Pedro Ladeira/FolhapressAs respostas complexas e matizadas às perguntas mais importantes não cabem em uma faixa estendida pelos manifestantes

E então as multidões voltaram para casa

As manifestações que sacudiram o país em junho de 2013 provaram que o PT não é dono das ruas. Só não se sabe ao certo o que se consegue tomando essas ruas 
29.06.23

Último dia do mês. Quase perdi a efeméride. Ou, na verdade, já a perdi: se bem lembro, não havia mais gente na rua ao final de junho de 2013. As grandes manifestações que começaram em São Paulo para depois explodir nas mais diversas cidades brasileiras haviam perdido o ímpeto. Há dez anos, quando via os canais de notícia alternarem imagens de Porto Alegre, Rio de Janeiro, Recife e Belo Horizonte, eu me perguntava por que aquelas multidões haviam saído às ruas. Desde então, minha pergunta e meu espanto é outro: por que toda essa gente voltou para casa, sem nada ter conseguido ou realizado?

A imprensa já fechou a efeméride, nos dias adequados. Esta Crusoé tratou do assunto na capa, há três semanas. Eu mesmo fui entrevistado pelo Estado de S. Paulo e pelo Estado de Minas, para reportagens sobre os livros que tratam das chamadas Jornadas de Junho – sou autor de Os Dias da Crise (Companhia das Letras), novela cujo protagonista é um participante acidental daquele protesto contra o aumento da passagem de ônibus (“não é só por vinte centavos”) que, duramente reprimido pela polícia paulista, parece ter acordado as massas insatisfeitas país afora. Aos repórteres que me entrevistaram – Daniel Barbosa, do jornal mineiro, e Ruan de Sousa Gabriel, do paulista –, disse que não tinha qualquer interpretação fechada dos eventos de 2013. A ficção, no meu caso, serviu para expressar o pasmo pelo que ocorreu. E, sobretudo, pelo que deixou de ocorrer.

Já participei de alguns protestos de rua, com resultados nulos ou ambíguos. Mas sou cético quanto à eficiência e à pertinência dessa forma de ação política.

Eficiência duvidosa: massas na rua nem sempre alcançam mudanças, que em geral dependem de acertos e negociações em gabinetes nos quais não cabem mais do que vinte ou trinta pessoas. A imaginação política moderna talvez ainda esteja presa à Queda da Bastilha, e por isso acreditamos que o povo unido jamais será vencido, quando talvez isso seja verdade só em um punhado de casos. Pense na massa que se viu nas ruas da Venezuela em 2017 e de novo 2019, enfrentando a repressão brutal da ditadura bolivariana. No entanto, Nicolás Maduro continua no poder.

O argumento da eficiência cheira, eu sei, a imobilismo e a covardia. Quem se levanta contra um regime opressivo merece admiração, mesmo quando sai derrotado – talvez até principalmente quando é derrotado. E é por isso que o argumento da pertinência vale apenas para manifestações em regimes democráticos. Minha bronca com os protestos (quando o protesto é livre, enfatizo) vai mais ou menos nestes termos: a massa na rua traz argumentos pertinentes para a discussão pública? Pense nos debates mais candentes de nossos dias – sobre direito ao aborto ou privatização de estatais, sobre liberação das drogas ou mudança climática – e me diga se as respostas complexas e matizadas que eles exigem cabem em uma faixa estendida pelos manifestantes.

Alguém dirá que as manifestações pretendem justamente fazer ouvir argumentos que o aparato burocrático não consegue ou não quer ouvir. Talvez sim. Ou talvez as pessoas apenas se iludam de que suas vozes são ouvidas quando se reúnem em grandes grupos. Eu temo que o único argumento que a multidão apresenta em favor de suas causas seja ela mesma – a multidão. No limite, talvez haja uma ameaça latente sempre que as pessoas se aglomeram à porta de um palácio de governo, de uma empresa, de um tribunal, de uma prisão. A mensagem é “estamos aqui em grande número, para exigir que isso seja feito e que aquilo seja desfeito“.

A despeito de todas essas reticências, eu hoje vejo o Junho de 2013 com mais simpatia do que o vi há dez anos. Recuso, sobretudo, o lugar comum segundo o qual os protestos daquele ano serviram apenas para liberar as forças reacionárias que adiante comporiam a Horda Canarinha. Não lembro de ter ouvido nada de ou sobre Jair Bolsonaro em junho de 2013. A linha reta e direta que alguns pretendem traçar entre junho de 2013 e o 8 de janeiro de 2023 é uma impostura petista: o partido hoje de volta ao poder simplesmente não consegue aceitar que ele não é o dono das ruas.

 

Jerônimo Teixeira é jornalista e escritor

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  1. Os black blocs eram um braço do petismo patrocinados pelo PSOL do Marcelo Freixo que pagou os advogados de 2 assassinos, quando os mesmos mataram o repórter da Band, Santiago Andrade com um busca pé disparado contra sua cabeça. Tinha uma mulher, a Sininho, que tratou de ajudar os 2 assassinos. A função destes inuteis era abafar os protestos das pessoas de bem contra o mal petista, intimidando os manifestantes. Freixo agiu por procuração do PT

  2. Você errou em algo, Jerônimo: as manifestações começaram no Rio, com o aumento das passagens das empresas de onibus e a ligação destas com um empresário do ramo antigo na cidade e símbolo de corrupção e ligação promíscua com o poder político.

  3. OK, mas um reparo: nos protestos pacíficos de 2013 a coisa ia muito bem até que serguram os "black blocks" quebrando tudo, vandalizando e roubando estabelecimentos comerciais e bancos, e aí a polícia teve que intervir; não foi a polícia que reprimou ferozmente, a polícia até que se conteve. Lembramos do episódio onde um oficial da PM foi duramente agredido pelos manisfestantes arruaceiros. A partir da atuação dos black blocks os manifestantes pacíficos caíram fora. A quem serviu os black blocs?

    1. Da mesma forma, a ala pacífica (e não os vândalos) dos protestos de 8/1 não voltou às ruas depois que as prisões arbitrárias começaram a ocorrer.

    2. Eu também estranho a falta de curiosidade da imprensa a respeito da participação decisiva dos Black Bloc naqueles momentos; e, principalmente, a falta (mais aguda) de curiosidade a respeito de onde eles estão atualmente...

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