A ex-presidente Dilma RousseffDilma: a culpa não foi só dela - Foto: Ricardo Stuckert / PR

Eu não vou pagar o jabuti

O governo petista e os empresários da Fiesp vão dobrar a aposta no que deu errado durante o governo de Dilma Rousseff
26.01.24

Dilma Rousseff legou ao país a maior crise econômica de sua história. Uma queda no PIB de 7%, maior do que uma pandemia. A pobreza voltou, com 10 milhões de desempregados. É provável que mais da metade do país concorde com tais afirmações. De fato, à exceção dos diretórios estudantis de universidades públicas, é improvável que se encontre alguém que discorde.

Por anos, porém, venho tentando fazer justiça a Dilma. Não que eu concorde com as teses bobas de um golpe (que, como bem disse Michel Temer, se houve, foi um golpe de sorte). Defendo, porém, que culpar Dilma, uma pessoa com dificuldades em articular uma defesa sobre si mesma, carrega um viés machista e condescendente. Não com Dilma, mas com quem esteve ao seu lado na construção da crise.

Dilma Rousseff assumiu a presidência em 2011. O Brasil vinha de um crescimento do PIB de 7%. A popularidade de seu antecessor batia 80%, por causa desse e outros feitos. Mas se engana quem acredita que tudo ia às mil maravilhas e que o Brasil estava decolando como sugeriu a The Economist, a revista que um dia já foi o bastião do liberalismo no mundo.

Para fazer justiça, é preciso lembrar que Dilma assumiu uma bomba já armada, que viria a estourar por sua inaptidão para a política cotidiana.

Foi em 2005 que o Brasil iniciou a construção da sua grande depressão de 2014-16.

Naquele ano, pressionado pela reeleição, Lula acossou Meirelles, o presidente do Banco Central, para reduzir juros e alavancar a economia. Meirelles não topou, mas Lula começava a mudar sua visão. Nada de ajuste do então ministro da economia Antônio Palocci (que infelizmente descobriu tarde que pagar pouco a seus funcionários pode ser um problema).

Lula passou a dar ouvidos a Guido Mantega e sua ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que em novembro daquele ano havia declarado que “quando alguém nasce, há gasto com hospitais, quando ela cresce, com escolas. Porque gasto é vida”.

Em 2006, Lula iniciou o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento. Até aquele momento, o governo se metia na economia via gastos diretos. Após a crise de 2008, algo mudou. Com os EUA em dificuldades, o país optou por uma política anticíclica. Uma política assim diz, em suma, que “quando o setor privado não gasta, o governo tem de gastar”.

Essa política foi turbinada por bancos públicos, como o BNDES. Decidiu-se que o Tesouro iria tomar crédito no mercado, pagando 14% ao ano (Selic), e emprestar ao BNDES por 5,5% ao ano.

Com esses recursos, que somavam 14% do PIB, o BNDES pôde emprestar 1,8 trilhão de reais. O custo para o país? Nada menos que 340 bilhões de reais. Pagos pelos impostos nossos de cada dia.

Mas crédito barato e juros menores que a inflação ainda era pouco. E é só daí para frente que Dilma tomaria participação, aumentando o poder da bomba.

A indústria via outros problemas. O custo de contratação de um funcionário era muito alto. Por isso o governo decidiu desonerar a folha de pagamentos. Abriu mão de arrecadar 540 bilhões de reais em troca de as empresas contratarem.

Mas dinheiro e funcionário barato ainda era pouco. A energia é cara! E para isso o governo editou a MP 579, a MP da conta de luz. Antecipou as renovações de concessões feitas nos anos 90 e obrigou as concessionárias a receberem apenas o suficiente para remunerar sua operação, já que o CAPEX (investimento) já estava feito. A conta de luz caiu 20%!

Mas, por má-sorte, que coincidentemente sempre encontra quem não se planeja, veio uma crise hídrica, obrigando as usinas a entregar a preço de custo uma energia que elas não conseguiam produzir. Resultado? Custos de 120 bilhões de reais repassados ao consumidor em 2015, via aumento de 50% na conta de luz.

Dinheiro, empregados e energia baratos, porém, não resolvem tudo. Os gringos produzem produtos melhores. E para isso tivemos uma solução também. Criamos as cotas de conteúdo nacional. Obriga-se empresas como Petrobras a comprar o que é produzido aqui. Funcionou. Compramos plataformas nacionais, que saíram mais caro e chegaram dois anos atrasadas, mas funcionou. Muita empreiteira ganhou dinheiro e gerou emprego! A qualidade do emprego, claro, não importa.

Claro que você pode pensar que se a Petrobras paga mais caro para produzir, ela irá vender gasolina mais cara. Mas você não pensou que o governo pode simplesmente proibir a empresa de aumentar o preço. Um custo extra aí de 120 bilhões de reais.

Nessa altura do campeonato você talvez esteja indignado com Dilma Rousseff, mas por mais que você custe a admitir, tais ideias não saíram todas da mente brilhante da “presidenta”.

Boa parte delas veio do setor privado e suas demandas birrentas.

Foram idealizadas pelo 13! Não o 13 do PT, mas o número 1313 da Avenida Paulista, sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a FIESP.

A entidade que apoiou Dilma, que promoveu capas de revista como a notória “Choque de privatização”, de Veja. Ou “A mão forte da economia”, com a Exame elogiando Dilma Rousseff.

É tentador fingir que vivemos em um romance de Ayn Rand, com políticos estúpidos e empresários geniais que querem apenas ser livres para produzir, mas a realidade é muito mais complexa do que a escrita de Ms. Rand.

Nossa classe empresarial é, como em boa parte do mundo, tão ruim quanto os políticos que compra (ou aluga).

Há muito de empreendedorismo na criação da indústria paulista, com nomes como Francesco Matarazzo, ou na indústria carioca com os Guinle, mas esses John Galts estão no passado, onde podemos fingir que eram idealistas e desbravadores. Neste momento, nossa classe industrial é uma elite mimada, que se sente confortável em viver de remendos.

Para piorar, essa mesma classe industrial que apoiou medida por medida dos governos Lula e Dilma, teve a cara de pau de colocar nas ruas uma campanha intitulada de “Eu não vou pagar o pato” (o que inspirou o ex-ministro Guedes na sua fala de que a indústria trata o Brasil como um país de 200 milhões de patos).

Agora ela se junta ao governo para tentar de novo.

Já sabemos como essa história termina. Mas adianto aqui: 2027 será o ano do Jabuti. Eu não vou pagar o Jabuti!

Felipe Hermes é jornalista

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  1. Excelente. A elite empresarial brasileira (e cultural também) são motores do atraso do país, pois são incrivelmente ignorantes, egoístas e protecionistas.

  2. Nós merecemos tudo pelo estamos passando e vamos passar, pois essa PATOTA tá com fome....ficaram 4 anos longe do caixa do Tesouro. Apesar de achar o outro um PERFEITO IDIOTA melhor ELE que o DESCONDENADO, pois a sua trupê não apresentam nada novo, somente mais do mesmo. E se der errado....há se der errado, fodam-se TODOS, e mais, ainda vamos pagar a conta.

  3. Infelizmente o Brasil é um país de 200 milhões de patos, com o agravante que pensam ser muito espertos. O texto é brilhante na exposição das burrices de Dilma, bem humorado.

  4. Jabuti não sobe em árvore; se houver um, é porque alguém o colocou lá. Assim como Dilma, o jabuti que Lula colocou na presidência.

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