Jmmuguerza via Wikimedia CommonsJames, em 2022: Esporte aprimorou a tática na mesma proporção em que inibiu a criatividade e a ousadia dos jogadores

O craque imaginário

Os craques do século 21 dominam, passam, chutam e enxergam o jogo melhor do que os outros, mas isso não quer mais dizer que joguem melhor
22.03.24

James Rodríguez começou a se destacar como jogador de futebol no Banfield, que ele ajudou a ser campeão argentino pela primeira vez em 2009. Seu desempenho no Porto, em Portugal, e na Copa do Mundo de 2014, pela seleção da Colômbia, o creditaram para jogar no Real Madrid, onde tudo acabou. Ou quase tudo.

O maior clube de futebol do mundo moeu o meia colombiano, como já fez com muitos outros jogadores. James passou apagado pelo Bayern de Munique na sequência da carreira, quase se recuperou no Everton e girou por Al-Rayyan, no Catar, e Olympiakos, na Grécia, antes de vir parar no São Paulo e trazer para o Brasil o dilema sobre o que significa — ou de que vale — ser craque atualmente.

James toca diferente na bola. O colombiano se destaca evidentemente em meio aos outros jogadores, mas não consegue jogar 90 minutos. Nem 45. Tem entrado em campo pelo São Paulo no fim dos jogos, depois de ter sido reintegrado após um período de rebeldia — ele chegou a pedir para sair, por ser pouco escalado, mas decidiu ficar. O meia que não consegue jogar com intensidade há 10 anos está incomodado.

O futebol mudou, dizem os entendidos. Não basta mais ser apenas bom de bola. Sem vigor, a habilidade não serve para nada num esporte que se tornou excessivamente físico. Há até quem tenha decretado a morte do camisa 10, o organizador do meio de campo que era bom demais para se ocupar de marcar os adversários. James seria um desses “10” mortos-vivos.

Paulo Henrique Ganso é outro. Mas não era. Antes de se machucar, quando ainda atuava pelo Santos, Ganso parecia mais promissor que Neymar. Comandava o jogo de forma espantosa, na figura clássica do maestro. Depois de lesionar o joelho em 2010, perdeu tudo, menos a visão de jogo e o passe, que ainda lhe permitem jogar na Série A do Campeonato Brasileiro.

Antes dele, Zinédine Zidane era a referência mundial do meia-armador. Mas talvez a carreira do francês não vingasse hoje. Nem as de Pirlo ou Modric. Ou as de Zico, Rivellino, Gérson, Raí, Ademir da Guia. Sobrariam apenas os 10 eternos, Maradona e Pelé, que jogaram ao estilo dominante de Lionel Messi e Cristiano Ronaldo.

O momento é de Vinícius Júnior, Haaland, Mbappé, jogadores fortes e rápidos, de explosão muscular avassaladora, para romper as defesas milimetricamente montadas em um esporte que aprimorou a tática na mesma proporção em que inibiu a criatividade e a ousadia dos jogadores.

O resultado disso é que, a depender da condição física do craque, vale mais ter em campo um jogador mediano vigoroso e esforçado, que vai correr atrás do lateral adversário durante a partida inteira, para dividir o fardo da marcação com os colegas de time.

“Ele anda, dorme, come e bebe como os outros; mas isso não o impede de estar muito doente”, debocha a empregada Toinette do patrão Argan em O Doente Imaginário, de Molière. Os craques do século 21 dominam, passam, chutam e enxergam o jogo melhor do que os outros, mas, por incrível que pareça, isso não quer mais dizer que joguem melhor.

 

Rodolfo Borges é jornalista 

 

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  1. Análise parcial desconsiderar craques dos passado em contexto atual foi muito infeli da análise de Rodolfo Borges

  2. Correta análise. E vejam que o futebol brasileiro parece não enxergar essa mudança no esporte. Os jogos por aqui são interrompidos com frequência a qualquer esbarrão do adversário, o que de certa for ajuda a esse tipo de jogador (o “10”), mas não nos levará a lugar algum. A seleção ainda tem alguma competitividade em função dos jogadores estarem fora, mas os clubes… vcs verão nessa Lebertadores…

  3. Nenhum time deve ter somente guerreiros na linha, como dita a lamentável "moda" atual. Isso é dar preferência à mediocridade. Como futebol é um jogo de poucas oportunidades de gol, é fundamental haver gente que crie. Em um ou dois lances os "criadores" decidem o jogo todo. Uma fábrica não funciona só com operários; também precisa de gerentes. Nesse modelo de futebol da moda, nem Pelé teria vez.

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