Reprodução - Redes SociaisA favela de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio: lugares onde o Estado não chega

É preciso, ainda hoje, colonizar o Brasil

O Estado brasileiro nunca esteve verdadeiramente presente nas favelas. Elas são como o sertão na época no cangaço: um lugar que precisa ser alcançado
29.06.23

Por vinte anos Lampião, o rei do cangaço, viveu no interior do Nordeste brasileiro com sua horda de bandidos devastando, pilhando, roubando e matando. Ele não era um caso isolado, muitos outros antes viveram no cangaço, o que remonta a tempos imemoriais no sertão do Brasil – durante o período da colonização holandesa no Nordeste menciona-se a existência de grupos de bandidos com desertores estrangeiros, escravos fugidos e brasileiros.

Lampião na verdade foi o mais famoso dos cangaceiros, ele criou em torno de si toda uma mística, uma aura de invencibilidade, e criou uma estética totalmente original e impecável, com cores vibrantes.

O fato é que na época o interior do Brasil não havia sido propriamente colonizado e civilizado. Esse foi um dos motivos da construção de Brasília: ocupar o interior do Brasil, cujo desenvolvimento se dera principalmente no litoral. É o famoso caranguejismo – uma referência ao caranguejo, que vive ciscando a praia. No livro A Cidade no Brasil, Antonio Risério faz uma crítica a essa visão: na verdade, ocupar o litoral de um país do tamanho do nosso – maior do que o Império Romano no auge – não foi pouca coisa. Adentrar e colonizar o interior também não, muito menos a área do estado de São Paulo, protegida por uma enorme muralha de pedra – muita gente morreu para chegar ali.

O Censo 2022 divulgado ontem mostra que a população brasileira começou a diminuir em algumas grandes capitais como Rio de Janeiro e Salvador. Talvez seja o começo da inversão de uma constante na história brasileira: a concentração urbana.

Quem viaja pelo interior do Brasil nota a quantidade de espaços vazios e desocupados que existem, e ao mesmo tempo o inchaço das grandes cidades. E a população do interior – diferentemente de países desenvolvidos – não tem acesso a bens de consumo e bens culturais como nas capitais. Se existe um projeto válido de país é o de levar ao interior o acesso a tais bens, e facilitar a integração da capital com o interior.

Quando falo colonizar não digo modernizar, no sentido que as cidades brasileiras se modernizaram. Escrevi sobre como as favelas foram uma irrupção do espaço das cidades tradicionais (ou medievais) em meio à modernização das cidades do nosso país.

Escrevi isso antes de ler no livro de Risério visão semelhante. Ele diz que na “era das demolições” (título do livro de Oswaldo Porto Rocha), que teve por objetivo modernizar os centros das grandes cidades brasileiras, a destruição de grande quantidade de casas e cortiços onde moravam pessoas pobres gerou uma imensa quantidade de desabrigados – o que produziu um apartheid social. “Bem vistas as coisas, a favela aparece não como a negação, mas como a outra face do projeto modernizador excludente”, diz ele.

O Estado brasileiro nunca esteve verdadeiramente presente nas favelas. Elas são como o sertão na época no cangaço. Um lugar que precisa ser colonizado e civilizado. Precisa de saneamento, pavimentação, arborização, policiamento. Não é à toa que o pensamento da moda na esquerda brasileira é a história decolonial – um anglicismo, o correto é descolonial – e uma das coisas que a esquerda identitária mais fortemente se opõe é à presença do estado nas favelas, especialmente a polícia.

O problema do Brasil não é a colonização, o problema do Brasil é que a colonização do país nunca aconteceu por completo, nem mesmo dentro das cidades. O Estado pode ter um papel importantíssimo na ocupação e tomada de posse verdadeira do território brasileiro.

 

Josias Teófilo é jornalista, cineasta e escritor

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  1. A ESQUERDA SE OPÕE A ENTRADA DO ESTADO (PRINCIPALMENTE AS POLÍCIAS) NAS FAVELAS POIS O DOMÍNIO DA ESQUERDA IRÁ ACABAR VISTO QUE SÃO DOMINADAS POR MARGINAIS.

  2. Ele nunca quisram colonizar, o Preofessor e antropologo Constroem Escolas mais Escoals pois se não fizerem vão ter que construi mais Presidios mais Presidios. Ele tava Certo !!

  3. O cutelo dos ditadores dentre estes o colonizador assassino e ladrão escravizou a nossa mente e o que a quadrilha entronizada no poder fez e faz é aceito e permitido por metade de uma nação insana por deseducação e nestes termos quem entende de estratégia sabe que só uma revolução real pode resolver para evitar a fatal escravização de um povo ignorante presa fácil do algoz criminoso ... o Congresso Nacional à luz da lei pode resolver isto mas RENDIDO e VENDIDO rumamos ao caos e ao lixo.

  4. Não deixa de ser interessante. O autor não menciona o Voto Distrital como chave para melhorar a administração das favelas.

    1. Não consigo defender ferrenhamente o voto distrital, por não conhecer bem o modelo. Mas é fato que a representatividade política no Brasil está ligada, majoritariamente, ao litoral e demais capitais. O abismo que existe entre capitais e cidades distantes menos de 100 km é, muitas vezes, imenso. É preciso levar dignidade e cidadania de verdade para os interiores dos Estados. Talvez isso ajude a melhorar as condições de vida de todos, inclusive nas capitais.

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