Prefeitura de BiriguiEncontro Regional do Idoso em Birigui

As velhinhas necessárias

22.03.24

Acho que que uma das coisas que faltam hoje no Brasil é uma velhinha de… Capivari? Araras? Jacareí?… que, acreditando piamente no governo e nas coisas que o governo diz, mande umas cartinhas pro nosso imaculado, nosso excelso senhor presidente contando a ele o que está acontecendo.  

Ora, o Brasil já teve tradição de velhota escritora de missiva cívica em… sei lá, Itu, Taubaté, Presidente Epitácio, com espaço na imprensa, quadro na televisão e tudo. Velhinhas que falam as verdades e que, por serem tão fofinhas, tão velhinhas, são ouvidas, ainda que não acatadas. Velhinhas necessárias: quando elas faltam, como hoje em dia, é como se faltasse uma das vozes que dão o tom ao coro da nossa consciência cívica.  

Para retomar a tradição e ver se ajudo a melhorar alguma coisa, resolvi criar a minha própria velhinha. Vou chamá-la de “a Velhinha de Birigüi”, Cidade Pérola, pérola como ela. Vejamos o que ela escreveu.

“Caro senhor doutor Presidente da República:

Esta é a primeira vez que lhe escrevo e, se não me prenderem, não será a última. Chamei o senhor de doutor porque eu sei que o senhor é doutor das causas honrosas por muitas faculdades do mundo. Foi meu neto Mário, que é seu eleitor desde sempre, quem me contou. Quero dizer, ele era meu neto, mas agora ele diz que fez uma transição e virou minha neta. E que não se chama mais Mário, e sim Mariana. Eu me confundo, sabe, senhor doutor Presidente; pra mim a cara dele, ou dela, continua igual. É que eu sou velha, demoro para gravar as coisas. O senhor, que também não é moço, deve me entender. Imagine como é difícil a gente enfiar na cabeça que o neto virou neta! Mas ele, digo, ela graças a Deus me ajuda, tem a maior paciência, fica me relembrando o tempo todo. E me avisa: cuidado, vó, não respeitar essas coisas hoje em dia dá cadeia. E ainda me manda prestar atenção nos pronomes.

Pronomes! Agora querem prender a gente por tudo, senhor Presidente. Eu sei que o senhor não quer isso. Quem é que gosta de ficar preso, não é verdade? Por isso eu peço ao senhor: faz eles não prender a gente por ter a cabeça ruim, por ficar esquecido, por demorar pra se acostumar com as novidades. O senhor é tão bom. E o senhor também tem essas dificuldades, né? A gente vê. De vez em quando o senhor vai e xinga quem tinha que elogiar, elogia quem tinha que xingar, fala bem de uns homens esquisitos, conta umas piadas que magoam esses moços nervosos e essas moças aflitas de hoje em dia. Ou seja, o senhor sabe como é. Ajude a gente que é de idade. Faz eles pelo menos dar uma multa. Que a gente possa pagar, claro.

Ontem mesmo eu estava falando com a minha amiga, a Haydée – ela mora em Piracaia; se o senhor a conhecesse, ia gostar tanto dela… uma mulher tão boa… agora ela não sai mais de casa, porque está com uma perna ruim, então a gente se fala pelo telefone – e eu disse pra ela: “ai, Haydée, o Presidente vai olhar pela gente. Ele é um homem tão bom, sofreu tanto! Olha as coisas que ele já passou! Viu como ele até anda mais magro? É tristeza com o que está acontecendo!”. Ela não queria concordar comigo. Disse que não sai na rua, agora só fica no zap, vão prender ela por quê? Mas se prendem a gente até por causa do que tem no zap! Aí ela teve que concordar.

Eu também queria, sabe, senhor Presidente, lhe contar umas coisas que eu fiquei sabendo de uns amigos seus. Uns ministros, uns deputados, uns daqueles que ficam pra lá e pra cá arrumando os panos por onde o senhor passa: é assessores que chama, né? Então: as pessoas são muito faladeiras, e ficam insinuando umas coisas. Que uns não trabalham direito, que outros não servem para estar onde estão, e até – pro senhor ver o que é a língua do povo – que uns aí não são assim inteiramente de confiança. Eu queria lhe dizer os nomes, mas o Mário, digo, a Mariana está me dizendo que falar essas coisas hoje é crime contra a democracia – mais um crime, senhor Presidente –, de modos que só vou lhe dizer para ficar atento, viu? Presta atenção nos caras. E toma cuidado.

Tem gente dizendo, inclusive, que por causa dessas pessoas o senhor já não anda mais assim tão popular com o povo. Que seu governo se comunica mal, que não explica direito pras pessoas o tanto de coisa boa que está fazendo. Estão dizendo que se o senhor andar aqui na rua da prefeitura vai ter menos fã desmaiando, menos gente querendo foto ou pedaço de roupa, menos gente tentando se curar da cegueira ou beber uma gotinha do seu guspe. Conserta isso, senhor Presidente! Faz esses seus funcionários aí executar suas ordens! Inaugura umas estradas, mostra um abacate com preço bom, faz comercial sambando. O senhor sabe que as pessoas reclamam de tudo, nunca estão contentes com nada: cala a boca delas.

Fica com Deus. Depois, se precisar, escrevo mais.

Pérola de Birigüi.”

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO