Lula fala em reunião ministerialLula e seus ministros: "Nós é que temos que falar" - Foto: Palácio do Planalto

Nada para mostrar

Incapaz de melhorar bem-estar do povo, governo Lula sente o baque da rejeição
21.03.24

Em viagem ao Rio Grande do Sul na sexta-feira, 15, Lula reconheceu que a queda de aprovação em pesquisas recentes tem razão de ser: seu governo deixa a desejar. “Eu estou aquém do que o povo esperava que eu estivesse. Eu não estou cumprindo aquilo que eu prometi”, disse ele. Mas o presidente logo engatou uma metáfora para garantir que logo, logo, a situação melhora. “Quando eu planto um pé de jabuticaba, eu não chupo a jabuticaba no dia seguinte, eu tenho que esperar ela crescer, eu tenho que esperar ela aflorar. E é este ano que a gente começa a colher o que a gente plantou o ano inteiro.”

Três dias depois, na segunda-feira, 18, Lula fez a primeira reunião do ano com seus ministros. O discurso foi semelhante. “Nós já gastamos um ano e três meses do nosso mandato. E vocês percebem o quão pouco nós fizemos e, ao mesmo tempo, o quão muito nós fizemos”, disse. Dessa vez, cercado de auxiliares, o presidente pediu ação: “Se as pessoas não falam bem da gente ou bem das coisas que a gente fez, nós é que temos que falar”. Lula, em outras palavras, quer que os ministros batam bumbo. Mas sobre o que, exatamente?

Nesta quinta-feira, 21, o Datafolha mostrou que a aprovação e desaprovação de Lula estão em empate técnico: 35% versus 33%. Desde dezembro do ano passado, houve queda de dois pontos percentuais no primeiro índice e aumento de três pontos no segundo. Os números corroboram a tendência apontada por levantamentos realizados, também neste mês, pelos institutos Quaest e Atlas Intel. Entre as causas da queda de popularidade estariam falas do próprio Lula – especialmente seu posicionamento anti-Israel (leia a reportagem Contraponto diplomático na Crusoé), que desagradou um público já refratário a ele, o dos evangélicos – e também a percepção de que faltam entregas ao governo. Das pessoas ouvidas pelo Datafolha, 58% afirmam que as realizações são menores que o esperado.

Apologistas do governo Lula 3 dizem que as críticas são injustas porque a economia, em particular, foi bem em 2023. O desemprego caiu, o PIB cresceu, a inflação ficou sob controle. Falta reconhecer duas coisas. Primeiro, que a sensação de que as coisas estão melhorando não se disseminou pelo país – e cada brasileiro sabe onde o calo aperta. O segundo item é mais importante para uma avaliação objetiva do governo: muito pouco dos bons resultados pode ser atribuído a Lula.

Um número comemorado pela claque de aduladores do presidente é a queda da inflação, que passou de 5,77% na leitura anual, em janeiro de 2023, para 4,5% nos 12 meses acumulados até fevereiro deste ano. Trata-se de um caso clássico de “aconteceu não por causa, mas apesar do governo. O trabalho hercúleo do Banco Central na calibragem da política monetária, sob constante crítica pública de Lula, certamente responde pela maior parte do resultado, aliado à melhora na cadeia de produção global e local.

A queda no desemprego, que passou de 7,9% em dezembro de 2022, para 7,4% no final do ano passado, pode estar relacionada às medidas que reaceleraram o consumo, mas está muito mais ligada à retomada econômica no pós-pandemia. Para se ter uma ideia, o número chegou a marcar 14,2% no último mês de 2020, recuou para 11,1% no mesmo mês do ano seguinte, para despencar para abaixo de 8% ao final de 2022. Lula pode até não ter atrapalhado a retomada, mas foi só isso, não houve política de incentivo ao emprego. E, de certa forma, a atabalhoada tentativa da equipe econômica de sepultar a desoneração da folha de pagamentos fez força no sentido contrário.

O petista, por outro lado, pode comemorar a melhora nos números do consumo. Afinal, Lula manteve a proposta de Jair Bolsonaro de aumento no valor do Bolsa Família e ainda conseguiu destravar mais de 90 bilhões de reais em precatórios que estão irrigando os bolsos dos brasileiros. Ele também destravou parte do mercado de crédito com o Desenrola, uma versão genérica da proposta apresentada por Ciro Gomes nas eleições. Os números relacionados a vendas no varejo comprovam a melhora no setor e se aproximam das máximas históricas.

