O deputado federal Carlos JordyCarlos Jordy: ao mesmo tempo Carlos Lacerda e Olímpio Mourão? - Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Jordy, Piu Piu, Quelsinha e a intentona tonta

O risco efetivo de uma ruptura institucional no 8 de janeiro é superestimado por razões políticas, mas isso não quer dizer que a democracia brasileira esteja saudável
26.01.24

Carlos Jordy é o golpista do mês. A operação Lesa Pátria, da Polícia Federal, encontrou uma mensagem de celular na qual o deputado do PL do Rio de Janeiro é saudado como o líder de um grupo radical em Campos dos Goytacazes. A cidade fluminense que já presenteou a política brasileira com um casal de diminutivos – Garotinho e Rosinha –, agora nos apresenta Charles Piu Piu e Quelsinha, militantes da extrema direita local, segundo a PF.

Se entendo direito o que leio na imprensa e na decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes que autorizou buscas na casa dos envolvidos, suspeita-se que Jordy comandaria tanto a articulação política do grupo quanto as ações dos bolsonaristas nos bloqueios de estrada e na quebradeira em Brasília. No 8 de Janeiro, ele teria sido ao mesmo tempo Carlos Lacerda e general Mourão (Olímpio, não Hamilton, bem entendido).

Forcei a comparação com o golpe de 1964 para fins humorísticos, não sei com que sucesso. Moraes, na sua decisão, foi bem mais longe na História, e com absoluta seriedade: evocou a Alemanha nazista como paralelo para o 8 de Janeiro. A passagem, bastante citada na imprensa, está destacada em negrito no texto do ministro:

“A Democracia brasileira não irá mais suportar a ignóbil política de apaziguamento, cujo fracasso foi amplamente demonstrado na tentativa de acordo do então primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain com Adolf Hitler.”

O ministro não se preocupou em esclarecer quem é quem no paralelo entre a intentona de Brasília e os antecedentes da Segunda Guerra. Sabemos bem quem seria Hitler e talvez possamos apontar quem se imagina como Churchill, mas é um tanto mais difícil identificar o equivalente a Chamberlain no roteiro do golpe malogrado. Ainda assim, no parágrafo seguinte a seu reductio ad Hitlerum, Moraes garante que também os apaziguadores serão alcançados pela Justiça:

“Absolutamente TODOS serão responsabilizados civil, política e criminalmente pelos atos atentatórios à Democracia, ao Estado de Direito e às Instituições, inclusive pela dolosa conivência – por ação ou omissão – motivada pela ideologia, dinheiro, fraqueza, covardia, ignorância, má-fé ou mau-caratismo.”

O TODOS todo em maiúsculas inclui não só participantes, promotores e financiadores da bagunça na Praça dos Três Poderes – tremei, Quelsinhas e Piu Pius do Brasil! –, mas também aqueles que foram de algum modo coniventes. Conivência e apaziguamento não são sinônimos, mas às vezes se encostam. Dá para dizer que Chamberlain foi conivente com o nazismo ao entregar os Sudetos a Hitler.

Parlamentares bolsonaristas andam dizendo que Carlos Jordy está sofrendo perseguição política do STF, o que é uma bobagem: creio que há indícios razoáveis para investigar suas ligações com os golpistas de Campos dos Goytacazes. Só gostaria de ver mais parcimônia, equilíbrio e sobriedade na condução desses processos. Nos dois curtos parágrafos transcritos acima, Moraes emprega uma retórica pesada – dos sinais gráficos de ênfase ao paralelo com o nazismo – que serve mais para invocar emoções negativas do que para sustentar argumentos jurídicos. É a linguagem de quem está imbuído de uma missão redentora: salvar a democracia e punir seus inimigos.

