Foto: Reprodução/AlerjDomingos Brazão: o “velho normal" da promiscuidade entre crime e política

Marielle Franco e a ditadura da polarização

Domingos Brazão, possível mandante da morte da vereadora do PSOL, encarna a ditadura da polarização neste desgoverno de Lula-Lira
26.01.24

O deputado federal bolsonarista Gustavo Gayer (PL-GO) relatou em vídeo na internet esta semana que o eventualmente futuro delatado pelo assassino da vereadora carioca Marielle Franco (Ronnie Lessa), Domingos Brazão, foi indicado por 61 de 66 deputados estaduais da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) para o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCERJ). Segundo Gayer, quem o conduziu ao cargo foi o então presidente da casa, Jorge Picciani, tido e havido como cacique do MDB fluminense por dois decênios, até a morte há cerca de três anos. Ele exibiu ainda flagrante de campanha de Dilma Rousseff, em que se reúnem a candidata, seu patrono, Lula, e o dito chefão.

Picciani patrocinou o acesso do filho Leonardo a ministério na meia presidência de Temer. De onde quer que esteja, deve ter comemorado a indicação do mesmo a posto estratégico na atual Esplanada dos Ministérios. Não é ministério, mas também não é honraria de pouca monta, pois se trata de cargo relevância na periferia do Rio de Janeiro, na área de infra-estrutura que cabe à metade petista da gestão compartilhada com o ex-bolsonarista Lira: a Secretaria Nacional de Saneamento.

Brazão, indicado por Papai Picciani, foi condenado pela Lava Jato em 2011, mas o então membro do Supremo Tribunal Federal (STF) e futuro ministro da Justiça da ditadura da polarização sob comando da dupla Lula-Lira, Ricardo Lewandowski, lhe devolveu o mandato parlamentar.

Neste momento, ao que tudo indica, segundo apontou Lauro Jardim, do Globo, a delação premiada pedida pelo acusado pelo assassinato tem foro privilegiado, dado o cargo de Brazão no TCE-RJ. A homologação da delação premiada aguarda decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A autorização caberá ao ministro do STJ Raul Araújo, nomeado por Lula em 2010. Sim, o mesmo que votou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o processo sobre inelegibilidade de Jair Bolsonaro. Ali, abriu dissidência contra o relatório de Benedito Gonçalves  que tornou o capitão inelegível, e só foi seguido pelo colega Kássio Nunes Marques, nomeado pelo dito cujo réu. Os outros nove deram o placar final a favor da inelegibilidade: 9 a 2. E não parece difícil adivinhar sua nova decisão.

Na proclamada democracia do amor, o privilégio continua criando obstáculos intransponíveis para punir figurões da politicalha nacional, que fogem da punição pelos delitos com anuência dos amigões dos tribunais superiores da injustiça de toga. O relato também comprova que a Operação Lava Jato nem sempre errou, como tentam impingir os atingidos.

A legenda que consagrou o Senhor Diretas, Ulysses Guimarães, neste caso, veste a túnica do compadrio descarado. “Desde maio de 2015, o ex-deputado estadual Domingos Brazão não é filiado ao MDB-RJ”, profere a nota publicada nesta terça-feira, 23. “Como todo o País, o MDB aguarda que o caso seja esclarecido e que os culpados sejam punidos”. Seria patético, se não fosse cínico. O aliado Partido dos Trabalhadores (PT), que esperava tirar proveito político da federalização (sob Lula) da investigação, perdeu o rumo de casa. O presidente petista no Estado do Rio, Washington Quaquá, publicou na terça-feira, no site Agenda do Poder a seguinte platitude: “Conheço o Domingos Brazão de longa data, inclusive de campanhas eleitorais nacionais onde ele esteve do nosso lado. Sinceramente, não creio que ele tenha cometido tal brutalidade”. Sincericídio à parte, o militante perdeu uma ótima chance de se calar. Pois confessou que o apoio ao partido não era, como podia ter sido argumentado, mas faltou cinismo para tanto: mais fake news da direita.

O analista José Roberto de Toledo descreveu no UOL “semelhanças entre as famílias Bolsonaro e Brazão na geografia política do Estado do Rio”. Ele não mentiu, mas em nada ajudou a jogar, como se fazia antes, a culpa toda no bolsonarismo sangrento: “Bolsonaros e Brazões se ligam pela política, jeitinho e geografia”, escreveu, referindo-se a milicianos e traficantes que operam na Zona Oeste da ex-Cidade Maravilhosa. “Coincidentemente é uma área dominada pelas milícias, e eles têm a característica em comum de serem famílias que se elegem para vários cargos ao mesmo tempo. Bolsonaro teve um presidente, um senador, um deputado federal e um vereador, enquanto a família Brazão tem um deputado estadual, um deputado federal e um juiz no Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro”, escreveu. OK, diria Jair. E daí, doutor?

Por enquanto. a Polícia Federal investiga se uma disputa por terra nessa Zona Oeste teria motivado o crime, em março de 2018. A eventual delação o ex-sargento da PM Ronnie Lessa garante que a vítima virou alvo por defender a ocupação de terrenos por pessoas de baixa renda e que o processo deveria ser acompanhado por órgãos como o Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio e o Núcleo de Terra e Habitação, da Defensoria Pública do Rio. E o mandante delatado por Lessa, segundo esse, exigia a regularização de um condomínio em Jacarepaguá sem respeitar o critério de área de interesse social.

Talvez não seja apressado concluir que tudo terminará em obras, e não em pizza. Mas não restará dúvida de que a óbvia culpa dos opostos que se associam por ambições similares depende da blindagem dos chefões da política pelos magistrados da elite judicial. Ou seja: mais para ditadura da polarização do que para democracia. Do amor, então, nem passa perto.

 

José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor

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  1. Corretíssimo artigo.A ciência politica jamais explicará porque o povo brasileiro é polarizado entre essas duas pragas: lulismo e e bolsanarismo.

    1. E o pior é que não temos como sair dessa polarização.

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