Ricardo Stuckert PR

O príncipe e o mendigo

Lula exercita sua benevolência ao estender a mão, e a carteira do pagador de impostos brasileiro, ao pedinte argentino Alberto Fernández
30.06.23

Em um mesmo dia de outono, nasceram Tom Canty e Edward, dois jovens de aparência idêntica. Mas uma nada sútil diferença separava os dois. Enquanto Canty era forçado pelo pai a pedir esmolas, Edward desfrutava do amor e carinho pelo fato de ser herdeiro do trono da Inglaterra.

Em suma, essa é a história do clássico de Mark Twain, O Príncipe e o Mendigo, que tem sido revisitada na América do Sul do século 21. Dois presidentes de aparência e ideias muito similares desfrutam de condições distintas, além de fazerem um certo esforço para trocarem de lugar.

Brasil e Argentina já foram chamados inúmeras vezes de “países irmãos”. As duas maiores potências da América do Sul, de fato, são bastante similares (apesar de alguns terem vindo de barco e outros nascidos na selva, como acreditam alguns argentinos).

Ambos são grandes produtores agrícolas. A produção argentina, por exemplo, é capaz de alimentar 400 milhões de pessoas, enquanto a brasileira põe a comida na mesa de 1 bilhão de seres humanos.

Em termos de história econômica, porém, sempre fomos um patinho feio. A abundância de terras fez da Argentina uma das nações mais ricas do mundo ainda no século 19. Segundo o Maddison Project, do prêmio Nobel de economia Angus Maddison, que reúne informações históricas sobre a riqueza no mundo, os argentinos desfrutavam em 1896 de um PIB per capita superior ao de qualquer nação europeia.

Tamanha opulência, que fez de Buenos Aires uma das tantas cidades apelidadas de “Paris dos trópicos”, levou ao surgimento de um ditado na Europa, que definia alguém de posses como “riche comme une argentine”.

A história dos dois países, porém, se separa nos anos 90. Como boa parte dos países emergentes, Brasil e Argentina tiveram planos de estabilização. Por aqui, tivemos o Plano Real e, por lá, o Plano Cavallo.

O plano argentino, que possuía também uma “dolarização” do peso, cotado a 1 dólar, era o mais elogiado na época. O Fundo Monetário Internacional, atribuía aos argentinos uma elevada estima. Ao Brasil, entretanto, cabiam críticas. De fato, o plano brasileiro era muito mais complexo. Por aqui, separamos as funções da moeda. A unidade de conta cabia à URV, o meio de troca ao Real, e a reserva de valor ao dólar. Uma loucura.

Mas foi a forma como lidamos com os choques que se sucederam aos planos que nos colocou em situações distintas hoje.

Os anos 90 foram um período nada fácil em se tratando de moedas. Tivemos a crise do sistema monetário europeu (aquela mesma que fez George Soros ganhar 1 bilhão de dólares em um dia ao quebrar o banco da Inglaterra), a crise do México em 1994, a crise dos tigres asiáticos em 1997 (quando George Soros quebrou o banco da Tailândia com a ajuda de Armínio Fraga), a crise da Rússia em 1999 e por fim a crise brasileira em 1999, quando Armínio Fraga ajudou a manter o real vivo.

Em suma, o real brasileiro mantinha sua paridade com o dólar até o final de 1998, em uma tarefa cada vez mais difícil. A desvalorização do real era algo esperado, e deveria ser executada em 1999. Um calote na dívida de Minas Gerais, decreto por Itamar Franco, em 13 de janeiro de 1999, deu uma acelerada no processo. Naquele mês, o real se desvalorizou 30%, contra uma previsão de 13% de desvalorização em todo ano de 1999.

Para manter o navio na rota, a equipe econômica do Príncipe da Privataria (um apelido que particularmente considero carinho à pessoa de FHC), adotou uma série de medidas.

Implementamos o tripé macroeconômico, ou seja: câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário.

