Montagem: Daniel MedeirosToffoli, Moraes, Gilmar e, agora, Zanin, têm mulheres com mais de 100 ações no Supremo

Os casais poderosos do STF

Esposas de ministros que trabalham em escritórios de advocacia levantam questionamentos sobre conflitos de interesses
30.06.23

A posse de Cristiano Zanin no próximo dia 7 de agosto como ministro do Supremo Tribunal Federal, STF, significará a ascensão do advogado pessoal de Lula à mais alta corte do Judiciário. O elo entre os dois, por si só, já alimenta o temor de que Zanin, ao vestir a toga, possa favorecer o amigo e antigo cliente  nos seus julgamentos — ainda que ele tenha dito na sabatina que não atuará em processos envolvendo Lula. Mas não é só isso. O episódio também marcará a consolidação de mais um casal poderoso na aristocracia de Brasília. Isso porque Valeska Teixeira Zanin Martins, a cônjuge do advogado de Lula, continuará tocando, sem o marido, o escritório de advocacia que mantém em São Paulo e em Brasília. A julgar pelo que já ocorre com outros ministros, a situação abre oportunidade para o questionamento sobre conflitos de interesses e faz pensar mais uma vez em pragas nacionais como a mistura nociva entre o público e o privado.

No site da Zanin Martins Advogados, já não constam o nome do futuro magistrado do STF e sua foto ao lado da esposa e ex-sócia. Ele não aparece mais como membro do escritório, numa demonstração de que Zanin já se desvinculou das atividades advocatícias. As 49 ações que tramitam no STF e que estão com o escritório passarão a ter apenas Valeska como advogada. Essa nova realidade não seria um problema se Zanin, ao se deparar com essas ações, se recusasse a integrar os julgamentos. Mas nem sempre isso acontece no Brasil.

Nos mesmos moldes do casal Zanin, outros ministros do STF têm suas cônjuges atuando em grandes e famosos escritórios de advocacia. Guiomar Mendes, esposa de Gilmar Mendes, é sócia de Sergio Bermudes na firma que possui sedes no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e, claro, em Brasília. O fato de ser casado com Guiomar não impediu Gilmar Mendes de atuar no julgamento de um dos clientes da esposa, em 2017. Bermudes e Guiomar defenderam o empresário Eike Batista e o ministro do STF não se declarou impedido, apesar de questionado pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot. Eike era suspeito de pagar propinas ao ex-governador Sergio Cabral, do Rio de Janeiro, em troca de contratos com o governo. Em abril daquele ano, Gilmar concedeu um habeas corpus para libertar o empresário.

Caso parecido ocorreu em 2012, quando Dias Toffoli foi pressionado a se afastar do julgamento do mensalão e teve a sua imparcialidade questionada. O ministro é casado com Roberta Maria Rangel, cujo escritório Rangel Advocacia tem 34 casos em andamento no STF. A empresa atuou diretamente na defesa de pelo menos um réu do mensalão, o ex-deputado federal Professor Luizinho (SP), acusado de lavagem de dinheiro. O ministro não se declarou impedido e votou no processo sem hesitar.

Alexandre de Moraes e Viviani Barci Moraes também fazem parte do grupo dos “power couples” do Judiciário. Viviani é sócia coordenadora do escritório Barci de Moraes, que possui outros quatro sócios, dentre eles Gabriel Chalita. Em nome da advogada, constam 25 ações no Supremo.

Somando os casos no STF em nome de Valeska (49), Roberta Rangel (34), Viviani Moraes (25) e Guiomar Mendes (1), a conta dá 109. Se forem considerados todos os do escritório Sergio Bermudes (501), de Guiomar, então será possível falar em centenas de processos em que supostamente as esposas têm alguma influência. E o volume só aumenta, uma vez que todo cliente com problemas em Brasília, seja político como o Professor Luizinho ou empresário como Eike Batista, leva em conta o anedotário sobre o “acesso aos gabinetes” e os “embargos auriculares” que, ao lado da técnica jurídica, determinariam o sucesso de uma banca advocatícia nos tribunais superiores. Tanto é assim que os escritórios das mulheres prosperam quando seus maridos se tornam “vossas excelências. É um bom negócio para marido e mulher, uma vez que  casamento vale “na riqueza e na pobreza”. Em julho de 2018, uma reportagem de Crusoé revelou que Roberta Rangel remunerava o marido Dias Toffoli com uma mesada de 100 mil reais por mês. A conta dos depósitos era administrada por um funcionário do gabinete do ministro.

