The White House via FlickrBiden, durante visita a fronteira com México: ele não quer se ver ligado ao muro

Disputa na fronteira com o México

Por que a imigração voltou a ser um dos principais temas da eleição americana — e como isso pode atrapalhar Joe Biden
21.03.24

Os Estados Unidos são um país aberto e formado por imigrantes, mas hoje parece incapaz de resolver uma crise de imigração na sua fronteira com o México. O assunto foi muito bem aproveitado pelo republicano Donald Trump, que se elegeu em 2016 prometendo construir um muro entre os dois países e fazer os mexicanos pagarem por ele. Este ano, o tema volta com força ainda maior e pode atrapalhar a reeleição de Biden — e novamente favorecer Trump.

A imigração este ano é a principal preocupação dos americanos, segundo uma pesquisa do instituto Gallup divulgada no final de fevereiro. Cerca de 28% dos entrevistados citam o tema. É a primeira vez desde 2019 que o assunto lidera a lista de problemas na cabeça dos eleitores. O governo (20%), a economia (12%) e a inflação (11%) também preocupam o eleitorado, mas não tanto.

Trump tem dito que a entrada de imigrantes ilegais tem causado um aumento de violência nas cidades. Como os abrigos para estrangeiros e a população de rua têm crescido, seu argumento acaba sendo incorporado por muitos americanos. Nos quatro anos em que foi presidente, Trump não ergueu o muro que ele prometeu em campanha. Um trecho da construção até saiu do papel, cerca de 350 quilômetros, incluindo reforma de barreiras existentes, mas fechar os 3.141 quilômetros de fronteira sudoeste por completo continua sendo impraticável.

Algumas de suas medidas ganharam muita visibilidade, o que consolidou a imagem de Trump com alguém duro com os ilegais. Entre elas estão a separação de famílias que cruzavam a fronteira ilegalmente, o que deixou mais de 5 mil crianças sozinhas em centros de detenção. O republicano também botou imigrantes ilegais em aviões e os despachou para os seus países, como o Brasil. Agora, Trump promete uma ação ainda mais ousada: prisão imediata de imigrantes, deportações em massa e prisão em campos de detenção, em operações coordenadas pelas Forças Armadas.

 

Trump White House via FlickrTrump White House via FlickrNos últimos dias de mandato em 2021, Trump assinou placa em muro no Texas: política separou crianças de famílias
 

Para Biden, este é um jogo perdido. Uma pesquisa da Universidade Quinnipiac de março perguntou aos americanos como eles veem a gestão do presidente na fronteira com o México. Para cada eleitor que o aprova nessa área, dois o desaprovam (30%-60%). Já sabendo que precisava reverter essa imagem, o democrata começou a querer se mostrar tão ou mais duro que Trump em conter o fluxo de pessoas.

É uma missão inglória. Os democratas são vistos como frouxos com os imigrantes, em grande parte porque dependem dos votos daqueles que já foram naturalizados e podem comparecer às urnas. No passado, o Partido Democrata sempre buscou políticas para melhorar a situação dos estrangeiros que se arriscam em busca de uma vida melhor. O ex-presidente Barack Obama afirmou que os “dreamers” (sonhadores, aqueles que entraram ainda crianças com seus pais), deveriam ficar em solo americano. Biden, em seu governo, seguiu com as deportações em massa, mas buscou um coquetel menos dramático. O país passou a dar permissões de entrada temporárias a centenas de milhares de migrantes ainda no México, os quais podiam solicitar o benefício pelo celular. O resultado é medido pelas estatísticas da fronteira. Os cruzamentos ilegais, que no governo de Trump eram da ordem de 500 mil por ano, passaram a 1 milhão ou 2 milhões por ano. “Biden deu um tratamento mais humanitário, mas os números continuaram crescendo — então ele tem sido visto como um governante mais moderado, que não tem uma política tão efetiva”, diz Alexandre Pires, professor de Relações Internacionais do Ibmec.

Mesmo quando visitou a fronteira, no início deste mês, Biden não quis aparecer em fotos ao lado de muros ou arames farpados — como mostra a foto, ele preferiu se ver cercado de agentes de imigração nas fotos.

Ao tentar se colocar como alguém que irá conter os imigrantes ilegais, Biden ainda tropeça em outro fato incontornável: é ele o atual presidente dos Estados Unidos. Naturalmente, os americanos agora se perguntam por que as medidas mais severas que ele está propondo ainda não foram adotadas. Para piorar, Biden está enfrentando governadores democratas, que estão fartos do descaso na fronteira.

Em janeiro deste ano, nove governadores publicaram uma carta falando de uma “crise humanitária”, com várias críticas à Casa Branca. “Está claro que nosso sistema de imigração nacional está despreparado para responder a esta migração global sem precedentes”, escreveram os governadores. A carta é liderada pela governadora de Nova York, Kathy Hochul. No ano passado, ela teve de lidar com 170 mil novos imigrantes ilegais na sua cidade. Os gastos extras com abrigo, saúde e educação estouraram em 10 bilhões de dólares o orçamento municipal.

É verdade que muitos desses imigrantes chegaram a Nova York com ajuda de governadores republicanos. Em 2022, o governador do Texas, o republicano Greg Abbott, autorizou que imigrantes fossem embarcados em ônibus pagos pelo estado, desembarcando em estados com governo e eleitorado majoritariamente democrata. Em dois anos o Texas encaminhou 102 mil imigrantes para outros estados, ao custo de 148 milhões de dólares (745 milhões de reais). Com ou sem o transporte de ônibus (os americanos falam em “busing”), o problema migratório persiste.

Atrás nas pesquisas, que dão uma vantagem pequena a Trump, Biden terá de se esforçar muito para aliviar o peso da imigração em sua campanha. “Não surpreende que Biden esteja tentando mostrar serviço e, assim, persuadir seu grupo eleitoral”, diz Ariel Ruiz Soto, do Migration Policy Institute (MPI), um centro de estudos especializado em migração. “O maior desafio está na mão do presidente Biden, que terá trabalho para convencer os possíveis eleitores, porque a maior parte dos republicanos acabará votando em Trump de qualquer jeito.”

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  1. Democratas apoiam a imigração imaginando um alargamento de seu eleitorado futuro, ao mesmo tempo que mobilizam o eleitorado atual sob a bandeira de um humanitarismo fajuto. Republicanos pretendem evitar a diluição futura do seu eleitora, ao mesmo tempo que mobilizam o eleitorado atual sob a bandeira de lei e ordem de araque. O Capital anseia pela mão de obra barata que muita falta faz. E quem arca com os problemas da imigração ilegal é o cidadão comum.

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