Ricardo StuckertLula e o cubano Diaz Canel: condescendência com ditaduras demanda oposição

Não é por falta do que fazer que uma oposição democrática não se articula

Da política externa aos programas sociais, o PT dá diversas razões para que se organize a resistência às suas práticas de governo
29.06.23

É preciso dizer, antes de qualquer coisa, que a democracia liberal não é propriamente sobre governo e sim sobre controlar o governo. Mas só há possibilidade de controle democrático sobre o governo se houver oposição democrática livre e valorizada. O primeiro passo para isso é aceitar a oposição democrática como legítima e necessária ao bom governo democrático.

Governo existe em qualquer regime. Oposição democrática só nas democracias. Dado o nosso profundo e generalizado analfabetismo democrático, são muito poucos os que entendem que não existe democracia sem oposição democrática. Acham que oposição só se justifica quando o governo é ruim ou comete atos ilegais. Ou acham que oposição é para derrubar o governo, para desgastar o governo preparando a próxima disputa eleitoral – e não parte do metabolismo normal das democracias.

1 – Então este é o primeiro ponto de uma pauta para a oposição democrática no Brasil. O governo deve aceitar, como uma contribuição positiva para a democracia brasileira, a existência de uma oposição democrática – até porque o bolsonarismo fora do governo tenderá a fazer uma oposição antidemocrática ao novo governo. Não deve confundir a oposição democrática com a oposição antidemocrática, nem chamar quem não é governista de fascista ou golpista, nem fazer ameaças sórdidas de que quem critica ou não apoia o governo é porque está querendo a volta de Bolsonaro (ou de outro bolsonarista). O fato do governo não aceitar isso é a primeira razão para uma oposição democrática existir e conquistar seu espaço político.

2 – O segundo ponto é o respeito ao critério da rotatividade ou alternância democrática. Como se sabe, nenhuma força política neopopulista (como o PT) sai facilmente do governo apenas pelo voto. O próprio PT não saiu, de vez que Dilma foi removida por impeachment. Mas também não saíram Hugo Chávez, que faleceu e foi substituído por Nicolás Maduro (e que virou um ditador), Evo Morales, que sofreu uma espécie de golpe parlamentar, mas logo voltou ao comando da Bolívia por meio do seu correligionário Luis Arce, Rafael Correa, que fez seu sucessor Lenin Moreno (com o qual rompeu em meio ao mandato), Fernando Lugo, que sofreu impeachment, Manoel Zelaya, que foi preso (depois de se homiziar na embaixada brasileira em Honduras, com o apoio de Lula) e voltou ao governo por meio de sua mulher Xiomara, Cristina Kirchner, que sobreviveu como vice-presidente de Alberto Fernández, após breve interregno do governo de Maurício Macri. A única exceção, entre os aliados históricos do PT na América Latina, foi Salvador Cerén, da FMLN, sucessor de Maurício Funes em El Salvador, que entregou com poucos solavancos o governo após uma derrota eleitoral. Não caberia aqui mencionar Daniel Ortega, que virou um ditador sanguinário, mas que assumiu o poder por meios não-democráticos com a chamada revolução sandinista, perdeu uma eleição para Violeta Chamorro, se arrependeu de ter aberto aquele processo eleitoral e voltou eleitoralmente ao poder em 2007, ao que tudo indica para nunca mais sair. Dados esses antecedentes, seria bom que Lula, que disse que ia governar com uma frente ampla democrática, fizesse então o compromisso público de que o candidato à sua sucessão seja escolhido pela coordenação política dessa frente (ou seja, não deveria ser alguém do PT ou dos partidos de esquerda satelizados pelo PT). Claro que o PT jamais aceitará isso, até porque não existe a tal “frente ampla”. Eis a segunda razão para a existência de uma oposição democrática.

Isso é muito importante, porquanto a alternância ou rotatividade – um dos critérios da legitimidade democrática – não diz respeito ao indivíduo no cargo e sim à força política ou à aliança que detém o poder. Sair Lula e entrar Dilma em 2010, não foi rotatividade. Sair Lula e entrar Haddad (ou Janja) em 2026 também não será (e, ao que tudo indica, Lula não vai sair). Sair Chávez e entrar Maduro não foi. Sair Funes e entrar Cerén (ambos da FMLN) também não foi rotatividade. Sair Ortega e entrar outro comandante da FSLN não será.

3 – O terceiro ponto é a defesa da Constituição de 1988 e a rejeição da tese de convocação de uma nova Constituinte, pelo menos durante o terceiro mandato de Lula, que deveria ser um mandato de transição. Mas o PT só aceita que o terceiro mandato de Lula seja um governo de transição para mais (um ou dois, como quer Dirceu) governos do PT. Por isso tem que haver uma oposição democrática com condições de denunciar e de quebrar o continuismo lulopetista.

4 – O quarto ponto é a garantia da liberdade de imprensa com o abandono da velha proposta lulopetista de controle partidário-governamental (disfarçado de social ou civil) dos meios de comunicação profissionais. Alguém tem que permanecer vigilante para evitar que isso aconteça. Mais uma razão para a existência de uma oposição democrática.

5 – O quinto ponto é a garantia da lei e da ordem pelo que reza a Constituição, sem qualquer interferência partidário-governamental na formação e promoção de oficiais, nem no papel constitucional das Forças Armadas. Cabe a uma oposição democrática zelar para que isso não aconteça, ao mesmo tempo que é seu papel esclarecer que a missão das FFAA não pode ser interpretada como licença para golpes de Estado (disfarçados como intervenção constitucional).

6 – O sexto ponto é a preservação da moeda e a garantia das reformas de modernização do Estado promovidas na última década (incluindo a continuidade das privatizações) e o compromisso com as reformas futuras, com destaque para a tributária, a administrativa e a política (com o fim da reeleição e a reforma partidária – a democratização interna dos partidos e o fim da partidocracia). Pelo visto restou à oposição democrática defender esse ponto.

7 – O sétimo ponto é a renúncia à política externa ideológica do Sul Global. Aqui existem vários subpontos da maior importância.

7.1 – O primeiro deles é o apoio à resistência ucraniana e a condenação da invasão militar de Putin e o apoio às sanções impostas à Rússia. Lula e o PT não apoiam essas medidas.

7.2 – O segundo é a defesa da democracia liberal de Taiwan (contra as tentativas ilegais de anexação do ditador Xi Jinping). Também por tudo que já declarou sobre a China, o PT dificilmente concordará com tal defesa.

7.3 – O terceiro é a condenação explícita e inequívoca das ditaduras latinoamericanas de esquerda (como Cuba, Venezuela e Nicarágua) e africanas (como Angola).

7.4 – O quarto é a despolitização do papel dos BRICs (dominado por autocracias como Rússia, China e Índia), não admitindo o seu uso para combater os supostos imperalismo norte-americano e expansionismo da OTAN.

7.5 – O quinto, no plano político global, é optar preferencialmente pela coalizão das democracias liberais (União Europeia, Canadá, USA, Costa Rica, Coréia do Sul, Japão, Austrália, Nova Zelândia etc.) em detrimento do bloco das ditaduras (Rússia, China, Índia, Irã, Síria, Cuba, Venezuela, Nicarágua, Hungria, Turquia etc).

7.6 – O sexto, na América Latina, é que o Brasil deve privilegiar as três únicas democracias liberais existentes: Costa Rica, Chile e Uruguai. E não, como já foi dito, as ditaduras ou as democracias (apenas) eleitorais parasitadas por forças políticas neopopulistas (como Bolívia, Peru, Argentina, Honduras, México e agora, infelizmente, Colômbia).

Nada disso tem a ver com as necessárias relações comerciais do Brasil com esses países, sejam autocracias fechadas ou eleitorais ou mesmo democracias eleitorais parasitadas pelo populismo dito de esquerda. É preciso separar as duas coisas e não usar as relações comerciais como biombo para justificar alianças políticas ou geopolíticas antidemocráticas. À oposição democrática caberá criticar essa orientação ideológica adotada pelo governo Lula.

