Lucas Costa/SESI via FlickrPrincipal fator a obstar nossa contínua ascensão econômica é a introversão econômica, mas não só econômica.

O que falta ao Brasil para ser um país desenvolvido? Terceira parte

As universidades arrastaram para a Constituinte de 1988 a proibição de contratação de professores estrangeiros, e persistiu o isolamento da pesquisa universitária do chão de fábrica
08.03.24

Em dois artigos anteriores, focalizei a questão de saber por que o Brasil ainda é um país não desenvolvido (aqui, acesso à primeirasegunda partes). Pretendo focar agora, neste terceiro artigo, nos elementos estruturais e institucionais que obstam, e que já obstaram, a que o Brasil se apresente ao mundo como um país de renda média alta, sem os miseráveis que povoam as ruas, sem o flagelo da fome e sem tantos outros males históricos de nossas renitentes carências sociais.

Não faltam recursos naturais, os mais diversos, que ainda são abundantes, e o serão pelo futuro indefinido. Tampouco falta ao Brasil energia renovável, agora, e certamente nos anos à frente. A pirâmide demográfica ainda é positiva, mas já no movimento inverso ao do bônus, com uma tendência recente, e indesejável, à emigração de cérebros, por fatores não de todo obscuros. Os problemas principais radicam na baixa produtividade do capital humano, na insegurança jurídica e no caráter errático das políticas macroeconômicas e setoriais; por fim, há essa introversão protecionista historicamente persistente, que nos mantêm pouco inseridos nos circuitos mais dinâmicos da economia global.

São esses fatores gerais, alguns conjunturais, vários estruturais, desde muito tempo, que obstam ao Brasil a necessária ascensão a uma renda per capita bem mais próxima da média da OCDE do que ela é hoje, aparentemente estacionada no mesmo patamar desde a crise dos anos 1980. Cabe identificar o momento em que perdemos o passo.

Pode datar daquela década nossa renitente tendência à estagnação em baixos índices de crescimento econômico. Nos cinquenta anos anteriores, a despeito de recorrências inflacionárias persistentes, o Brasil tinha se caracterizado por níveis altamente favoráveis de crescimento do PIB, embora com certa tendência ao aumento das desigualdades, o que de certa forma estava conforme à curva de Kuznets, o famoso U invertido, segundo o qual as forças de mercado em expansão primeiro aumentam, depois diminuem a desigualdade econômica entre os estratos sociais. Os militares deram o golpe em 1964 – mais contra a inflação do que contra um improvável comunismo – com a economia brasileira ainda situada na terceira dezena dos PIBs mais relevantes, e o deixaram num patamar 50% mais elevado. Depois ainda conseguimos pular para baixo da barreira das dez economias mais importantes.

Mas, assim como a primeira década da gestão tecnocrática da ditadura militar foi competente nas reformas e na estabilização para o crescimento e a expansão manufatureira nas exportações, a segunda década foi pródiga em erros deploráveis nos investimentos, o que resultou na dupla crise da dívida externa e da aceleração inflacionária. O crescimento para dentro resultou na continuidade do baixo coeficiente de abertura externa, num nacionalismo produtivo que isolou o Brasil das cadeias mundiais de valor e numa esquizofrenia nas contas públicas que se refletia num orçamento triplicado: o fiscal, praticamente inoperante após poucos meses, o monetário, caracterizado pelo emissionismo desenfreado para financiar obras faraônicas, e o das estatais, usado sobretudo para captar recursos do exterior de molde a jogar adiante o peso já enorme do serviço de uma dívida externa também triplicada. De positivo, o regime militar deixou a industrialização realizada, de negativo o enclausuramento.

De fato, o principal fator a obstar nossa contínua ascensão econômica é a introversão econômica, mas não só econômica. As universidades – que foram premiadas durante todo o período ditatorial – ainda arrastaram para a Constituinte de 1988 a proibição de contratação de professores estrangeiros, ademais de uma outra ridícula introversão, a linguística, ambas corrigidas depois. Mas persistiu o isolamento da pesquisa universitária do chão de fábrica, o que se reflete no baixo grau de inovação industrial, resultando, por sua vez, de pífios ganhos de produtividade. Esta tem duas vertentes principais, a do capital, cuja melhoria pode ser obtida via ingresso de investimentos diretos, inclusive na infraestrutura, e a produtividade do capital humano, notoriamente deficiente por conhecidas razões da estrutura educacional. Daí que se tornam ainda mais dramáticos os baixos níveis de proficiência nos exames do Pisa — o programa da OCDE de avaliação dos jovens na língua materna e nas matemáticas e ciências elementares —, nos quais o Brasil ocupa persistentemente os últimos lugares entre 70 países.

