O presidente Lula e o príncipe da Arábia Saudita Mohammad bin SalmanLula e o Príncipe da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman: cartel chantagista - Foto: Ricardo Stuckert / PR

Governo Lula entra para o cartel dos chantagistas do petróleo

Como explicar que um governo com a pretenção de ser “sustentável” tenha decidido se associar à OPEP, cujo único objetivo é controlar os preços do combustível
26.01.24

Uma das inovações mais surpreendentes da política externa de Lula em 2023 foi o anúncio, em plena COP-28 – quando o Brasil estava tentando convencer o mundo de que seu programa de transição energética era para valer – de que ele também estava se tornando um país associado à OPEP, a organização dos países produtores de petróleo, dominada pelos grandes exportadores árabes de óleo cru. Paralelamente, se anunciou também que a Petrobras estava dando início a novas perfurações tentativas na faixa equatorial do Atlântico Norte e na própria Amazônia. Como diriam alguns, uma no cravo, outra na ferradura; ou seja, a despeito de apregoar seu engajamento na redução do recurso a combustíveis fósseis, para combater o aquecimento global, o Brasil estava igualmente dando consistência a seu novo status de grande produtor e exportador de petróleo.

Mas, o que significa essa “associação” – diferente de ser membro pleno – a uma organização que pretende justamente dar continuidade a um cartel de países produtores cujo primeiro compromisso é com a manutenção dos preços mais altos possíveis, conscientes de que a miragem da substituição dos combustíveis fósseis por equivalentes “sustentáveis” não passa mesmo, no futuro previsível, de uma grande miragem? A OPEP foi fundada por tão somente quatro grandes países produtores do Oriente Médio mais a Venezuela, num momento, em 1960, em que “preço da energia” era um conceito raramente utilizado pelos economistas. O preço do barril se manteve estável por décadas desde o final da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos ainda eram responsáveis por mais da metade da produção e da exportação mundiais.

Na verdade, os preços não ficaram estáveis; eles caíram sistematicamente, quando ajustados à inflação: o preço mundial do petróleo foi menor em 1950 do que era nos anos 1940, menor em 1960 do que tinha sido nos anos 1950 e ainda menor em 1970 do que era na década de 1960. O preço do petróleo era tão barato que não havia nenhum motivo para usá-lo de modo mais eficiente, um dos motivos pelos quais a indústria americana de automóveis ainda produzia, nos anos 1970, enormes “banheiras” bebedoras de gasolina, tendo sido duramente desafiada pelos carros compactos japoneses. A produção, ainda dominada pelas chamadas “sete irmãs” – as grandes produtoras ocidentais de óleo cru – aumentou gradativamente do lado da OPEP, mas um fenômeno politicamente novo interveio nesse momento: a gradativa nacionalização das unidades produtoras pelos governos dos países detentores das jazidas: em 1971 Argélia e Líbia, em 1972 o Iraque, seguido pelo Kuwait, Qatar e Arábia Saudita.

Em 1973, a OPEP, já responsável pela metade da produção mundial, elevou o preço de referência em 16%, para justo TRÊS dólares o barril, valor elevado na sequência em 17% adicionais por seis produtores do Golfo. Tais elevações respondiam a uma realidade mais prosaica do que propriamente geopolítica: a dura erosão da renda petrolífera dos produtores após da decisão do governo Nixon de desvincular o dólar dos compromissos assumidos em Bretton Woods, em 1944, da qual resultou uma brutal desvalorização do dólar nos mercados cambiais. Foi só depois da vitória israelense sobre o Egito, no Sinai, em outubro de 1973, que a OPEP decidiu embargar a exportação de petróleo para os Estados Unidos e demais países que apoiavam Israel. Em janeiro de 1974, os países do Golfo elevaram o preço de referência para US 11,65 o barril, completando um aumento de mais de quatro vezes no preço da mais importante mercadoria energética em menos de um ano. Foi o primeiro choque do petróleo.

O Brasil, que nessa altura importava 80% do petróleo consumido internamente e era um produtor absolutamente marginal, foi impactado terrivelmente em sua fatura petrolífera, que aumentou proporcionalmente. Mas o mundo também o foi, ao ter de transferir crescente renda petrolífera aos países produtores: o crescimento mundial decresceu 90% entre 1970 e 1975. Um segundo choque sobreveio depois que a monarquia iraniana deu lugar a uma teocracia fundamentalista, em 1979: uma nova de alta nos preços, de aproximadamente US$ 13 em 1978 para mais de $ 34 em 1981, causou nova queda no crescimento mundial; ocorreu nova deterioração na balança comercial brasileira e, consequentemente, nas transações correntes. Ao mesmo tempo, a elevação dos juros americanos precipitou a crise da dívida externa, não só no Brasil, mas na região como um todo, dando início à década perdida dos anos 1980.

