Rodrigo Gazzanel / Agência CorinthiansCorinthians e Novorizontino disputam a semifinal da Copinha 2024

Um retrato do atleta quando jovem

Os jogadores do Novorizontino receberam uma dura lição sobre o futebol brasileiro na Copinha deste ano
26.01.24

Quando você molha a cama, primeiro fica quente, depois fica frio, diz Joyce no início de Um Retrato do Artista Quando Jovem. É a imagem que me vem à cabeça enquanto assisto a uma partida da Copa São Paulo de Futebol Júnior. Os times caóticos, lá e cá, longe da disciplina tática profissional, o toque a mais na bola antes de praticamente qualquer decisão capital, a irresponsabilidade do drible desnecessário. É a hora de aprender, mas na frente de todo mundo, diante das câmeras, sem o direito de perder.

A zebra deste ano foi o estreante Aster Itaquá, de Itaquaquecetuba (SP). O time do clube criado há menos de um ano — por uma parceria entre a prefeitura da cidade paulista e um grupo de empresários do Espírito Santo — eliminou o atual bicampeão Palmeiras. O Aster ficou entre os oito finalistas de uma competição com 128 times e só foi eliminado pelo Flamengo nos pênaltis. Dois de seus jogadores perderam as cobranças finais. Fica a lição.

No livro de Joyce, Stephen Dedalus não sabe o que responder quando os colegas de colégio lhe perguntam se ele beija a mãe antes de dormir. Ele vira alvo de deboche quando responde que sim, na primeira vez em que é perguntado, e também quando responde que não, ao tentar escapar das gargalhadas. “Stephen tentou rir com eles. Sentiu todo o seu corpo quente e confuso instantaneamente. Qual era a resposta certa para a pergunta?”, descreve o clássico irlandês.

A resposta para esse tipo de dúvida se aprende no caminho, enquanto se cresce, na maior parte das vezes errando por conta própria. Com outras coisas é mais difícil lidar. Em uma certa terça-feira, como descreve Joyce, Dedalus é acusado por um professor do colégio de jesuítas, diante de todos os colegas, de ter cometido heresia em um ensaio. “Onde?”, questiona o garoto.

O professor aponta o trecho, Dedalus explica o que quis dizer e a acusação é retirada. “Mas a classe não se apaziguou tão cedo. Embora ninguém tenha comentado o caso com ele depois da aula, Dedalus sentia no ar uma vaga alegria geral e maligna em relação a ele”. Era o melhor aluno passando por um constrangimento público, ainda que injusto.

O jovem protagonista, alter ego de Joyce, sofre uma humilhação ainda maior quando um diretor lhe castiga com golpes de bastão na mão, também diante dos colegas de turma. Dedalus não estava copiando a lição do quadro, e o diretor, que passava pela classe em vistoria, quis saber por quê. “Ele quebrou os óculos e eu o dispensei do trabalho”, respondeu o professor.

O diretor disse que conhecia esse truque de quebrar os óculos, implicando que o garoto o havia feito de propósito, para escapar das lições, e aplicou a punição. “Foi injusto e cruel, porque o médico lhe dissera para não ler sem óculos e ele escreveu para o pai naquela manhã para lhe enviar um novo par. E o padre Arnall dissera que não precisava estudar até que chegassem os óculos novos”, refletiu Dedalus.

O Novorizontino se classificou para a semifinal da Copinha deste ano após bater o Athletico-PR por 3×1 — antes, tinha eliminado o sempre favorito São Paulo. O time do interior paulista chegou como mandante ao jogo contra o Corinthians, mas a partida foi disputada na Neo Química Arena, estádio do adversário. A decisão da Federação Paulista de Futebol indica interesse na renda do jogo.

Foi a primeira vez na história que a arrecadação de uma partida da Copa São Paulo ultrapassou a marca de 1 milhão de reais. A renda de 1.046.364 reais superou o recorde da final do torneio em 2019, quando o São Paulo venceu o Vasco nos pênaltis — a partida rendeu 874.745 reais.

O jogo entre Novorizontino e Corinthians foi assistido por um público de 34.417 pagantes — 34 mil corintianos, para deixar mais claro. O time de Novo Horizonte saiu atrás no placar, com um gol de letra de Arthur Sousa, e chegou a acertar o travessão adversário duas vezes antes do fim do primeiro tempo.

A equipe do interior não conseguiu resistir no segundo tempo. Mais organizado, o Corinthians marcou outras duas vezes com Arthur Sousa e fechou a disputa em 3×0, garantindo-se, assim, na final contra o Cruzeiro, também disputada na Neo Química Arena, apesar de o time mineiro ter melhor campanha que o adversário — desta vez, foi o regulamento que definiu o estádio, na ausência do Pacaembu, ainda em reforma.

Que os jogadores do Novorizontino aprendam com os erros da eliminação para construir suas carreiras. Mas a lição mais importante que eles tinham para aprender sobre o futebol brasileiro na Copinha deste ano já havia sido dada às vésperas da partida de eliminação, quando a federação escolheu o local do jogo.

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  1. Excelente. Futebol também é decidido fora de campo, lição que os jovens atletas devem, infelizmente, aprender muito cedo

  2. Sim, mas eu desconheço se o autor do artigo escreveu algo semelhante no ano passado quando a final foi no campo do Palmeiras, um dos finalistas.

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