A sede da Codevasf em BrasíliaCodevasf, um dos principais dutos de distribuição de verbas parlamentares: dinheiro compra apoio - Foto: Agência Câmara

Luta pelo orçamento antecipa as eleições municipais 

Como a maioria das cidades não é sustentável do ponto de vista fiscal, dependendo de transferências da União, os recursos federais decidem a sorte dos políticos regionais
26.01.24

Como se sabe, o orçamento é um instrumento importante de política local. As emendas são uma forma de deputados e senadores dizerem no município o que estão fazendo em Brasília. Como a maioria das cidades não é sustentável do ponto de vista fiscal, dependendo de transferências da União, os recursos federais decidem a sorte dos políticos regionais: quem leva mais dinheiro, tem mais apoio.

Esse é o pano de fundo da disputa atual entre Congresso e Planalto pelo orçamento.

Em 2020, o PT foi dizimado nas eleições municipais. Além de não vencer em nenhuma capital, viu seu número de cidades governadas cair para 179 (seu auge foi em 2012, quando venceu 630 prefeituras). O fraco desempenho tem reflexo nas eleições federais para deputados e senadores porque os gestores locais são cabos eleitorais importantes nas eleições nacionais.

Ou seja, esse ano é vida ou morte para o partido recuperar espaço e o controle do orçamento é a chave desse jogo.  

Antigamente, antes do domínio do Congresso sobre as emendas, o governo federal desempenhava um forte papel nas eleições municipais. Como liberava recursos apenas para seus aliados, influenciava de fato as chances dos candidatos. O que “levava” mais recurso se tornava favorito.

Com as emendas na mão, o resultado das eleições, no entanto, tende a espelhar o desenho atual do Congresso, com cada parlamentar com muito recurso para manter o status quo atual na sua base. O PT e Lula sabem que a chance da esquerda reviver de vez é agora, mas estão se vendo sem recursos. Não por acaso, o presidente tem aumentado o volume de críticas sobre o controle que o Congresso hoje tem do Orçamento, pois está se sentindo com as mãos atadas.

O governo tem tentado recuperar terreno. No ano passado, buscou exercer influência controlando o tempo de execução do Orçamento. O Congresso fechou essa porta criando um cronograma obrigatório que tira o poder de liberar primeiro as emendas dos aliados do Planalto. Lula vetou e agora o tema voltará a ser discutido.

Depois, o Planalto tentou ter o poder de retirar partes do Orçamento da meta fiscal, assim poderia blindar algumas de suas despesas de eventual contingenciamento. O Congresso também bloqueou essa medida. Também no ano passado, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, buscou atrair os prefeitos para o PAC, pedindo sugestões diretas às cidades e prometendo aos parlamentares que emendas direcionadas para o programa não seriam alvo de cortes em 2024. A adesão foi baixa. Além de os parlamentares não colocarem seus recursos no PAC, retiraram recursos do programa para aumentar as emendas.

Neste ano, o governo cortou R$ 5,6 bilhões de emendas de comissão. Contudo, esse recurso não “some”. Se o veto for mantido, o governo manda um projeto realocando o recurso em outros programas. Ou seja, ele guarda esse dinheiro para usar depois como desejar, inclusive com propósitos políticos ou para influenciar votações em outros momentos.

Deve-se lembrar que, no atual estado de coisas, é interessante para o Centrão manter o Executivo fraco. É assim que ele conduz as votações cruciais para o governo, desidratando o que achar necessário, emplacando sua própria agenda e obtendo acesso aos recursos controlados pelo Planalto. E, com o controle das emendas, continua sem oferecer espaço para a esquerda crescer nos municípios.

Há uma dinâmica de competição pelo Orçamento entre Executivo e Legislativo e entre o PT e o Centrão “nunca vista antes na história deste país”. O debate eleitoral está se estendendo pelo controle dos recursos e tem tendência de acirramento – talvez com a entrada do STF no debate – no curto prazo. A disputa pelas emendas é a antessala da briga nas urnas.
 

Leonardo Barreto é cientista político e diretor da VectorRelgov.com.br

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  1. Fico feliz de ver que o Leonardo segue escrevendo na Crusoé após estar ausente semana passada. É inacreditável como a classe política continua usando o orçamento como ferramenta eleitoral, ignorando completamente as necessidades do pagador de impostos, quem gera esse orçamento de fato. É uma apropriação de gatuno

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