Foto: Ricardo Stuckert/ PR

A elite se diverte e o povo que se dane

Sem exigir o dura lex sed lex da folgada Braskem em Maceió, Lula perde tempo tentando pacificar Renan e Lira e Moro e Dino choram de rir
14.12.23

A terça-feira, 12, e a quarta-feira, 13 de dezembro, são datas que entram para a sórdida história da política do pau-brasil como a hora em que a casta dirigente se permite rir a bandeiras despregadas deixando parte de Maceió afundar sem dó, espírito cristão nem amor ao governo do povo, ao qual finge aderir.  Na terça, o presidente da República, que não deu o ar de sua graça ao desgraçado pobre alagoano para testemunhar o afundamento de bairros inteiros, investiu todo o seu poder para pacificar inimigos históricos, um deles seu sócio no desgoverno, o deputado Arthur Lira, e outro, o senador Renan Calheiros.

Lira gerencia metade do desgoverno da mesa diretora da Câmara dos Deputados e comanda o prefeito João Henrique Caldas, do PL, pelo qual o ex-presidente Bolsonaro disputou e perdeu a reeleição para Lula da Silva, do PT, apoiado por Renan Calheiros, do MDB. Renan Calheiros Filho é ministro dos Transportes do “condomínimo” lulolirista e seu pai apoia o governador do Estado, Paulo Dantas, do MDB.

O nó górdio da questão é a Braskem, da qual são donas a Novonor, neologismo cuja última sílaba é a primeira do prenome do fundador da Odebrecht, Norberto, pai de Emílio e avô de Marcelo, que caiu, por excesso de provas, nas malhas da Lava Jato. Essa operação policial e judiciária revelou, entre outras filustrias, que o ex e atual presidente da República teria o codinome de “amigo do meu pai” num tal “propinoduto” da empreiteira teuto-baiana.

Marcelo foi preso, mas saiu da prisão para ócio e briga societária. O “muy amigo” deixou a cela da Polícia Federal em Curitiba para os braços do povo por decisão polêmica do Supremo Tribunal Federal (STF). E o poder compartilhado com o chefão político Lira, que poderia merecer a alcunha de “inimigo do inquilino do poder” das duas gestões, nas quais o maior crime ecológico do mundo causou o desabamento de casas e negócios de zé manés que nada tinham a ver com propina: Jair Bolsonaro, do PL de direita, e Lula da Silva, do PT esquerdoide (ou doido?).

A empreiteira renomeada detém mais da metade das ações da extratora de sal-gema para produção de soda cáustica e PVC. A outra quase metade do negócio da China cabe à estatal que já foi a pérola da coroa republicana da esquerda desde Getúlio Vargas: a Petrobrás. Ou seja, a Braskem é o consórcio de capitalismo selvagem de Nor com o populismo caudilhesco de Gegê.

Enquanto Bolsonaro passeava em carreatas e motociatas e Lula desfilava gozando do luxo dos compadres ditadores petroleiros, os maceioenses perdiam, sem ter cometido crime nenhum, os patrimônios que construíram em suas vidas inteiras.

Ao voltar do repouso das mil e uma noites de sultão no deserto, o condômino mais notório do despudorado poder republicano federal poderia ter marcado uma reunião em Maceió com o sócio Lira, o apoiador Renan, prefeito, governador e diretorias de agências reguladoras de serviços públicos privatizados. E cobrar da PF providências imediatas e da justiça a devida punição a quem de direito. Nada disso: reuniu em Brasília os chefões, todos pertencentes à casta dirigente de políticos, burocratas, empresários, milicos e sindicalistas, para recriminar o clima violento, normal em confrontos de inimigos políticos, entre Renan e Rui Costa, que participou do encontro como Pilatos no Credo. Aí ordenou que os aliados irritados se acalmassem e fizessem as pazes. Em tom similar ao que recorre para abençoar a desumanidade do Hamas no Oriente Médio e os invasores russos da Ucrânia. E a compreensão de irmão de opa à invasão dos poços petrolíferos da Guiana pelo tiranete Maduro, da Venezuela. Diplomacia de capitão-do-mato, ingerida na pinga com cambuci em botecos e piquetes.

Mas não é só do conceito estúpido de que ucranianos devem ser compreensivos com os invasores russos e israelenses não devem reagir à degola de idosos, mulheres e crianças pelos desumanos do Hamas que a elite tecnocrática, estatista e privada justifica sua bárbara aposta no ódio. No dia seguinte, o chefe da Lava Jato, Sérgio Moro, abraçou e gargalhou abraçado à pança de Flávio Dino, que está sendo indicado por Lula Lira para o o velho STF, machista como convém a stalinistas. Ninguém há de imaginar que Dino se rebele e, assim, Lula não se vingue de Moro. Ao contrário, a lógica é tão somente preservar a boa vida da elite dirigente.

Para fechar com chave de ouro este “me segure que eu vou ganhar um troco”, o doutor Dino recorreu a uma comparação de fazer os apóstolos do Aleijadinho em Congonhas do Campo corarem de vergonha. Ele comparou sua trajetória de modesta comarca do interior à glória suprema ao milagre da conversão do cidadão romano (não soldado) Saulo de Tarso, de perseguidor de cristãos a apóstolo dos gentios. Fundando, dessa forma, o conceito de diáspora e o amor entre iguais. Como bem descreve o belíssimo texto de Ernest Renan no clássico As Origens do Cristianismo. A “pequena” diferença entre a genialidade de Saulo e a “imodéstia” de Dino é que a doutrina do “ama a teu próximo como a ti mesmo” do nazareno prega amor e igualdade, sem preconceitos. E não a separação entre o pagador de impostos, tratado como escravo, e o devorador do erário, a quem se permite tudo, inclusive um crime ambiental abjeto, que não arranca sequer um suspiro de desgosto da “Marina morena, você se ausentou”.

 

José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor

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  1. Ótimo artigo agora sobre Moro acho que está é doido achando que Dino vai desobedecer o pai dos pobres acho melhor ele já procurar novo emprego.

  2. Nesse momento tão desagradável e recheado de péssimas surpresas passo a desejar somente é que acabem com a polarização. Espero que os partidos se movimentem rápido para criar opções, amadurecer ideias e assim encontrarmos opções em 2026. Mas, não posso negar que ainda tenho esperança de ver Lula encerrando seu mandato antes do prazo. A maneira? qualquer uma vale.

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