A melhora no consumo ajudou a acelerar o crescimento econômico, mas nem com uma dose extra de devoção ao lulismo é possível creditar ao governo o avanço de 2,9% no PIB (Produto Interno Bruto) em 2023. Afinal, o principal motor para o resultado foi o crescimento recorde de 15,5% do setor agropecuário no período – aquele mesmo setor que Lula classificou como “fascista e direitista” durante as eleições.

Entre as medidas estruturantes, o arcabouço fiscal foi uma realização que se mostrou “fugazi, pó de fada, falsa”, como diria o personagem de Matthew McConaughey, no filme O Lobo de Wall Street. O conjunto de normas que substituiu o teto de gastos ficou desacreditado em pouquíssimo tempo. Lula, que não perde oportunidade de mostrar que seu compromisso com a responsabilidade fiscal não vai além da epiderme, contribuiu para isso. Pesquisa recente com agentes de mercado aponta que apenas 1% do grupo consultado acredita que o governo cumprirá o objetivo de zerar o déficit fiscal ainda em 2024, como havia prometido o ministro da Fazenda Fernando Haddad.

No caso da reforma tributária, o governo certamente se empenhou para que ela fosse aprovada e deu contribuições significativas à discussão. Mas o projeto tramitava havia muito tempo no Congresso e estava maduro para ser votado. Qualquer mérito, portanto, precisa ser compartilhado com deputados e senadores, que hoje não são regidos pela batuta do presidente da República, ao contrário do que acontecia em outros tempos.

Além disso, ainda que simplifique o conhecido manicômio tributário nacional, a reforma mantém altíssima carga sobre o consumo e deve elevar sobremaneira a incidência de impostos para determinados setores. Em um passe de matemágica, um novo tributo ainda foi contrabandeado para a legislação, o Imposto Seletivo – sem definição clara e com uma quebra na promessa de que cobranças inéditas não seriam criadas. Assim, o imposto único lulobrasileiro virou três.

Em janeiro deste ano, foi anunciado o programa Nova Indústria Brasil. Com ares de artefato do museu das grandes novidades, o programa, que ainda não tem metas explícitas para o desenvolvimento dos eixos temáticos (até porque não foi precedido de um diagnóstico detalhado), promete 300 bilhões de reais para o setor até 2026 por meio de subsídios e benefícios fiscais. A estratégia parece muito com um programa de incentivo à industrialização capitaneado por Dilma Rousseff em 2011. Lembra dele?

Reciclagem e recauchutagem não faltaram nesses meses de governo. Algumas tarefas foram inegavelmente importantes, como revisar o cadastro do Bolsa Família e de outros programas assistenciais. Esses cadastros são fundamentais para garantir que os recursos vão chegar de fato a quem precisa, em vez de serem desperdiçados. Também houve um esforço para que a cobertura vacinal no Brasil volte a crescer. A disseminação do ceticismo em relação aos imunizantes foi um terrível legado da Covid-19 e a colaboração do governo Bolsonaro nesse fenômeno não pode ser negada. Em 2023, a cobertura de vacinas como a tríplice viral e a de poliomielite continuaram abaixo da meta. Refazer o que ficou desarranjado sem dúvida consome um tempo precioso – mas não justifica a ausência de ideias novas.

Saúde e Segurança têm se mostrado pontos frágeis do governo. Uma história ilustra bem isso. Assim que assumiu, em 2023, Lula se deparou com uma crise humanitária em território yanomami, na Amazônia. O povo indígena se via acossado pela violência do garimpo ilegal, de um lado, e por doenças e desnutrição, de outro. Depois de um ano, constatou-se que as mortes de yanomamis sob a gestão do petista haviam crescido 6% em relação ao ano anterior (o governo alegou que no passado havia subnotificação). Foi um fracasso simultâneo nos campos do combate ao crime e na oferta de cuidados básicos a uma população vulnerável.

Além de não ter grandes feitos para alardear, a ministra da Saúde Nísia Trindade passou a sofrer um ataque especulativo do Centrão, que deseja alojar na pasta um nome ligado aos seus caciques. Nísia é malvista, nesse caso, por uma de suas virtudes: resiste em aplicar o dinheiro de emendas parlamentares da forma pulverizada que interessa aos parlamentares, embora tenha efeito duvidoso na melhoria dos índices nacionais de saúde.

