Terimakasih0 via PixabayUma voz saindo da estátua do Borba Gato. "BUURROOSS. BOM DIA SEUS BUUUURROS”

Por um plano nacional antialfafa

eu gostaria de um plano nacional para que não cheguemos ao ponto de comer alfafa. Então aqui vão algumas ideias para o burocrata inteligente que me lê.
19.01.24

Todos sabemos da degradação intelectual do Brasil, comparado ao que éramos nos anos 50 e mesmo nos ridículos anos 80 e 90. Sim, repito, os anos 80 e 90, pois a verdade é que perto de Sérgio Mallandro e Luiza Ambiel somos meros anões intelectuais.

Mas notícias da nossa contínua debilitação mental me chegam por todos os lados. Uma amiga, por exemplo, me fala da família do marido, todos descendentes de um marquês do século 19 que foi chefe de governo, e governador de duas províncias — e seus descendentes não sabem quem ele foi, me diz ela, e não leem livros, são orgulhosamente ignorantes, e são, nas suas palavras, “médicos burros”.

Outro amigo visitou o Uruguai e ficou encantado com as livrarias com livros de verdade na vitrine, não autoajuda e tal, ou memórias de jogadores de basquete com doenças terminais, LIVROS DE VERDADE, e os principais clássicos lá nas prateleiras, e seções para poesia e tudo mais. Isso numa cidade pequena do Uruguai.

Outro amigo (sim, minhas fontes são só amigos, não dou valor às outras), o economista Claudio Shikida escreve na sua newsletter que o noticiário na tevê japonesa usa gráficos o tempo todo, coisa que não fazemos por imaginar (corretamente, claro) que nenhum espectador brasileiro iria entender um gráfico. “Estou contrastando”, escreve ele, “a qualidade do capital humano de duas sociedades. ‘Ah, mas a demanda é esta’ — É, você pode seguir a demanda e até comer alfafa se for o caso.”

Mas eu gostaria de um plano nacional para que não cheguemos ao ponto de comer alfafa. Então aqui vão algumas ideias para o burocrata inteligente que me lê.

— A gente fala dos problemas educacionais e culturais no Brasil, mas uma coisa que podíamos fazer seria pagar vans com um megafone em cima pra cada vez que ela passasse por alguém na rua ela gritasse “BUUUUUURRO! VOCÊ É BUUURROOO!” numa altura que desse um razoável choque na alma.

Eu acho mesmo que as pessoas precisavam ser mais chamadas de burras e ignorantes. Continuamente chamadas de burras e ignorantes. Quase sem parar, enquanto trabalham, passeiam, andam de bicicleta. Acho que falta isso no Brasil. É a minha principal proposta educacional, de qualquer forma.

— Isso e um cara dentro da van jogando livros na nuca das pessoas, com força. BUUUURROOOO, berra o megafone — e um homem leva com um Declínio e Queda do Império Romano na cachola. O sujeito estatelado no chão, zonzo, coberto de vários volumes de história do Império Romano.

— Ou este outro plano, que envolve todas as grandes estátuas públicas como o Cristo Redentor ou a estátua do Padim Ciço. Uma voz saindo da estátua do Borba Gato. “BUURROOSS. BOM DIA SEUS BUUUURROS”, ou, quando uma senhorinha passasse na rua, “EI VÉIA. VÉIA. CÊ JÁ LEU UM LIVRO ESSE ANO VÉIA? VOCÊ É BURRA VÉIA? NÃO TE DEIXO EM PAZ NÃO VÉIA”. Espezinhados continuamente por todas as estátuas públicas, talvez os brasileiros abrissem um livro de vez em quando.

— Esta quarta ideia é irrealizável com a tecnologia atual, é só um rascunho de ideia para que a humanidade ponha em prática um dia; mas num futuro breve, quando os e-readers forem implantados no nosso cérebro, ou nos olhos (acontecerá, e em breve), cada vez que uma pessoa for fazer um comentário, seja no Twitter, Instagram, Facebook ou o que quer que surja no futuro, quero que a seguinte mensagem apareça automática e obrigatoriamente com o seu comentário: “ESTA PESSOA LEU 0,5 LIVROS SOBRE O ASSUNTO SENDO COMENTADO, E SÓ 2 LIVROS ESTE ANO”, ou “ESTA PESSOA LEU 0 LIVROS SOBRE O ASSUNTO SENDO COMENTADO, E 0 LIVROS ESTE ANO”, e assim por diante. Pelo meu plano de desenvolvimento educacional, ninguém seria proibido de comentar nada, não seria uma censura; mas mensagens desse tipo apareceriam em todas as suas contribuições para qualquer discussão online. E caberia a ela comentar coisas do tipo “e daí que não li nenhum livro sobre o assunto? Me poupa, me formei na escola da vida”, e coisas do tipo. A pressão para que ela se informasse um pouco mais já estaria estabelecida.

Esse, enfim, seria o Ministério da Educação no meu governo. Porque se o governo, no lugar de tentar dar educação para as pessoas, que é algo em que ele é evidentemente incompetente, se limitasse a ser uma máquina de humilhação, continuamente envergonhando as pessoas por não saberem coisa nenhuma, seria possível que algumas pessoas ficassem se sentindo tão por baixo que se esforçassem para se educarem sozinhas.

Um ou outro pegariam um livro de vez em quando, pelo menos. Dariam uma disfarçada, sei lá. Ninguém quer realmente aprender coisas no Brasil, ninguém realmente absorveu na alma a sabedoria simples do ET Bilu, de “apenas buscar conhecimento”; a alma do brasileiro olha para as estrelas sem a curiosidade natural de qualquer outro povo de saber o que são, ou se estão perto ou longe. Olhamos para as estrelas como pacas. Mas ninguém gosta de ser humilhado. Então que sejam motivados a se educar pelo chicote da humilhação governamental contínua.

No Brasil, partimos demais do princípio de que está tudo bem ser um completo ignorante. Isso tem que mudar, e só a força redentora da humilhação pode fazer isso.

 

Alexandre Soares Silva é escritor

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  1. Adorei seu texto ! Gostaria de dar um livro para todo adolescente que se casa e/ ou procria antes dos 18 anos . 📖

  2. Tomara que “vire” lei! Sabe qual seria o único problema ? Como de praxe , não seria cumprida neste país ! 😂

  3. Alexandre para Ministro da Cultura :) Todas sugestões agregaria muita qualidade ao atual ministério, para o STF, Palácio do Planalto...

  4. Molière, no prefácio de O Tartufo, já dizia - em carta ao rei - que os homens temem mais ser vistos como ridículos do que como maus, explicando assim a razão de uma certa aversão de alguns poderosos à comédia. Mas olha eu aqui citando um livro! No Brasil, Alexandre, quem fica envergonhado, receoso de parecer elitista e afetado, de não ser alguém do povo, de não ter lugar de fala como um Anderson Nunes ou uma Anita, é quem lê "livros de verdade".

  5. Alexandre Soares Silva, com sua crônica me fez lembrar um ditado Zen: "O dedo aponta a lua/O sábio olha a lua/O tolo olha o dedo."

  6. Começando por nosso dirigente mor que disse que ler livros e educação não leva a nada !!! O resto é consequência !!!

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