ReproduçãoO republicano é tido como certo nas eleições gerais: imigrantes ilegais estão envenenando o sangue da América

Ele voltou

Donald Trump mostra que tem boas chances de retornar à Casa Branca. Melhor se preparar
19.01.24

Em seu discurso de despedida após deixar a Casa Branca, em janeiro de 2021, Donald Trump afirmou: “Eu sempre lutarei por vocês. Estarei assistindo. Estarei ouvindo. Vamos voltar de alguma forma.” Ao som da música YMCA, do grupo Village People, ele subiu a escada do avião, seguido pelos seus filhos.

Nos três anos seguintes, tudo parecia indicar que Trump não teria essa chance. Dias depois de seu discurso, ele foi acusado de liderar uma turba de rebeldes que invadiu o Capitólio e tentou invalidar o resultado das eleições. Com isso, passou a ser amplamente rotulado como a maior ameaça à democracia americana. Foi bloqueado das redes sociais e tratado com desdém ainda maior pela imprensa, que concentrou a cobertura em seus casos nos tribunais. O ex-presidente tornou-se réu em quatro processos, sendo acusado de 91 crimes. A economia americana conseguiu se recuperar após a pandemia de Covid-19 e cresceu cerca de 5% em 2023. A inflação caiu para menos de 3% ao ano e o país vive uma época de pleno emprego.

Mas Trump não foi embora, para frustração de muita gente que gostaria de esquecê-lo. Sua vitória com trinta pontos de vantagem para o segundo colocado nas primárias de Iowa mostrou que ele tem grandes chances de se tornar o indicado pelo Partido Republicano para concorrer na eleição geral de 5 de novembro. Em uma disputa com o presidente democrata Joe Biden, ele teria a mesma chance que seu concorrente de ganhar o pleito.

Se é a economia o fator principal que define as eleições, então é preciso entender, primeiro, o que está acontecendo nos Estados Unidos. A principal questão nesse ponto é que os bons índices macroeconômicos da gestão Biden ainda não se traduziram em uma melhor qualidade de vida para os americanos. A inflação anualizada caiu de 7,1%, em julho de 2022, para os atuais 3,4%. É uma ótima notícia, mas que não tem sido muito comemorada por lá. “A inflação está num ritmo mais lento, mas ainda existe. Um primeiro problema é que as pessoas escutam essa notícia e acham que os preços vão cair. Mas, como isso não está acontecendo, elas ficam chateadas e acham que estão sendo enganadas”, diz o economista americano Michael Walden, professor da Universidade Estadual da Carolina do Norte. “Outro problema é que, embora os rendimentos das famílias tenham aumentado nos últimos anos, eles não subiram o suficiente para compensar a inflação dos preços. Isso quer dizer que a quantidade de produtos e serviços que uma família média pode adquirir hoje ainda é menor do que ela comprava no início de 2021 ou em 2020.”

Segundo Walden, será necessário pelo menos um ano para que o padrão de vida volte ao nível de antes. A situação, portanto, continua sofrível. Na última pesquisa feita pela Universidade Quinnipiac, neste mês de janeiro, 44% dos americanos dizem que a economia está piorando e apenas 26% acham que está melhorando. Uma maioria de 61% concorda que a renda não tem sido suficiente para acompanhar a escalada do custo de vida. Diante dessa realidade, Trump tem feito uma campanha sob medida para os insatisfeitos, que reclamam dos altos aluguéis, dos juros elevados do crédito imobiliário e dos preços dos alimentos e remédios.

A subida no custo da moradia levou a outro fenômeno, que tem sido muito observado em grandes cidades americanas: o aumento do número de pessoas morando na rua ou em abrigos públicos. No ano passado, essa população teve um crescimento de 12%. Foi o maior aumento anual desde que o dado começou a ser medido, em 2007.

Aos que não têm renda para pagar um aluguel ou um financiamento imobiliário juntam-se os viciados em drogas, pessoas com desequilíbrios mentais e imigrantes ilegais. A campanha do lado republicano ainda tem usado essas cenas de desamparo para fazer uma ligação entre o contingente de imigrantes e uma elevação das taxas de homicídio, que teve início em 2020. No ano passado, contudo, essa taxa caiu 12%. Mesmo assim, a percepção de que a violência impera segue em alta (assista à entrevista com José Vicente da Silva Filho nesta edição). Os republicanos também têm tido sucesso em botar a culpa no governo Biden, que segundo eles teria aberto a fronteira com o México. São declarações feitas para satisfazer uma população incomodada com o que vê nas calçadas e que anda desanimada com a situação do país.