Na Segurança, o governo não fez mais do que apagar incêndios. Crusoé dedicou uma reportagem de capa ao assunto em outubro de 2023, com o título Reféns do Crime. Dizia o texto: “Nesta semana, pressionado por uma explosão de violência na Bahia e no Rio de Janeiro, o ministro da Justiça Flávio Dino fez uma apresentação de slides prometendo um pacote contra o crime organizado. Mas o “plano de metas” só será conhecido daqui a 60 dias. Uma vez finalizado, este será o segundo pacote para a segurança do governo Lula este ano, mas as chances de nada mudar e de o brasileiro continuar refém do crime organizado são grandes.”

Desde então, a percepção sobre a força do crime organizado não mudou e Dino trocou de posição com Ricardo Lewandowski: enquanto o primeiro ingressou no STF, o segundo, que se aposentou da corte no ano passado, assumiu o ministério da Justiça, no início de fevereiro. Dias depois, Lewandowski enfrentou sua primeira crise: uma fuga inédita na história dos presídios de segurança máxima administrados pela União. Até hoje os dois bandidos que escaparam da penitenciária federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, não foram recapturados, apesar de uma grande mobilização policial.

Na reunião ministerial no início desta semana, Nísia e Lewandowski foram especialmente cobrados pelo presidente. A ministra chegou a chorar, saiu da sala para se recompor e foi consolada pela primeira-dama Janja. Um terceiro ministro ficou sob a mira do chefe: Paulo Pimenta, responsável pela comunicação do Planalto. Como dito, Lula quer que sua equipe bata bumbo. Ele recorre ao velho álibi, que consiste em pôr a culpa pela baixa aprovação do governo na comunicação.

Lula chamou Nísia Trindade para uma conversa individual na terça-feira. Aplicou-lhe um puxão de orelha pela falta de campanhas efetivas de combate à dengue. A ministra argumentou que pôs na rua uma campanha de conscientização e fez inclusive com pronunciamentos em cadeia de rádio e TV. Na tréplica, Lula disse que ela deveria ter ocupado a imprensa bem antes, no final do ano passado.

O fato de os dois fugitivos de Mossoró continuarem vagando sabe-se lá por onde pôs Lewandowski sob o holofote. Na quarta-feira, 19, o ministro tentou reagir. Em busca de uma agenda positiva, convocou uma entrevista coletiva para anunciar que o STF havia homologado a delação premiada do ex-policial Ronnie Lessa, envolvido no assassinato da vereadora Marielle Franco. Foi um desastre. A víúva de Marielle, a vereadora do Rio de Janeiro Mônica Benício, denunciou o pronunciamento como tentativa vazia de chamar atenção. Lula também não gostou.

No fim das contas, a reunião mais importante dos últimos tempos, na cabeça de Lula, provavelmente foi com Sidônio Palmeira. Trata-se do marqueteiro que atuou na campanha presidencial de 2022. Baiano como João Santana, que ajudou a construir as grandes marcas do petismo no passado (além de participar das falcatruas do petrolão), Palmeira se encontrou com o presidente no dia 14 e recebeu a missão de desenvolver estratégias para fortalecer a popularidade do governo. Como não existe árvore dando frutos na paisagem, o marqueteiro terá de inventar a jabuticaba de Lula, ou moldá-la com fumaça.

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  1. Diz o ditado que, "Quem fala muito dá bom dia a cavalo". No caso do Molusco, ele dá bom dia à Cavalaria toda, e a mais todos os jegues do PT, razão pela qual, além de não entregar o que promete, pq é um mentiroso juramentado (como diria o velho Odorico), fica falando asneira uma atrás da outra. Defende ditaduras, ataca democracias, e se acha o super herói planetário, querendo alimentar o seu enorme EGO.

  2. Uma única pergunta ... O Brasil aguenta este bando em mais três anos de desmandos? ou seremos fatalmente destruídos? Infelizmente o destino do país é negro e o pior ainda está por vir ... pobre povo brasileiro vítima de sua própria ignorância.

  3. Excelente texto, didático e técnico sem retoques . Com relação a "cobertura vacinal" é preciso constatar que apenas comprar e distribuir vacinas não resolve. As campanhas maciças ainda não aconteceram. Homens e mulheres, pais e mães, trabalham. É preciso levar as vacinas "onde o povo está". Escolas, creches, praças, mercados, feiras, tudo sem obrigar, mas recomendar que as escolas e os programas de governo perguntem sobre a vacina, incentivem, convençam. Expliquem o mal que a falta fará.

  4. vai melhorar. vou roubar um telefone celular para tomar umas cervejinhas enquanto espero a picanha chegar. Fal o L otários.

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