O impacto dos casais poderosos do STF vai além, contudo, uma vez que também se reflete em outras cortes federais e que juízes de instâncias inferiores  buscam cultivar a simpatia de quem pode influenciar em promoções e nomeações diversas no Judiciário. E tudo pode ficar ainda mais peculiar quando se considera que outros parentes, de vários graus, também trabalham como advogados. Em uma ação com desdobramentos em vários tribunais, inclusive no Tribunal Regional Federal do Distrito Federal, atuam de um mesmo lado Viviane Barci de Moraes, Karine Nunes Marques (irmã do ministro Kassio Nunes Marques) e Maria Carolina Feitosa de Albuquerque Tarelho (enteada de Gilmar Mendes). Todas elas trabalham na defesa de Walter Faria, presidente da cervejaria Petrópolis. A ação discute quem é o dono de créditos devidos pela Imcopa, processadora de soja arrendada pela Petrópolis. No processo, o juiz Itagiba Catta Preta proferiu várias decisões liminares em favor de Faria. A última expropriou mais de 3 bilhões de reais em créditos para beneficiá-lo. A decisão foi proferida poucas horas após o pedido e sem nem sequer ouvir antes a parte contrária — algo incomum na Justiça brasileira.

A rigor, não é ilegal que um cônjuge de um ministro do Supremo Tribunal Federal atue em processos que tramitam naquela Corte. O regimento interno do STF, prevendo possíveis conflitos de interesses, estabelece no artigo 277 que os ministros devem se declarar impedidos ou suspeitos em casos como esse. O impedimento é mais grave e deve ocorrer quando a causa é objetivamente identificável, por exemplo, quando o juiz é marido da ré ou de sua advogada. A suspeição se dá quando as conexões entre o ministro e a parte processual não estão tão claras, como numa relação de amizade.

A questão é que, quando um ministro do STF não se declara impedido ou suspeito, não há o que fazer. Inexiste um mecanismo jurídico formal que permita a alguém recorrer nessa situação. “Como não há como obrigar que a norma seja respeitada, ela cai no vazio. Os magistrados acabam se sentindo livres, porque não há um remédio jurídico para isso. No final, o custo de não se declarar impedido ou suspeito não é alto”, diz Antônio Sepúlveda, advogado e professor de Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Pouco antes de ser escrutinado em uma sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, no dia 21 de junho, Cristiano Zanin, ainda advogado, encaminhou uma declaração à secretaria da Comissão. Em quatro linhas, ele afirmava que não tinha “parentes que exerçam ou tenham exercido atividades, públicas ou privadas”, vinculadas à sua atividade profissional. Documentos como esse são exigidos pelo regimento interno, para comprovar que não há conflito de interesses. De fato, Valeska e Zanin não têm parentesco. Segundo a definição do advogado e autor Sílvio de Salvo Venosa, “marido e mulher não são parentes. A relação entre os esposos é de vínculo conjugal que nasce com o casamento e dissolve-se pela morte de um dos cônjuges, pelo divórcio ou pela anulação do matrimônio“. Zanin também não citou o sogro Roberto Teixeira, com quem diz estar rompido. Mas, como os entendidos do Direito sabem muito bem, sogro é para sempre.

