…

  4. Ainda tenho esperança de ver todo esse circo pegando fogo, com uma cena final bem grotesca, tipo as cenas maravilhosas que aconteciam na época da LAVA-JATO: cada manhã um ladrão sendo surpreendido por uma visita da PF, enquanto estava no seu leito de fantasias. Só que dessa vez, sem recursos para voltar ao poder.

  5. Acho justo. O STF tem que fazer o seu trabalho de demolição da lava jato por completo, sem deixar uma pedrinha sequer, quanto mais uma pilastra do tamanho do Dirceu. Esse é um país perdido, o que é mais uma escarrada na cara de quem sustenta todo esse cabaré?

  6. Opa, Dirceu deve estar animado com a perspectiva de ter mais protagonismo na missão PTralha de “tomar o poder, o que é diferente de ganhar uma eleição”. Esse sujeito é asqueroso 🤮

  7. Quando o cidadão não pode confiar na justiça e nem mesmo na mais alta corte, é de se esperar que os corruptos fiquem mesmo livres e os que o condenaram acabem punidos, e assim caminha nosso país. Triste...

Mais notícias
Assine agora
TOPO