Yevgeny PrigozhinPrigozhin: um fascínora morto por um ditador - Foto: Lev Borodin/TASS

Rebeldes de aluguel não fazem revolução

O motim do grupo Wagner arranhou a imagem de Putin e terá impactos na guerra da Ucrânia, mas o regime russo está preservado
29.06.23

Vladimir Putin encara seu pior momento na guerra da Ucrânia, após o motim da companhia militar privada Wagner no sábado, 24 de junho. Em 24 horas de rebelião, 25 mil mercenários tomaram a maior cidade e principal base militar do sul da Rússia, Rostov-no-Don, e pararam a 200 km de Moscou. Putin tem tentado controlar os ânimos desde então. Ele anistiou os mercenários e permitiu que o líder do grupo e seu ex-amigo, Yevgeny Prigozhin, se exilasse em Belarus. Em contrapartida, um general do alto comando do Exército foi detido e interrogado por suspeita de envolvimento no motim. O episódio já alterou a gestão de mercenários e deve impactar na guerra. Prigozhin se recusou a assinar contrato de prestação de serviço ao Ministério da Defesa e, por conseguinte, autoridades russas anunciaram nesta quinta, 29 de junho, que o Grupo Wagner não lutará mais na Ucrânia. O regime russo, entretanto, está preservado.

O Grupo Wagner é uma das principais forças do lado da Rússia na Ucrânia por sua eficiência militar e seu impacto na opinião pública. Sozinhos, o bando, que é a maior companhia militar privada no conflito, retomou uma cidade no leste ucraniano, Bakhmut, em maio. O cientista político Thiago Babo, da USP, explica que “o Grupo Wagner é usado como bucha de canhão, porque a sociedade civil não se importa com a morte de soldados privados”. Mercenários do Wagner e ex-detentos liberados para lutar na guerra responderam por mais de 50% das quase 3.800 mortes do lado russo no último trimestre, segundo levantamento da BBC. No início do ano passado, quase todas as 3.400 mortes russas envolviam militares. “Demandar do Exército ações que levem a muitas mortes de soldados pode ter um impacto social muito forte”, diz Babo. Para além da possível recomposição no front, o motim deve afetar a opinião pública graças ao videomanifesto de Prigozhin. Ele revelou que a guerra foi desencadeada por mentiras sobre a falsa expectativa de agressão ucraniana. Milhões de russos assistiram ao vídeo no Telegram. Para os soldados que seguem nas trincheiras ucranianas, é de se esperar também que o moral não estará muito elevado, depois das acusações de Prigozhin circularem pelos telefones celulares.

Mas tudo isso não abalará por ora o governo russo. Vale lembrar que, apesar dos vários motivos alegados para deflagrar a guerra em fevereiro do ano passado (expansão da Otan, presença de neonazistas em Kiev, genocídio de russos étnicos na Ucrânia e por aí vai), um dos principais fatores que levaram Putin a iniciar o conflito bélico foi sua autopreservação. O autocrata queria evitar que uma Ucrânia livre e desenvolvida servisse de modelo aos russos, que poderiam voltar a protestar nas ruas, como já fizeram em 2011.

Esse risco não existe hoje porque as chances de novos protestos na Rússia atualmente são baixa e não foram afetadas pelo motim de Prigozhin. O levante foi muito mais uma questão de negócios do que política. Prigozhin se rebelou contra a exigência de que seus mercenários se cadastrassem no Ministério da Defesa, para serem incorporados às Forças Armadas do país. A medida será implementada a partir deste sábado (1º). “Toda essa movimentação pareceu ser mais um jogo de interesses do que uma atividade política concreta e institucional”, afirma Babo.

Nenhuma mobilização ideológica ameaça o regime de Putin, porque ele preserva seus pilares de poder. Quaisquer lideranças políticas que o contestam terminam exiladas, presas ou assassinadas. Prigozhin já está em Belarus e deve se afastar dos holofotes. Também não se pode eliminar o risco de ele ser envenenado ou empurrado por uma janela.

Além disso, Putin ainda é visto por muitos russos como o líder que pôs fim ao caos social pós-soviético. A propaganda estatal mantém essa persona no imaginário popular, apesar das sequelas socioeconômicas da guerra. “Os poucos relatos fidedignos da Rússia mostram que Putin mantém uma popularidade muito alta”, afirma Babo. Por fim, há o apoio das elites, produto de corrupção e chantagem. Esse é o pilar mais consequente na guerra. Putin privilegiou seus aliados na concentração das riquezas dos recursos naturais do país e dos cargos públicos do Estado. Isso minou a competência das Forças Armadas e da Inteligência e, logo, obrigou e viabilizou o fortalecimento do Grupo Wagner.

Mas, ainda que o motim não tenha derrubado Putin, é certo que arranhou sua imagem. Os militares foram fracos demais para proteger Rostov-no-Don e a situação se descontrolou o suficiente para que se convocasse um toque de recolher em Moscou. O avião presidencial chegou a ser flagrado em retirada. “Qualquer regime se compromete numa rebelião armada, porque a coesão do Estado se sustenta sobre o monopólio do uso legítimo da violência”, diz Laerte Apolinário Jr., cientista político da PUC-SP. A vulnerabilidade contradiz a imagem de ordem cultivada por Putin em suas duas décadas no poder. Sua ascensão à presidência e primeira reeleição, na virada do milênio, se deram graças à contenção da guerra da Chechênia em uma crise mais grave que a da semana passada.

Os acontecimentos desta semana reforçam um argumento da cientista política Nina Kruschev, bisneta de Nikita Kruschev. Segundo ela, o Ocidente tende a superestimar a capacidade da Rússia de influir em seus vizinhos enquanto subestima o seu poderio e resiliência em geral, o que ainda serve de munição para Putin em sua propaganda anti-ocidental. O motim não é um indício de uma revolução, mas desmentiu a tese de que, na guerra, o tempo está a favor da Rússia, que estaria apenas esperando o Ocidente se desinteressar pela Ucrânia.

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  1. Eu desconfio muito de todo e qualquer careca. Mas de fato essa ação de um grupo paramilitar chamado “Wagner” parece mesmo um teatrinho para inglês, americano e ucraniano verem. Se os wagnerianos quisessem mesmo tomar a Rússia do Baixinho seria prudente substituir esse comandante com nome de trocadilho ruim por um outro careca muito mais perverso e perigoso, um que vive no hemisfério sul do planeta. 💀👀

  2. Sem o grupo Wagner a situação da Rússia fica ainda mais complicada. Todavia, a dependência de exércitos mercenários é condenada formalmente, pelo menos, desde que Maquiavel escreveu "O Príncipe".

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