Contudo, o esforço dos magistrados não deveria ser o de ampliar a atuação o máximo possível e fazer pouco caso dos regimentos, mas o de evitar quaisquer dúvidas sobre o efeito que os laços de família podem ter nos tribunais. Num país como o Brasil, onde traços como o clientelismo e o patrimonialismo são apontados como pecados de origem por obras clássicas da sociologia e da ciência política, toda autoridade deveria compreender a necessidade de parecer honesta, além de, por óbvio, ser concretamente honesta. Trata-se de um ônus — ou generosa contribuição, se assim preferirem os poderosos — necessário para que as instituições gozem de respeito e boa saúde. No entanto, parece que sem pressão dos pares, do Legislativo, do Executivo ou da sociedade, ministros continuarão não se declarando impedidos ou suspeitos nos casos de suas esposas. “Ainda se faz necessário um amadurecimento institucional muito forte no Brasil, e isso ainda vai levar muitos anos para acontecer“, diz Antônio Sepúlveda.

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Atualização: Guiomar Mendes entrou em contato com Crusoé no dia 30 de junho. Em conversa com a reportagem, disse que, embora seja sócia do escritório Sérgio Bermudes, não atua em causas que  tramitam no STF e não advogou no processo de Eike Batista mencionado acima. Lembrou também que teve uma longa carreira como funcionária pública, trabalhando tanto no STF quanto no TSE, antes de conhecer Gilmar Mendes e se casar com ele. “Se resolvi entrar em contato, é porque respeito as instituições do meu país e me preocupo com a imagem que os brasileiros têm delas”, disse. 

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500
  1. Da nojo como cidadão assistir essa podridão das nossas instituições, principalmente de quem deveria dar o exemplo pelo poder dado em nossa constituição.

  2. Da nojo como cidadão e pagador de impostos, assistir a essa pouca vergonha de assalto às instituições descaradamente, sem que nenhum poder se manifeste, pela própria podridão que vivem.

  3. O que é ética e moral pra eles, não é o mesmo que pra nós. O desprezo como tratam os brasileiros, é tão vergonhoso , que fazem o seu entorno um mundo a parte e a reportagem é excelente . Parabéns, a Crusoé, afinadamente, apontando os fatos. Acordemos!

  4. Ética e vergonha na cara são coisas incompatíveis na cúpula da república. Brasil é amaldiçoado onde a população é só contribuinte para a nobreza manter-se no luxo

  5. Em uma semana em que os Justisseiros da Nassaum quiseram cassar a outorga da Rádio JP (que eu sequer acompanho) CRUSOÉ faz o que toda a Imprensa digna desse nome deveria fazer: mostrar a verdade que, no brazil, invariavelmente é um nojo. A sujeira é grande, não há detergente que a remova e a imundície começa já na casa dos Onze Homens e Vários Segredos. ACORDA, BRASILEIRO‼️‼️‼️Ou não sobrará mais nada para seus descendentes exceto a escravidaum.

    1. Acordar como, meu caro Alessandro?? Desde muito é um país deitado (ajoelhado pela covardia), adormecido)..."eternamente em berço esplêndido" para gaudio da elite senhorial, sem ética. Este artigo é um exemplo vivo. Parabéns pela contribuição do comentário.

  6. "A situação abre a oportunidade para questionamentos sobre conflitos de interesse". A essência da cúpula do judiciário brasileiro é o conflito de interesses.

  7. Ah, Dona Guiomar. Não subestime nossa sensibilidade. Lógico que temos conhecimento disso, mas quando lhe é mostrado na cara, causa revolta, indignação. Por isso, é que vendem até a alma para ser o escolhido para o reino dos deuses.

    1. No TSE, no TST, nos Tribunais Federais Regionais, nos Tribunais de "Justiça" Estaduais (nooosssa!!). E defendem, com a maior cara de pau a Ética, a Democracia, a Cidadania, o Estado de Direito.... Não digo a Constituição, pq eles a arregaçaram, atropelando-a e tornando um arremedo do q já era ruim e desigual (alguma dúvida??). Vejam o poderio açambarcado pelo STF e cia, veja a mesura judicial para juizes, desembargadores, procuradores e tribunais superiores. Gaiola de Ouro! Começa pelas férias

  8. E imaginar que muitos desses ministros e esposas de ministros estão também no magistério, colaborando na formação de outros futuros ministros. Vergonhoso!!

