CNI via FlickrO cinco passos pelos quais o Brasil poderia, finalmente, alçar-se à condição de país desenvolvido

O que falta ao Brasil para ser um país desenvolvido? Quarta parte

Não é seguro que as lideranças políticas e econômicas do Brasil atual consigam concertar um consenso básico sobre um amplo programa de reformas
22.03.24

Em três artigos anteriores discutimos as razões pelas quais o Brasil continua, ainda, um país persistentemente em desenvolvimento (aqui, acesso à primeira, segunda e terceira partes). Vamos encerrar o ciclo, desta vez, discutindo o caminho pelo qual o Brasil poderia, finalmente, alçar-se à condição de país desenvolvido. Os argumentos, em cada um dos quatro artigos, são necessariamente sintéticos, dada a amplitude das questões, mas eles estão baseados num largo conhecimento da literatura especializada – economia e sociologia do desenvolvimento –, mais a experiência adquirida em décadas (como diplomata e acadêmico) de viagens pelo mundo, de atenta observação da trajetória de países fracassados e exitosos na trilha do crescimento econômico e do desenvolvimento social sustentado e sustentável, assim como em reflexões ponderadas sobre como o Brasil pode dar, finalmente, a sua arrancada final.

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Se o Brasil cresce pouco, a razão está simplesmente na baixa taxa de investimento, a partir de percentuais irrisórios de poupança do setor privado, quando não da despoupança estatal. É notório que o Estado extrai recursos em demasia da sociedade, diminuindo, assim, a capacidade do setor privado de se expandir e de criar empregos, renda e riqueza. Não se pode acreditar que o Estado passe a criar riquezas a serem distribuídas à sociedade, ou pelo menos aos mais pobres, apenas pela via da extração de uma parte da renda gerada no setor privado. A OCDE costuma justamente insistir em que os Estados devem normalmente se concentrar naquilo que eles podem fazer melhor: prestar serviços coletivos e contribuir para a criação de um bom ambiente de negócios, capaz de, justamente, gerar ainda mais renda e riqueza pela via de mercados livres. Ora, se o Estado se apropria de uma parte desproporcionalmente elevada da renda gerada na sociedade, como ocorre tradicionalmente no país, ele diminui proporcionalmente o volume de investimentos necessários à expansão da oferta agregada (para empregar termos que os adoradores do Estado compreendem bem). Ora, o Brasil possui uma carga fiscal próxima da média dos países da OCDE para uma renda per capita cinco vezes menor: algo, portanto, está profundamente equivocado no plano da tributação.

A recente reforma tributária – mas incidindo exclusivamente sobre o consumo – corrigiu algumas das bizarrices mais deploráveis da estrutura existente, entre elas a taxação em cascata, cumulativamente, e levou o Brasil de volta ao conceito do IVA, que tinha sido criado numa das primeiras reformas da ditadura militar, completamente deformado nas décadas seguintes. Exceções e subsídios foram mantidos ou introduzidos por lobbies dos mais perversos, o que provavelmente obrigará a alíquota efetiva dos novos impostos a situar-se em patamares elevados comparativamente à média de outros países. Persistem dúvidas sobre se a regressividade tributária será de fato aliviada ou preservada nos níveis atuais.

Se ouso resumir um receituário que permitiria ao Brasil consolidar um processo de reformas básicas suscetíveis de produzir uma taxa sustentada de crescimento econômico, com transformação produtiva e distribuição social dos resultados, estas seriam as medidas ideais:

1) Estabilidade macroeconômica: inflação baixa, moeda sólida, contas fiscais em ordem, regras do jogo estáveis, câmbio flexível, juros de mercado, mercados de capitais e sistemas de créditos abertos ao equilíbrio natural entre poupadores e investidores, sem os excessos da intervenção estatal, independência da autoridade monetária e responsabilização dos gestores fiscais e orçamentários. Dito assim, parece simples, mas levamos década para criar uma ferramenta de preservação do valor da moeda – um Banco Central focado principalmente nessa meta. Ainda não conseguimos ser fiscalmente responsáveis – com tentações políticas ao dispêndio irresponsável em diversos governos –, assistimos a tentativas fracassadas de manipulação dos juros e do câmbio e ainda achamos, infelizmente, que o Estado é a melhor via para garantir crescimento por indução tecnocrática, em lugar de uma microeconomia livre dos constrangimentos intervencionistas e protecionistas.

