A atriz Claudia Raia caracterizada como Tarsila do AmaralClaudia Raia caracterizada como Tarsila do Amaral: arrogância - Foto: Divulgação/Redes Sociais

Conflito inevitável

A arrogância de artistas como Claudia Raia torna quase impossível defender os mecanismos de fomento à cultura frente ao cidadão comum
26.01.24

Semana passada, a atriz Claudia Raia disse que os críticos da Lei Rouanet são analfabetos. Ela respondia críticas feitas à captação de 5 milhões de reais para a peça Tarcila, a Brasileira, um musical estreado no Teatro Santander em São Paulo.

Chama a atenção não só a fala bastante dura (logo atenuada pelo marido de Claudia Raia, que acrescentou “são analfabetos funcionais”) mas também a postura arrogante da atriz. Nos últimos anos tenho defendido em rede social, em entrevistas e artigos a Lei Rouanet. Enquanto via o vídeo daquela entrevista, porém, eu fiquei contra a Lei Rouanet. A arrogância produz um efeito imediato de rejeição. 

Primeiro: não é fácil fazer o cidadão comum entender que o dinheiro de isenção fiscal (dinheiro que viria a ser público) deve ser destinado a um musical ou qualquer outra obra de arte. Simplesmente porque a arte não serve para nenhum fim imediato, prático. A beleza da arte é exatamente essa: não servir para nada especificamente. Mas essa é também sua fragilidade. Frente a essa circunstância, que é realmente complexa, os artistas e produtores deveriam ter uma postura aberta, de acolher as críticas e respondê-las na medida do possível, de preferência sem desqualificar aqueles que criticam.

Definitivamente não é isso que acontece no meio artístico. Existe ainda um agravante: no meio artístico no Brasil há uma hegemonia da esquerda. E os artistas não são nem um pouco discretos em suas posições políticas – usam inclusive o discurso de suas obras para afirmarem suas posições. Isso produz uma rejeição muito grande no público em geral, até mesmo na parcela da população que apoia a esquerda – ninguém sai de casa para ver uma propaganda na tela do cinema.

E mais: existe uma espiral de silêncio na classe artística. Acontece nesse meio um pouco como na sociedade em geral: a esquerda parece maior do que é por ser muito barulhenta e histérica. Os artistas que não são da esquerda tendem a ser discretos para não serem perseguidos – e quem não é do meio não sabe nem que eles existem. Mas o efeito desse aparente consenso em favor da esquerda é uma deslegitimação dos mecanismos de fomento à artes. Para piorar, boa parte da produção artística da esquerda tem por objetivo chocar a chamada sociedade tradicional, os valores conservadores, a religião, e por aí vai. Mais um ponto de atrito inevitável.

Por outro lado, existe agora toda uma indústria da reação a esse tipo de coisa. Se a esquerda ataca constantemente os valores conservadores, uma parcela da sociedade quer preservar esses valores, como o casamento, a família etc. Aí surgem influenciadores que prometem preservar esses valores, eles dão cursos e fazem produtos digitais e constantemente incorrem em moralismo e normatividade. O problema é que a arte não pode ser tratada com moralismo: quando vemos um crime retratado no filme, não significa que o autor do filme concorda com o crime.

Mas a reação à extrema politização das obras de arte acabou virando uma espécie de novo moralismo que ignora as nuances da produção artística – por exemplo, que mostrar um crime não é necessariamente endossá-lo. Por um lado, os artistas querem chocar a chamada sociedade tradicional, por outro há quem se coloque como defensor desses valores e quer vender produtos online ou quer o proveito político disso – seja em votos, em apoio popular ou apenas em curtidas em rede social. Virou um duelo de lacração.

No meio disso tudo, não é fácil defender as leis de incentivo e o fomento às artes. Os artistas não ajudam nem um pouco desqualificando os críticos como “analfabetos”. Ninguém é obrigado a defender os mecanismo de incentivo à cultura e sua função pública não é clara para a maioria das pessoas. Na verdade, é difícil justificar boa parte do aparato do Estado: tente convencer o cidadão comum da importância do auxílio terno e do auxílio moradia para deputados, por exemplo. Mas a cultura fica numa situação de maior fragilidade por causa da politização e da lacração.

Josias Teófilo é cineasta, jornalista e escritor

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  1. Não sei quanto aos demais brasileiros, mas estou farta desse modelo esquerdista de ser artista. Cada vez mais estou me afastando. Não suporto mais ouvir Chico Buarque, Caetano, Gil etc. É como o Teófilo diz, coitado do artista que ousa não aceitar o modelo esquerdalha de ser.

  2. Acho que seria ótimo que a lei Rouanet apoiasse novos artistas, talentos iniciantes, pessoas que estão tentando uma chance mas dar milhões a artistas consagrados é vergonhoso! Poderiam andar com as próprias pernas e criar vergonha

    1. Nada tenho contra o dinheiro publico ser aplicado a arte (sim porque isenção de impostos é dinheiro publico). Mas creio que a contrapartida seria a gratuidade do espetáculo. Pegar dinheiro publico e ainda cobrar ingresso a quem bancou a montagem me parece “bitributar” o distinto publico. Acaba a massa ignobil, bancando a elite assistir Tarsila do Amaral. Arrogancia da Cláudia.

    2. Concordo, ainda mais para artistas, ditos de esquerda, que se apresentam somente para ricos que podem pagar os ingressos como essa do teatro Santander em São Paulo.

  3. Vi esta entrevista da Cláudia Raia……que foi de arrogância pura. Lamentável. Era só responder com clareza e educação, o que estavam perguntando. A Lei Rouanet tem sim, muitos pontos obscuros, e é sempre utilizada de acordo com o governo de plantão.

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