ReproduçãoO plano de Prestes Mais para o Viaduto do Chá: ecletismo

São Paulo imaginária

A cidade que poderia ter sido e que não foi
19.01.24

Se existe uma cidade em que a modernidade triunfou é São Paulo. E isso aconteceu na arquitetura, no urbanismo, nas artes plásticas, na literatura.

Até o cartão postal da cidade é moderno, o Masp. Mas será que as coisas poderiam ter sido diferentes?

A cidade já foi palco de um duro embate entre a arquitetura de matriz clássica ou histórica e a arquitetura moderna. O curso de arquitetura da faculdade Mackenzie, primeiro da cidade, criada pelo arquiteto Christiano Stockler das Neves, costumava agregar os adeptos do ecletismo arquitetônico. A Faculdade de Arquitetura da USP, por sua vez, era o centro irradiador da arquitetura moderna — na verdade ainda é hoje em dia.

Alguns dos mais importantes prédios ecléticos da capital paulista foram projetados por Christiano Stockler das Neves e seu pai, Samuel Neves. São eles: os Palacetes Prates, que ficavam no lugar da atual Prefeitura de São Paulo e no lugar dos arranha-céus ao lado (projetados por Samuel Neves); a Estação Sorocabana (onde hoje é a Sala São Paulo); o Edifício Sampaio Moreira; e o Edifício Palacete Riachuelo na Praça da Bandeira.

A coisa que os modernistas mais odiavam era a arquitetura eclética. O ódio era recíproco: Christiano Stockler dizia que a arquitetura moderna não era uma linguagem artística, por seu caráter eminentemente funcionalista, pelo abandono da tradição e pela padronização.

Os modernistas o consideravam um tradicionalista. Mas foi ele que construiu alguns dos primeiros arranha-céus de São Paulo, usando concreto armado, uma inovação e tanto — o já citado Edifício Sampaio Moreira, virado para o Vale do Anhangabaú.

Christiano Stockler das Neves foi praticamente esquecido. Não existem documentários sobre suas obras. Poucos são os estudos acadêmicos sobre sua atuação, ainda mais se comparado ao que existe sobre os arquitetos modernistas. O modernismo triunfou.

O aspecto da cidade poderia ser outro se isso não tivesse acontecido. O que faz a beleza de cidades como Budapeste e Buenos Aires é exatamente a arquitetura eclética — aquela que era desprezada pelos modernistas como arquitetura de bolo de noiva.

Houve outra tentativa de fazer uma arquitetura em moldes diferentes do modernismo na cidade de São Paulo: a obra de João Artacho Jurado. Artacho era um empresário e arquiteto autodidata que projetava os próprios empreendimentos. Ele misturava os estilos clássico, Art Nouveau, Art Déco. Seus prédios eram coloridos (com cores fortes), cheios de detalhes. Ele projetava na cobertura onde morava (que ele mesmo desenhou), ouvindo ópera.

Projetou os edifícios Louvre, Viadutos, Planalto e tantos outros de destaque no centro de São Paulo. Só recentemente sua obra tem sido tema de documentários. Só existe um livro sobre ela. O motivo é o mesmo: não ter comungado com os ideais modernistas, hegemônicos até hoje na academia brasileira.

Fico imaginando se Christiano Stockler das Neves e João Artacho Jurado tivessem tido um lugar central e não periférico na arquitetura paulistana. A cidade seria belíssima e exótica, como Budapeste. Infelizmente isso não aconteceu.

João Artacho Jurado veio à falência. O motivo é que, com a inflação que se seguiu ao governo Juscelino Kubitschek, era impossível obter lucro com um empreendimento imobiliário de grande porte. Alguns prédios foram feitos imitando o seu estilo em Higienópolis, mas são poucos.

Christiano Stockler das Neves aos 90 anos (nos anos 1980) ainda ia trabalhar no seu escritório na rua Libero Badaró. Certo dia, foi assaltado. Roubaram-lhe 5 mil réis. Ele foi jogado no chão e teve uma costela quebrada. Esse fato o abalou muito, como conta seu neto. Morreu em 1989.

Dez anos depois, em 1999, foi inaugurada a Sala São Paulo, construída no pátio interno de sua mais importante obra. Tornou-se uma das mais importantes salas de concerto do mundo. A obra que a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo tocou naquela ocasião foi a “Sinfonia Nº2 — Ressurreição”, de Mahler.

 

Josias Teófilo é cineasta, jornalista e escritor

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  1. Sendo inguinoranta no assunto, não sei exatamente o que seria o conceito técnico de “funcionalidade”. Se incluir a questão de conforto, essa arquitetura modernista, além de feia, é péssima de conforto térmico e acústico. Ao menos nas construções onde já entrei.

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