Os países avançados se ajustaram com maior eficiência no uso do petróleo e busca de fontes substitutivas parcialmente seguida no caso do Brasil, que respondeu com um programa do álcool altamente inflacionista. Mas teve início uma tendência declinante na economia, muito pouco revertida depois. A transição energética global diminuiu nos anos 1990, pois o preço do barril voltou à faixa dos 15 dólares, mas elevou-se o consumo de gás natural e de fontes eólicas e solares. No Brasil, a produção off shore em águas profundas conseguiu, finalmente, mudar o perfil até então basicamente importador do país. A eliminação do monopólio estatal sob Fernando Henrique Cardoso trouxe um bom estímulo produtor à Petrobras, regime que, no entanto, foi alterado quando a descoberta do pré-sal transformou o estatista Lula num novo sheik do petróleo, com mudanças significativas no perfil da companhia monopolista de fato, nem todas por razões estritamente energéticas.

Nos anos 2000, o Brasil se tornou progressivamente um grande produtor de óleo cru, embora ainda dependente da importação de petróleo leve e de derivados, dada a capacidade ainda insuficiente da refinação. Mas, pela primeira vez na história do petróleo no Brasil, a Petrobras, que era irrelevante até os anos 1970 como produtora, alinhou-se às grandes companhias monopolistas e às gigantes ainda existentes no setor privado. As tentativas de privatizar e de desmembrar a companhia nunca lograram efetivar-se, pois o mito patrioteiro do “petróleo é nosso” continua a pulsar no coração da quase totalidade dos brasileiros. Nos governos do PT ela tornou-se bem mais do que uma simples exploradora de óleo cru e produtora do combustível ainda indispensável (no caso do Brasil bem mais para a indústria do que para a oferta de energia, ou mais precisamente de eletricidade): ela foi utilizada para diferentes manobras empresariais e financeiras, algumas desembocando no Petrolão, que foi, possivelmente, o maior escândalo de corrupção de toda a história do Brasil, já que também produziu a Lava Jato, um fenômeno bem mais político do que propriamente judicial.

O que significa, em todo caso, a novidade pouco ambientalista de assistir ao governo mais “sustentável” dos últimos anos decidir associar-se a um cartel basicamente chantagista dos países dependentes da exportação de petróleo? De início, descarte-se completamente, por ser apenas ridícula, a justificativa de Lula de que a associação do Brasil à OPEP serviria para “engajar” e “convencer” os principais membros produtores a convergirem, igualmente, para a “transição energética” (fora dos fósseis, entenda-se). Ora, mesmo se todos os países membros – e seus diversos associados, entre os quais a Rússia de Putin, um dos maiores chantagistas do setor, junto com a Arábia Saudita – se tornassem surpreendentemente “ambientalistas renováveis”, não existe a mínima hipótese de que o mundo possa dispensar, proximamente, o uso múltiplo dos fósseis para uma linha infindável de produtos manufaturados e para fins propriamente energéticos.

A “opepização” do Brasil e a nova preeminência atribuída à Petrobras pelo atual governo petista vai, de alguma forma, “escurecer” – sem concessão ao politicamente correto do “racismo estrutural” – a imagem que o Brasil pretende exibir ao mundo de protagonista sincero nas várias causas ambientalistas anunciadas antes dessa recaída no mundo do “ouro negro” (mas já inscritas na agenda do G20, presidido pelo país em 2024). A “transição energética” vai ter de disputar terreno com as crescentes exportações de petróleo e com o novo papel indutor da Petrobras nos investimentos estatais e no crescimento do Brasil.

 

Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Ele faz isso porque é um ignorante. Onde pisa faz um discurso para agradar a plateia, mas não sabe concatenar suas. Spo espero que o Mundo consiga separar o joio do trigo, e veja que o Brasil não é só feito de imbecis como Lula, os esquerdalhas e os luloafetivos. E desejo muito que Lula deixe o cargo bem antes do que é previsto.

  2. Deve ser por essas e outras que, nunca antes na história desse país, o Brasil foi tão respeitado lá fora. Socorro, Odorico Paraguaçu.

Mais notícias
Assine agora
TOPO