Caio do Valle via Wikimedia CommonsO Jardins, em São Paulo. Ao fundo, prédios da região da Avenida Paulista

A briga de titãs no coração de São Paulo

Disputa no zoneamento dos Jardins, bairro de alto padrão de São Paulo, expõe pontos da Teoria da Escolha Pública
15.12.23

O embate entre moradores e comerciantes no bairro dos Jardins, em São Paulo, é um clássico exemplo de disputa em que, dados os envolvidos, o melhor é permanecer na torcida pela briga.

Estamos falando de um dos metros quadrados mais caros da América Latina, próximo ao parque do Ibirapuera, mais precisamente entre as avenidas Paulista e a Faria Lima, e com ares de privilégios de primeiro mundo. Apesar de estar no coração da maior metrópole da América do Sul, a expectativa é de se manter como um subúrbio americano.

O contexto é o seguinte: Jardins, bairro localizado na zona oeste de São Paulo, está no epicentro da alteração da Lei de Zoneamento da cidade. Atualmente, a área possui limitações acerca da capacidade de público e tipo de entretenimento que os comércios podem atender.

Como resultado, vemos de um lado os moradores — que querem garantir seu acesso restrito à tal parte da cidade, bem como sua tranquilidade —, e os comerciantes — que querem expandir suas atividades para um público com um dos maiores poderes de compra do Brasil.

O embate entre os residentes e as empreiteiras — em conjunto com comerciantes — que atuam na região, oferece uma vívida representação da Teoria da Escolha Pública. Este confronto revela a intensa competição entre grupos de interesse na influência sobre a formulação de políticas públicas, especialmente no âmbito do zoneamento urbano.

Enquanto os empresários almejam injetar dinamismo no comércio, buscando o adensamento urbano, os moradores lutam pela preservação de uma área central de São Paulo, excluindo-a dos impactos advindos desse aumento populacional.

O ruído da disputa reside na capacidade de ambos os lados de conduzir um lobby eficaz para moldar as políticas de zoneamento de acordo com seus interesses. Nesse contexto, o meio ambiente emerge como ponto crucial, destacando-se como um dos elementos mais sensíveis no atual cenário urbanístico.

Os moradores, supostamente alicerçados na agenda de preservação ambiental e na qualidade de vida da área, almejam políticas de zoneamento que garantam a proteção de espaços verdes, a limitação do crescimento imobiliário desordenado e a manutenção da identidade local.

Em contrapartida, as empreiteiras e os comerciantes, guiados por legítimos interesses econômicos, pressionam por políticas mais flexíveis que possibilitem expansões urbanas e empreendimentos de maior porte.

É preciso entender que a baixa densidade nas áreas em questão limita o acesso a postos de emprego e à mobilidade, e intensifica o espraiamento em São Paulo. Além disso, o aumento do comércio na área beneficia não apenas os novos empregados diretamente, mas toda a indústria de turismo numa área tão linda da cidade. O resultado do endurecimento regulatório é manter um número reduzido de moradores com acesso ao Parque Ibirapuera e ao dinamismo da vida no centro.

A Teoria da Escolha Pública argumenta que, neste embate, os agentes envolvidos buscam maximizar seus ganhos, seja por vantagens econômicas, proteção de propriedade ou garantia de um ambiente urbano mais adequado às suas preferências. O lobby intenso em torno da política de zoneamento se torna, assim, um instrumento crucial para influenciar a decisão final.

Um ponto fundamental ressaltado por essa teoria é que, em última instância, a decisão deve recair sobre os proprietários, representados pelos moradores do bairro. Isso sublinha a importância de considerar as preferências da comunidade local e assegurar que as políticas de zoneamento reflitam seus valores e necessidades.

Dessa maneira, o conflito nos Jardins não apenas ilustra a dinâmica da Teoria da Escolha Pública, mas também destaca a necessidade de um processo decisório que leve em conta os diversos interesses em jogo, equilibrando o desenvolvimento urbano com a preservação ambiental e a qualidade de vida dos moradores. Este embate não é apenas local, mas um reflexo mais amplo das complexas escolhas que as comunidades urbanas enfrentam em seu caminho rumo ao progresso sustentável.

 

Izabela Patriota é advogada e diretora de Relações Internacionais no LOLA Brasil

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  1. Essa discussão se faz necessário, considerando que a maioria das pessoas que residem nessas regiões desejam que permaneçam como condomínios fechados. Como é caso do Pacaembu, cada dia se parece com bairro fantasma.

  2. Essa discussão se faz necessário, considerando que a maioria das pessoas que residem nessas regiões desejam que permaneçam como condomínios fechados. Como é caso do Pacaembu, cada dia se parece com bairro fantasma.

  3. Burgueses lutando (justamente) por defender o seu quinhão. Comerciantes ávidos por conquistar (legitimamente) o quinhão dos outros. O poder público, à moda brasileira, tomará certamente a decisão mais adequada: a que lhe pareça mais vantajosa para si e para as futuras campanhas dos decisores.

  4. Curioso esse seu ponto de vista, Izabela Patriota, de que a baixa densidade dos Jardins "intensifica o espraiamento em São Paulo". Você já calculou qual é a participação percentual dos Jardins na área total da Região Metropolitana de São Paulo? É bom você fazer esse cálculo. E, ainda, se você for daquelas que não quer que se mexa nas terras dos índios, não sugira mexer nos Jardins. Que, aliás, é uma área infinitamente menor que a dos poucos índios brasileiros.

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