2) Competição microeconômica: ausência de monopólios e cartéis, regras claras de concorrência no setor privado, concessões públicas em serviços coletivos com aplicação do chamado princípio de market contestability, estímulo à abertura do mercado doméstico à competição estrangeira para estimular inovação e a busca constante de qualidade e preço na oferta agregada (além de pressão deflacionista). Neste quesito, parece clara a orientação de certos governos a se apropriarem de empresas estatais para finalidades imediatas, desajustadas de objetivos a largo prazo de modernização competitiva nos mercados globais, assim como a tentação de até induzir empresas privadas a cumprirem “metas governamentais”, em lugar de apenas obter resultados no seu próprio âmbito microeconômico.

3) Boa qualidade das instituições públicas: governança transparente, controles cruzados, responsabilização nos cargos de confiança, diminuição da estabilidade e das vantagens nos cargos públicos, eficiência nos típicos serviços de Estado (justiça, principalmente), com vistas à redução dos chamados “custos de transação”. Parece claro que a insegurança jurídica é um dos principais “resultados” de um poder judiciário intrusivo e ativista demais (sobretudo na área trabalhista), da qual decorrem custos de transação anormalmente elevados no Brasil, ademais da tradicional “mão forte” do estamento político sobre o funcionamento das atividades privadas nos três níveis da federação.

4) Alta qualidade dos recursos humanos: condição essencial para o aumento da produtividade do trabalho; os desafios maiores, paradoxalmente, não estão no pessoal qualificado de alto nível, mas na formação básica e técnico-profissional do conjunto da população; o melhor, e talvez o único, investimento realmente prioritário que os governos precisam fazer é o de educar bem todos os membros da sociedade. Como já ressaltado nos artigos anteriores, esta é, provavelmente, a maior tragédia nacional, a de ter começado muito tarde na cobertura ampla da escolarização dos mais jovens – praticamente um século e meio depois dos países mais avançados –, agregado ao fato da perda de qualidade da educação pública nos dois primeiros níveis e a deficiência adicional de se ter um terceiro ciclo e a pós-graduação relativamente descolados das necessidades do setor privado.

5) Abertura ao comércio e aos investimentos estrangeiros: não se trata de adotar, necessariamente, uma postura liberal, mas ela deveria ser pelo menos aberta ao comércio exterior – o que significa aceitar a concorrência de produtos estrangeiros como estímulo à competitividade dos produtos nacionais – e certamente receptiva aos investimentos diretos, condição para a aquisição de tecnologias avançadas e de ideias inovadoras. Percorrendo, entretanto, a inteira série de medidas de defesa comercial e de protecionismo explícito ao redor do mundo, desde a segunda revolução industrial, o que se constata é que o Brasil foi um dos países mais fechados ao comércio internacional, com níveis de proteção – não apenas alíquotas aduaneiras, mas também medidas paratarifárias – dificilmente registrados nos países que mais avançaram em suas respectivas trajetórias de inserção à economia global. Não se percebe qualquer contenção do nacionalismo industrial e do protecionismo míope.

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Não é seguro que as lideranças políticas e econômicas do Brasil atual consigam concertar, entre si, um consenso básico a respeito de um amplo programa e um processo de reformas estruturais e setoriais em torno dos cinco conjuntos de medidas sintetizadas nos parágrafos anteriores. Observando-se, contudo, os poucos países que saltaram a barreira do não desenvolvimento para uma situação de “classe média confortável” – quase todos na franja asiática do Pacífico –, constatamos que aqueles que o fizeram acumularam mais sucessos nas reformas indicadas do que fracassos temporários na direção de um projeto nacional exequível.

“Ficar rico é glorioso” disse, na distante década de 1980, o líder chinês pós-maoísta Deng Xiaoping, dando início à reconstrução de uma nação miserável, então dotada de uma renda per capita inferior à metade da do Brasil. O preconceito contra a riqueza, a inveja dos ricos, a obsessão contra as desigualdades (inerentes às sociedades, em toda a história da humanidade) talvez sejam um dos principais defeitos da nacionalidade no caminho do desenvolvimento sustentado. Mas o Brasil tem condições de superar seu atraso delongado…

 

Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor

 

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  1. O caminho todos conhecemos, mas são necessárias disciplina, contenção e concertação da classe política durante décadas e trespassando governos de diferentes matizes ideológicas nesse tempo. Muito difícil de se realizar neste país

  2. Parabéns pela reportagem! É uma pena que a má qualidade da maioria de nossos políticos torne esse objetivo um pouco distante.

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