Leandro Bachega: a liberdade contra os totalitarismos

Autor de livro sobre o filósofo Isaiah Berlin explica o debate de ideias em torno do conceito de liberdade, que precisa resistir à interferência do Estado e da vontade geral
21.03.24

Os pensadores que se debruçaram sobre o tema da liberdade, em geral, não a consideravam como um valor absoluto. Eles entendiam que a liberdade de alguém deve estar em harmonia com outros valores e também com a liberdade dos demais. Entre os liberais clássicos, muitos buscaram estabelecer qual seria o mínimo que alguém deveria ter, para que se pudesse preservar sua dignidade humana. Além disso, eles entenderam que os limites da liberdade podiam vir não apenas do Estado, mas também das outras pessoas. Um exemplo disso seria o cancelamento, tão frequente nos dias de hoje.

Isaiah Berlin explorou dois conceitos de liberdade porque, para ele, sob os governos totalitários, esse foi o bem humano que mais sofreu riscos. No entanto, embora tenha dado muita ênfase à liberdade, Berlin foi muito taxativo em dizer que a liberdade não é o principal valor de uma sociedade, mas um entre muitos, como justiça, igualdade, bondade, segurança. Isso é o que ele chama de pluralismo de valores, nós temos uma série de bens na vida. A questão é que nem todo o tempo eles podem conviver juntos. Quando eu vou a uma agência bancária, a minha liberdade de entrar livremente é diminuída em nome da minha segurança e a dos outros cidadãos que frequentam o banco“, diz Leandro Bachega, autor do livro Isaiah Berlin – Pluralismo e dois conceitos de liberdade, em que ele discute as ideias do filósofo russo-britânico Isaiah Berlin (1909-1997). Bachega é o convidado do Crusoé Entrevistas desta semana.

Os dois conceitos que aparecem no título do livro são os de liberdade negativa e positiva.

A liberdade negativa é aquela que existe quando o indivíduo pode exercer os seus direitos sem interferência externa. É o caso, principalmente, da liberdade política, em que uma pessoa tem o direito de escolher um partido, uma ideologia, encontrar-se com quem quiser e se manifestar como bem entender.

Bachega afirma que, para alguns intelectuais, como John Stuart Mill e Alexis de Tocqueville, os limites à essa liberdade não vêm apenas do Estado, mas também de outras pessoas ou da opinião pública. “Essa era uma preocupação dos autores do liberalismo clássico. Quando se tem uma espécie de mentalidade única, que não permite que haja expressões diferentes daquela que são padronizadas. Quando há uma interferência de coletivos ou de um parecer geral da sociedade contra qualquer tipo de expressão estranha, isso é um cerceamento de liberdade negativa“, diz Bachega. Tocqueville, por exemplo, falava na “ditadura da maioria“.

A liberdade positiva é aquela em que a pessoa é senhora de si e age a partir dos seus próprios valores e do seu raciocínio. É o “pensar com a própria cabeça“.

Berlin percebe que, na história das ideias, alguns autores tomam esse conceito de liberdade individual, mas fazem uma sutil alteração, que para ele é um tanto macabra, que é identificar liberdade com obediência“, diz Bachega.

Berlin cita o suíço Jean-Jacques Rousseau e o alemão Johann Gottlieb Fichte. Os dois são a favor da autonomia de pensamento e de ação dos indivíduos, mas eles entendem que, ao mesmo tempo, também é necessário que as pessoas precisam obedecer às leis. Há um paradoxo, portanto.

Segundo Berlin, Rousseau dizia que uma pessoa só é livre a partir do momento em que ela segue as leis que ela mesma criou. O problema é que, para Rousseau, todas as leis são as mesmas para todos os indivíduos. É o que ele chama de vontade geral. Na mentalidade de Rousseau, uma pessoa era livre porque ela se submetia a uma vontade que também era dela. Para Isaiah Berlin, porém, Rousseau e, à sua maneira, Fichte, deram vazão a uma concepção de liberdade que estava vinculada à obediência ao Estado“, diz Bachega. Essa ideia de submissão acabaria dando legitimidade a Estados totalitários. No caso de Rousseau, isso levaria ao comunismo. No de Fichte, ao nazismo.

No fim, comunistas e nazistas podiam até se considerar livres, mas estavam apenas funcionando como marionetes do sistema. “Esse é o tipo de deturpação da liberdade positiva que Berlin identificou na história das ideias do século 18 até o 20“, diz Bachega.

Assista à conversa com Leandro Bachega, abaixo:

 

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  1. Filosofia. Bons ensinamentos sobre liberdade, muito necessários para nós brasileiros e para a humanidade. Parabéns Duda Teixeira por apresentar Leandro Bachega e Isaiah Berlin

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