Aliás, a novela da aproximação e afastamento da OCDE, o clube não mais dos países ricos, mas das boas práticas em políticas macroeconômicas e setoriais, se arrasta de maneira errática desde o governo Collor, quem primeiro ensaiou um exercício de interação. Ele teve prosseguimento nos governos FHC, Temer e Bolsonaro (quando o processo de adesão foi formalizado), mas permaneceu congelado durante os três mandatos e meio do lulopetismo no poder, o que voltou a ser registrado sob Lula. O Brasil não precisa necessariamente aderir à OCDE como membro pleno, mas poderia pelo menos estudar e aplicar os padrões de políticas econômicas e setoriais que caracterizam os países de maior estabilidade fiscal e monetária, de maior abertura econômica e liberalização comercial e, consequentemente, de maior renda per capita e bem-estar social.
Os países atualmente desenvolvidos – e eles o são há muitas décadas, senão séculos, embora alguns de desempenho positivo mais recente, como a Coreia do Sul – não precisam obrigatoriamente ser economias de altas taxas de crescimento do PIB per capita, mas dotados de sólidos fundamentos macroeconômicos, com boa governança na administração pública, alta qualidade do capital humano e grande abertura aos investimentos estrangeiros e ao comércio internacional. Estes parecem ser os padrões que caracterizam os países membros da OCDE, ou pelo menos aqueles que são testados, aplicados e avaliados constantemente pela organização sediada em Paris, hoje acolhendo muitos países em desenvolvimento, inclusive vários da América Latina.

Não existe, obviamente, uma receita milagrosa para fazer um país de renda média alçar-se rapidamente aos escalões mais altos do Índice de Desenvolvimento Humano. Mas existem exemplos conhecidos de retrocesso ou de estagnação nos “voos de galinha”, com inflação e crises fiscais ou cambiais se alternando a intervalos regulares. Por vezes, é mais importante aprender com os fracassos de países comparáveis – alguns até bem próximos de nós – do que com experiências de sucesso, que resultam de uma série variada de boas políticas domésticas, de condições externas favoráveis e de um pouco de sorte (que também ajuda). O Brasil teve a “sorte” de não seguir nosso vizinho platino no seu longo declínio econômico, que repetiu os mesmos erros várias vezes seguidas. Em “compensação”, mantém certo fascínio recorrente pelo desequilíbrio fiscal, resultado de governantes desejosos de mostrar prodigalidade em certas obras de retorno duvidoso e de parlamentares ávidos por projetos paroquiais, que acabam fragmentando a operacionalização das despesas orçamentárias em uma miríade de pequenas obras em seus redutos eleitorais.

O que, sobretudo, nos faltou, ao longo de décadas e de séculos, foi o componente educacional da produtividade do capital humano, e não necessariamente em nível de graduação ou pós-graduação. Nossas ciências até que acompanham o estado da arte dos avanços científicos no mundo, pelo menos no plano dos estudos nas ilhas de excelência dos estabelecimentos oficiais, embora o lado tecnológico seja menos brilhante, pela já referida baixa interação entre universidades e empresas privadas, que acabam recorrendo a “caixas-pretas” importadas. O que realmente distancia o Brasil dos países mais produtivos do planeta é a qualidade deplorável do ensino de massa nos graus elementares do ensino público: se o atraso quantitativo nas taxas de escolarização foi em grande medida sanado – embora com um atraso de mais de um século comparativamente aos pioneiros da educação –, não se pode dizer o mesmo da deterioração qualitativa dos primeiros ciclos de ensino. É certo que a ampliação do recrutamento escolar – acompanhando os processos de urbanização e de democratização do acesso ao ensino público – responde em parte pela perda de qualidade, mas o investimento público no fundamental e a mediocridade da formação de professores respondem pelo núcleo duro das deficiências detectadas nos exames do Pisa.

(Continua no quarto e último artigo desta série, com a discussão das políticas apropriadas para um processo de desenvolvimento sustentado.)

 

Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor.

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  1. Para sermos uma nação de verdade é simples, basta o povo eleger homens dignos e não este lixo existente para os poderes, quando fará isto? Nunca ...

    1. ... e uma constituição de verdade que seja respeitada de não exaustivamente violada pelos podres poderes em vez deste LIXO mais de 160 vezes remendada aos interesses de criminosos de todos os matizes, dentre estes ladrões do erário e chefões do tráfico.

  2. Contudo o grosso do investimento em educação segue centrado no ensino superior, onde militam tantos e ensinam menos.

  3. Agora que li os 3 capítulos posso responder: o BR deveria ser descoberto outra vez e colonizado por outro povo, passar uma borracha nos nossos 524 anos de história, começar do zero, mas com o conhecimento de agora. Talvez assim - mas só talvez! - com outro DNA, tivéssemos uma chance.

    1. Não sei até que ponto faria diferença. Os Portugueses superaram seus defeitos e já tivemos tempo suficiente para corrigir a tal de "herança " cultural.

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