Vitor Silva/BotafogoJogadores do time carioca: eles aprenderam que o segredo é arrematar a gol o mais rápido possível

Como explicar o Botafogo?

Tornou-se impossível analisar o futebol sem estatísticas, mas o jogo insiste em permanecer imprevisível
29.06.23

O Botafogo lidera o Campeonato Brasileiro há 10 rodadas. Não tinha uma campanha tão boa desde 2007, quando encabeçou o mesmo campeonato por nove semanas seguidas — naquela ocasião, terminou a temporada em nono lugar. Após amargar três rebaixamentos (2002, 2014 e 2020) e passar quase 30 anos sem um título de expressão, o alvinegro foi ao Allianz Parque no último fim de semana e bateu o poderoso Palmeiras, consolidando uma liderança folgada na tabela. Obviamente a transformação do clube em empresa desempenha algum papel nessa história, mas ninguém em sã consciência teria previsto um resultado tão rápido. É possível, contudo, que algum número ou estatística explique o que está acontecendo. É a tese de Expected Goals (Mudlark), publicado em setembro passado por Rory Smith.

O jornalista conta “a história de como os dados conquistaram o futebol e mudaram o jogo para sempre”. De fato, não deve existir mais nenhum clube profissional que se dê ao luxo de desprezar estatísticas na hora de preparar partidas, projetar temporadas ou contratar jogadores. É um consequência do avanço tecnológico, que permite registrar e medir cada movimento em campo — o DVD foi uma revolução à parte, por facilitar a circulação da informação —, e também da cultura dos video fantasy games, destaca Smith. Fifa, Pro Evolution Soccer e Football Manager contribuíram para disseminar o interesse por dados, mas o que parece mesmo ter popularizado a obsessão por planilhas no mundo do esporte é o livro Moneyball (W. W. Norton & Company), de Michael Lewis, publicado em 2004.

A história de Billy Beane, que levou o Oakland Athletics muito mais longe do que seu curto orçamento permitia na temporada 2002 da Major League Baseball (MLB), no EUA, graças a formas pouco ortodoxas de encarar estatísticas desprezadas, cativou mesmo pessoas que não se interessavam por esporte. O filme protagonizado por Brad Pitt, lançado em 2011, ajudou a popularizar a história. A cultura dos dados se estabeleceu apenas recentemente no futebol — Smith lembra que a categoria “assistência”, o vulgo passe para o gol, tão relevante hoje, só passou a ser levada a sério após a Copa de 1994 —, mas há registros de gente tentando entender o jogo por números desde a década de 1950.

Um contador britânico chamado Charles Reep tabulou passes, cruzamentos e chutes a gol de mais de 2 mil partidas no meio do século passado. A principal conclusão de Reed foi que as chances de um time manter a bola caíam a cada passe tentado. Portanto, o mais eficiente seria arrematar a gol o mais rápido possível. É como joga o Botafogo atualmente. Contra o Palmeiras, o time do Rio de Janeiro teve apenas 36% da posse de bola e deu quase metade dos passes trocados pelos adversários. Não parece ser por acaso. O líder do campeonato é o time com menor posse de bola na comparação com os 19 concorrentes.

Reep acabou entrando para a história como o responsável pela mania inglesa de lançar a bola insistentemente para o campo do adversário, um futebol pragmático e desagradável do qual a Inglaterra começou a se livrar apenas neste século, com a colonização de seus gramados por estrangeiros. Hoje a referência na Premier League é a posse de bola pornográfica do Manchester City de Pep Guardiola — mas, até outro dia, quem fazia sucesso era o Liverpool de Jürgen Klopp, que, mantidas as devidas proporções, jogava parecido com o Botafogo comandado até esta semana por Luís Castro —o português se rendeu ao dinheiro saudita e está indo embora.

O time campeão europeu de Klopp foi montado ao melhor estilo Billy Beane. O diretor esportivo Michael Edwards, que deixou o clube em maio passado após seis temporadas, foi responsável por conseguir pechinchas ao comprar os passes de jogadores como Alisson, Van Dijk, Robertson, Fabinho, Mané e Salah. A revista The Economist descreveu assim a saída de Edwards do Liverpool: “A figura mais cobiçada na janela de transferências do futebol europeu deste verão não era um jogador superstar, nem um treinador festejado. Era um analista de dados”. Mas Edwards também foi responsável por uma série de aquisições que não vingaram. Ao contratar Alisson, o diretor resolveu um problema que ele mesmo tinha criado — responsável pela perda do título europeu de 2018, o goleiro alemão Loris Karius também foi contratado com sua assinatura.

Expected Goals deixa claro que não há mais por que se guiar às cegas pelos gramados do mundo, até porque existem legiões de analistas e um pujante mercado de casas de análise. Mas o livro não consegue afastar a impressão de que o futebol segue como o esporte mais difícil de medir e, consequentemente, mais imprevisível. São muitas variáveis e uma lógica difícil de decifrar.

Na última partida contra o Botafogo, Raphael Veiga perdeu apenas seu quinto pênalti pelo Palmeiras, de 33 cobranças — um aproveitamento espantoso de 85%. Além disso, o alviverde criou três vezes mais chances de gol (3×1) e cruzou 40 bolas a mais na área adversária (48×8). Não tem em seu elenco, contudo, o artilheiro do campeonato, o iluminado e até outro dia discreto Tiquinho Soares, que aproveitou a única chance que apareceu.

Para além da disciplina tática, o Botafogo também conta com um inspirado Lucas Perri no gol. Desprezado pelo São Paulo por não jogar tão bem com os pés, o goleiro garantiu bons pontos para o líder do campeonato. Agora que o treinador está indo embora, resta aos botafoguenses torcer para que o papel do português Luís Castro no sucesso do time seja ínfimo diante de todas as outras variáveis, sejam elas quais forem.

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  1. Botafogo tem um bom time e o Luís fez um bom trabalho. Mas não tem elenco pra liderar o campeonato nem disputar o título.

  2. O Botafogo fez um time equilibrado sem estrelas com um treinador que sabe bem utilizar as características dos atletas e para quem gosta de futebol dá gosto ver o time jogar simples e objetivamente ... que façam isto ao meu Vasco.

  3. Não é nada disso: no Botafogo "tudo pode acontecer" até ser rebaixado este ano... Sou flamengista mas, também, do futebol carioca que tinha a Geral do Maracanã (com os seus poetas geraldinos, autênticos torcedores e não os profissionais de hoje). Maracanã destruído pela copa do luloptismo r dos 7 a 1.

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