8 – O oitavo ponto é o compromisso de não aparelhar novamente o Estado com militantes petistas. E de não tentar reinstituir a participação assembleísta e conselhista, arrebanhada e controlada por “movimentos sociais” que atuam como correias-de-transmissão do partido, para subordinar a dinâmica social à lógica do Estado aparelhado. A oposição democrática deve denunciar essas tentativas ao menor sinal de que elas estão em curso.

9 – O nono ponto é a chamada “política social” (entendida, lamentavelmente, por Lula e pelo PT, como política de oferta governamental centralizada para os extremamente pobres). Programas de transferência condicionada de renda, como o Bolsa Família, ainda que tenham impacto na redução da miséria (ou da extrema-pobreza) – e, portanto, sejam necessários – não são bons programas de emancipação da pobreza. Ao fim e ao cabo, são programas de manutenção da pobreza (provendo os níveis mínimos de recursos para a reprodução física e intergeracional da pobreza). Cabe à oposição democrática exigir que o governo, além de manter programas de combate à extrema-pobreza ou à miséria, adote programas de emancipação das pessoas da pobreza por meio do investimento em capital humano e em capital social, promovendo o desenvolvimento social de pessoas e comunidades e evitando que os sujeitos desses programas se tornem beneficiários passivos e permanentes de programas assistenciais.

10 – O décimo e último ponto é parar de praticar a política como uma continuação da guerra por outros meios, dividindo a sociedade por meio de uma única clivagem (povo x elites) e adotando a dinâmica do “nós” (o povo, quer dizer, os que seguem o líder) contra “eles” (as elites, ou seja, os que não aceitam se subordinar à hegemonia petista). Para concluir, embora isso seja pedir demais – mas cabe à oposição democrática insistir – o PT deveria declarar que vai abandonar sua estratégia de conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido com o objetivo de se delongar do governo (falsificando o critério da rotatividade democrática). A oposição democrática tem o papel de defender a pacificação do país contra a degeneração da política como guerra.

Não é, portanto, por falta de pauta – ou do que fazer – que uma oposição democrática não se articula.

 

Augusto de Franco é escritor

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500
  1. NÃO EXISTE OPOSIÇÃO DEMOCRÁTICA NESTE PAÍS. EXISTE MALA DE DINHEIRO PARA OS POLÍTICOS SE VENDEREM A SITUAÇÃO. TRISTE BRASIL.

  2. Não há mais a menor possibilidade de meios termos depois de tantas barbaridades e crimes cometidos pelo bando no poder e certamente o país se encaminha ao caos que tem como última válvula de escape a ação do Congresso Nacional que pela lei ainda pode resolver mas uma escória tão ladra quanto insistindo em se VENDER ao ditador criminoso leva a nação ao caos o Estado já moralmente falido ao lixo ... e quem sobreviver chorará !!!

  3. Ótimo artigo Sr. Augusto de Franco. Gostaria de me inscrever na Oposição Democrática. Sou filiado ao Partido Novo. Ao mesmo tempo que gostei do seu artigo, fiquei triste por perceber que não existe praticamente essa Oposição Democrática e que Lula não tem pejo em falar quaisquer bobagens em público. As forças de oposição estão muito dispersas, têm objetivos e interêsses próprios e não há um líder realmente aglutinador, que desperte a chama da verdadeira democracia de que o Brasil tanto precisa.

    1. Pois a mim não da esperança nenhuma. Cadê essa oposição, os moleques do MBL Sâo os unicos que peitam essa velharia velhaca, safada, cheia de Viagra as nossas custas. Os menos velhos tb. Nao me interessa o que a justiça pensa ou proíbe e muito menos os criminosos do Congresso , A MAIORIA! , vou continuar chamando ladrao de ladrao, corrupto de corrupto, safado de safado. ODEIO 99% dos HOMENS PUBLICOS. Ah, se eu pudesse ser Deus por 30 segundos faria um limpa nesse pais.

    2. Mais um artigo Brilhante e que me dá Esperança, Obrigada Augusto de Franco.

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