  9. O STF aparelhado de equilíbrio institucional virou tentáculo do bando no poder sendo no meu entender de forma bem objetiva TUTOR da nação e CURADOR do Estado apodrecido, que é exatamente o que foi feito na Venezuela que se tornou o galinheiro para o qual rumamos rapidamente E SE o Congresso Nacional não frear os poderes ditadores pela lei não tenho a menor dúvida que o desfecho disto será duro com intervenção violenta e um provável banho de sangue que devemos evitar . quem sobreviver chorará !!!

    1. Não seja injusto Marinho que mal às putas te fizeram? de vida dura e difícil elas não merecem a comparação esdrúxula.

  10. Este é o país da sem-vergonhice. É claro que quando o marido é do stf os honorários aumentam exponencialmente, assim como a procura pelo escritório que tem um algo a mais.

  11. É lógico, sabido, e pior, é sedimentado o fato de q escorre pela calha paralela de 1 disfarçado "rio extrajudicial", 1 leito c/ 1 manancial escandaloso de influências diversificadas. Há juízes q embora os conhecimentos advindos do q deveria ser sua nobilíssima e íntegra profissão - pessoalmente - condenam e prejudicam s/ contraditório algum, pessoas inocentes apenas por terem 1 conjuge q se antipatiza c/ elas. Imagine qdo nomeados por ""patrões"" e ainda espúria e ""reforçadamente"" remunerados!

    1. Há nos tribunais, agentes que usam ""máscaras de ferro"", à prova de qualquer verdade e de qualquer integridade.

  12. Crusoe deveria fazer um levantamento de quantos votos desfavoráveis proferiram os ministros que deveriam se declarar impedidos contra os interesses defendidos por seus cônjuges, parentes e agregados.

  13. Eu só percebo- desculpe se estiver enganado- apenas a Crusoé e o Antagonista+ tem abordado essas pautas. O restante da mídia parece estar anestesiada, ou como disse um jornalista desta revista a imprensa brasileira se tornou "sala de imprensa" do Governo.

    1. Pedro, parabéns pela lucidez. A mídia nacional é (sempre foi) o mal do país. Basta apenas uma coca cola (guaraná? nunca!) e um sanduíche (hoje em dia com mortadela, por favor...).

    2. Pedro, você está certíssimo. Eu também só vi a Crusoé e O Antagonista+ apontando este comportamento imoral de "suas excelências". No fundo, a grande imprensa também conhece muito bem estes fatos, porém calam-se porque sabem os riscos a que estarão sujeitos ao apontar o dedo para a última instância.

  14. Claro que é imoral, claro que é gravíssimo. De cara percebe-se que envolvem milhões de reais! Ao não se declararem impedidos, tais juizes automaticamente tornam-se suspeitos, parecem que têm interesses, influências, em processos e podem até exercer pressões em votações de maneira direta ou indiretamente, de modo cruzado. À mulher de César não basta agir corretamente, tem que parecer ser honesta!

  15. Da nojo, estomago embrulha de ler, ver , ouvir tanto descaso, corrupção, conchavo nas altas cortes dos 3 poderes. Quanto mais alto o cargo mais podre são as pessoas.

  16. Todos esses nadam de braçada na lama da impropriedade, da indecência, e provavelmente farão felizes regabofes em Lisboa. As altas cortes estão contaminadas e promiscuídas causam insegurança jurídica e medo. Deviam inspirar respeito e admiração.

  17. Infelizmente (e bota lamentação nisto!) os antagonistas é a única imprensa q tta despir eticamente (portanto deslegitimizar a sua constitucional obrigatoriedade de ser justo) o monstruoso stf (e bota teratoma nele!). Partidário e de comportamento público semelhante ao luloptismo, que ora o constitui, passou a ser verdugo de sua própria missão: cumprir e guardar a constituição. Tornou-a um livro hipócrita, bem igual aos atuais trejeitos da sociedade brasileira.

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