Apertamos as contas, subimos os juros para estratosféricos 45%, mas mantivemos o real vivo. Algum tempo depois, consolidamos a Lei de Responsabilidade Fiscal. Também neste período consolidamos a Regra de Ouro.

De forma simplificada, a Regra de Ouro proíbe que o governo brasileiro emita dívida para pagar despesas correntes. Na prática, é o que nos separa da Argentina.

Por lá, a crise veio em 2001, e foi bem mais severa. No final de 2001, a Argentina colapsou também na política. O país teve 5 presidentes em 12 dias, com nenhum deles sendo capaz de reverter os problemas. Em resumo, o PIB argentino em dólares caiu 63%, e o país decretou um calote de 100 bilhões de dólares ao FMI. O governo então confiscou dólares e forçou a população a aceitar pesos no lugar.

Mas o pior ainda estava por vir. O caos político fez a Argentina optar pelo governo kirchnerista, que, como o brasileiro, na mesma época, surfou em um boom de commodities.

Ao contrário do Brasil, onde Lula seguiu as regras criadas pelo antecessor e amigo, os argentinos deram uma guinada.

Não tardou até que a ausência de regras e reformas cobrasse o preço. Já em 2010, o governo argentino passou a ameaçar de prisão quem anunciasse índices de inflação diferentes dos oficiais.

Como Brasil e Venezuela, a Argentina entrou na última década com gastos elevados por programas assistencialistas (como subsídios na conta de luz, água, etc.), que se tornaram impossíveis de serem revertidos.

Sem os dólares entrando, o peso seguiu o caminho natural: para baixo. O governo por lá não aprovou reformas como aqui que proibiam a impressão de dinheiro para financiar gastos correntes, e isso se tornou a regra.

O governo argentino também não realizou esforços para pagar a dívida, como superávit primário, nem muito menos se preocupou em nacionalizar a dívida.

O resultado é que agora, passada a pandemia, a situação se tornou praticamente irreversível.

Os dólares secaram, a confiança inspirada por Fernández é nula e o país tenta a todo custo convencer o FMI a rever um acordo de 44 bilhões de dólares. O FMI, que há 70 anos promove pacotes e ajuda a Argentina, sabe que o país não o cumprirá.

Resta ao presidente do país, em meio a uma seca histórica que reduziu a produção de grãos do país de 45 milhões para 20 milhões de toneladas, apelar para os irmãos políticos.

Da mesma maneira, resta ao Brasil torcer para que os argentinos encontrem um caminho nas urnas que os faça reverter tal tragédia, pois, mantida a tendência a trajetória atual, teremos de confiar em nossas instituições para barrarem ajudas e mais ajudas.

E nesse caminho, o financiamento do BNDES a um gasoduto na Argentina seria o menor dos problemas. Se porventura, a mudança no comando do Banco Central levar o governo a conseguir obrigar nossa autoridade monetária a aceitar o risco cambial argentino, aí o buraco será ainda mais embaixo. Neste momento, por sorte e por mérito, o risco ainda é baixo. Mas não sem esforço para mudar a situação.

 

Felippe Hermes é jornalista

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Com a irresponsabilidade e o egocentrismo do Descondenado provavelmente o dinheiro do contribuinte brasileiro vai ir para o ralo argentino.

  2. Parafraseando o professor uruguaio Eduardo Galeano insanos corruptos reabrem as veias exangues da América LaTRina onde déspotas, ladrões e assassinos se nutriram ontem de indígenas e hoje de amebas ignorantes idiotizados ... e vem mais, muito mais, aguardem ...

  3. Espero que antes de acontecer isso espero que o povo já esteja organizado para pedir o impeachment do Nine. Como estamos acompanhando ele está totalmente aloprado, muito mais que nas outras vezes que esteve na presidência. ele não houve mais ninguém. Fala besteiras perde o crédito da imagem que ele tinha no exterior, daí não tem quem nos salve.

Mais notícias
Assine agora
TOPO