Paradoxalmente, o espírito missionário pode não ser o mais equipado para cumprir uma missão. Os resultados da ofensiva contra as organizações antidemocráticas são, afinal, medíocres. Malu Gaspar, no jornal O Globo, resumiu muito bem o quadro em um comentário sobre os discursos de Moraes e Lula no aniversário de um ano da intentona: “Desde o 8 de Janeiro, já foram denunciadas 1.413 pessoas, e 66 continuam presas. Mas os quatro inquéritos que Alexandre comanda no Supremo ainda não tiveram desfecho, e apenas um financiador, um empresário do Paraná que desembolsou R$ 60 mil, foi denunciado”.  Moraes e Lula sabem, diz a jornalista, que isso passa a impressão de que apenas os “bagrinhos” serão punidos. A investigação da célula golpista de Campos dos Goytacazes lançará a rede sobre um peixe grande? Duvido. O próprio Jordy, vamos combinar, não é nenhum tubarão…

A orgia de destruição promovida pela Horda Canarinha em Brasília já foi tema desta coluna duas semanas atrás. Um leitor deixou lá um comentário que pretendia me esclarecer sobre as intenções golpistas daquele evento, que eu jamais neguei. Talvez eu devesse ter sido mais claro: afirmei que o vandalismo por si só não faz um golpe, o que pode ser ambíguo. Mas eu não disse que não houve uma tentativa de golpe: meu ponto era que depredação de relógios antigos e defecação no carpete do STF não derrubam governos. A possibilidade dos ataques às sedes dos três poderes terem sucesso na sua intenção última era virtualmente nula. Foi a mais tonta das intentonas.

No meu entender, o perigo pelo qual nossa democracia passou foi superestimado. No entanto, acredito que a democracia brasileira está, sim, danificada, talvez de forma irremediável. As forças políticas que pretendem “restaurá-la” são responsáveis por boa parte desse dano. Venho insistindo que a tal restauração, se ainda é possível, exige bem mais do que a punição de golpistas.

Um paralelo nazista mais apropriado para o 8 de janeiro seria o golpe fracassado que teve lugar em Munique, em 1923, e que entrou para a história como o Putsch da Cervejaria. Por seu papel na liderança do levante, Hitler foi condenado a cinco anos de prisão, mas acabou libertado antes de cumprir um ano de sentença. Aproveitou o tempo na cadeia para escrever Mein Kampf.

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  1. Não acredito que nosso Hitler tupiniquim saiba escrever um livro … mas o ovo da serpente foi gerado naqueles dias de prisão . Nosso Hitler é tosco , mas sabe mexer os pauzinhos. Nossa SS é na verdade $$, e por aqui quase tudo está à venda .

  2. O que não faz um ano , ou um pouco mais que um ano de prisão … o ovo da serpente tupiniquim foi gerado lá . Acredito que nosso Hitler não tenha capacidade de escrever um livro , mas sabe mexer os pauzinhos para alcançar seus objetivos . Socorrooooo

  3. O lugar de Moraes é na PGR, vários inquéritos conduzidos por ele deveriam estar na primeira instância com procuradores e juízes nos devidos papéis.

  4. Irretocável, ponderado, cirúrgico! Penso da mesma forma; acho que Moraes, que foi fundamental na prevenção do golpe, pegando pesado com o psicopata, está se julgando um salvador da pátria; vejamos se tem "culhões" (desculpem o termo chulo) para atingir quem realmente merece, e que todo mundo sabe: Bolsonaro e os militares cúmplices...

  5. O cavaleiro dourado da democracia não se cansa de esfaqueá-la. Os jumentos defensores da democracia, ao não aceitar resultados das eleições, espezinharam-na. Os amantes da democracia, de microfone, só têm interesse no poder de ocasião que lhe seja mais lucrativo. Já o povo, de quem deveria emanar todo o poder nesta democracia, cala, trabalha, sustenta canalhas e segue rumo à pobreza, precariedade de habitação, serviço de saúde, educação e segurança, inexoravelmente. É um país de m3rda.

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