Em 2016, Trump causou comoção ao falar que o México mandava para o seu país “drogas e estupradores”. Agora, a acusação é de que os imigrantes “envenenam o sangue” da América. Apesar do tom, pesquisas mostraram que metade da população concorda com a frase. O pré-candidato ainda afirma que muitos dos que entram no país são terroristas. Em outubro, após o atentado do Hamas a Israel, Trump falou: “Não podemos nos esquecer que as mesmas pessoas que atacaram Israel estão agora chegando ao nosso belo país em níveis inacreditáveis através de nossa fronteira totalmente aberta”. A solução para a crise seria imediata. Trump prometeu uma deportação massiva já no primeiro dia de seu governo, caso seja eleito. Não é algo assim tão fácil de se fazer, claro. Mas são as palavras que contam. “Culpar os imigrantes continua sendo uma mensagem política vencedora, pois muitos acham que a fronteira está fora de controle. Além disso, esse problema tem caído na conta do Partido Democrata desde que Biden tomou posse”, diz o cientista político Martin Geoffrey Cohen, professor da Universidade James Madison e especialista no Partido Republicano.

O que poderia atrapalhar os planos de Trump são os seus enroscos na Justiça. Os quatro casos contra ele que estão em andamento — incitamento para anular o resultado da eleição geral de 2020, posse ilegal de documentos secretos de Estado, falsificação de dados imobiliários em Nova York e tentativa de distorcer o resultado da eleição na Georgia — podem ter desdobramentos a qualquer momento. Mas nenhum deles irá tirar Trump da corrida presidencial. Mesmo preso, ele ainda poderá recorrer. Tribunais de dois estados, Colorado e Maine, ameaçaram tirar o nome de Trump das cédulas. Mas a equipe do republicano apelou no Colorado, o que levará o caso para a Suprema Corte. Em meio ao impasse, a Justiça do Maine achou melhor esperar até que uma decisão seja dada. “Provavelmente, nada disso o impedirá de concorrer. O certo até agora é que ele terá de gastar parte do seu tempo de campanha nas salas dos tribunais”, diz a cientista política americana Lilly Goren na Universidade Carroll, no estado de Wisconsin.

Mas nem mesmo esses contratempos na Justiça foram capazes de arranhar a popularidade de Trump. Pelo contrário, eles serviram para fortalecer a ideia de que Trump é vítima de uma perseguição judicial orquestrada pelo presidente Biden. Para seus eleitores, o republicano não tem sido alvo por causa de suas ações, e sim porque é um legítimo representante do povo americano menosprezado pela elite corrupta de Washington. “Eles querem tirar a minha liberdade porque eu nunca vou deixar que eles tirem a liberdade de vocês. Eles querem me calar, porque eu nunca vou deixar eles silenciarem vocês“, disse Trump em campanha, em setembro. “Ao final, eles não estão atrás de mim, eles estão atrás de vocês. Acontece que eu estou no caminho deles, e eu sempre estarei no caminho deles.”

No início desta semana, a vitória do republicano nas primárias em Iowa levou chefes de governo europeus a pensar mais seriamente na possibilidade de um segundo mandato de Trump. Sua verve isolacionista, de querer “retirar os Estados Unidos de todas as guerras desnecessárias” continua intacta. No seu primeiro mandato, Trump tentou tirar os Estados Unidos da Organização do Tratado do Atlântico Norte, mas foi impedido pelos seus assessores. Em uma próxima vez, não se sabe se alguém poderia oferecer resistência. Uma redução na ajuda financeira e militar para a Ucrânia é mais do que provável, o que beneficiaria o presidente russo Vladimir Putin. “Se o ano de 2024 trouxer de novo a ideia de ‘América em primeiro lugar’, então teremos mais da Europa por conta própria“, disse o primeiro-ministro da Bélgica, Alexander De Croo, em discurso ao Parlamento Europeu. A fala de De Croo lembra o que a então chanceler alemã Angela Merkel disse em 2017, após a vitória de Trump no ano anterior. “Os tempos em que podíamos depender completamente dos outros estão em vias de extinção“, disse Merkel daquela vez.

Apesar da distância de oito anos, o Trump de 2024 é incrivelmente parecido com o que fez campanha em 2016. Essa semelhança tem ao menos um lado positivo, pois ficará mais fácil prever como seria um segundo mandato, caso ele seja o vencedor em novembro. Com sua nomeação quase certa pelo Partido Republicano para disputar as eleições de 5 de novembro, é hora de aqueles que torcem o nariz para Trump também começar a refletir em como poderiam se adaptar, novamente, a ele.

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  2. Toda a questão e muito bem abordado por Duda. A única coisa que acho interessante é ver que o comportamento dos eleitores de Trump são exatamente iguais aos de Bolsonaro. Eles veem Trump como um Mito salvador da pátria, tal como bolsomínions. O problema aqui é que Bozo não sabe governar, ele sabe é cuidar do interesse de sua(s) família(s). Por isso nem se incomoda de apoiar Putin, tal como o Papi dos pobres.

    1. ODETE 6 não odeie pertencer às 3 américas. Com todos os problemas existentes, a do norte é realmente uma Democracia! Biden terá que parar de gastar ou haverá o " shutdown".

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