Marcos Corrêa/PR via FlickrO presidente chinês Xi Jinping em 2019: desponta como parceiro sedutor para países sedentos de investimentos

As garras de Pequim

Este é o grande desafio que se impõe ao Brasil: evitar trocar o estatismo do passado pela submissão externa a regimes autoritários no futuro
22.03.24

A grande expansão chinesa pelo mundo possui rumo nítido e objetivos que estão muito além da economia, com claros desdobramentos políticos por onde passa. Esta iniciativa tomou forma muito bem definida pela estratégia da Nova Rota da Seda, implementada pelo governo de Xi Jinping (foto).

Fato é que o líder chinês possui um tipo de liderança e visão muito diferentes de seus antecessores, Hu Jintao e Jiang Zemin, mais cautelosos e menos audazes que Xi Jinping. Em seu governo, o país vem exercendo um imperialismo ativo e contundente, usando a economia como arma de dependência e pressão política no médio e longo prazo. Os países que fizeram a opção pela aliança com Pequim têm agora uma fatura a pagar.

Ao mesmo tempo, sabemos que o investimento direto estrangeiro se tornou importante diante de um mundo mais conectado e com economias interdependentes. Além de financiar ações seminais em áreas como inovação e desenvolvimento, é responsável por impulsionar setores essenciais da economia na construção de comunidades com enorme diferencial competitivo. Isso se torna ainda mais importante em países como o Brasil, que direciona 92% dos recursos do setor público para custeio, possuem forte déficit de poupança interna e são dependentes de capital externo para realização de investimentos.

Assim, a China desponta como parceiro sedutor para países sedentos de investimentos, porém sempre direcionando os recursos para áreas definidas. Nos últimos anos, o setor de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica foi aquele que mais recebeu investimentos chineses no Brasil. Portos e minas também estão na mira de Pequim. Um desenho que avança sobre setores estratégicos.

Porém, recentemente percebemos um redirecionamento desses interesses na região. A perda de relevância dos projetos de infraestrutura ocorreu à medida que o foco se modificou para aquilo que é chamada de “nova infraestrutura”. Estamos falando de uma mudança profunda de foco e valor no investimento direto estrangeiro chinês.

Essa nova frente, que necessita de menor investimento, engloba setores como fintechs, telecomunicações e transição energética. Se o investimento anterior supria os gargalos da demanda de commodities para o Oriente, o objetivo agora é contribuir em canais críticos para a estratégia de crescimento econômico da China. Uma reprodução pura e simples de um pacto colonial com vistas a fortalecer as musculaturas da metrópole.

A China possui método e vem moldando as economias por onde passa seu investimento com o objetivo de atender suas demandas. Os próximos passos para a América Latina passam pelos investimentos da BYD e GWM, focadas na eletrificação da frota brasileira, compra de linhas de transmissão de energia (já vendida pela chinesa State Grid), aquisição de ativos de lítio pela Tianqi Lithium no Chile e expansão da Huawei e outras empresas chinesas na região em datacenters, computação em nuvem e tecnologia 5G. Enquanto isso, o México tornou-se base doméstica de empresas chinesas com objetivo de obter acesso privilegiado ao mercado americano.

Porém, nem tudo são flores e yuans na rota desenhada por Pequim. Depois de um financiamento inicial e a criação de uma lógica de dependência política e econômica, o aporte entra em declínio. O investimento direto estrangeiro (IDE) da China na América Latina saiu de 14,2 bilhões de dólares por ano entre 2010 e 2019 para uma média de 7,7 bilhões de dólares entre 2020 a 2021 — depois para 6,4 bilhões de dólares em 2022.

Diante disso, é preciso entender até que ponto esse investimento estrangeiro em setores críticos, concentrado em empresas de um mesmo país, pode afetar a soberania e segurança das nações. Isso porque o investimento chega por empresas que se confundem com governos autoritários e respondem exclusivamente ao seu interesse nacional — algo que se tornou um fato em nações seduzidas pela chuva de yuans proporcionada por Pequim.

Enquanto África e América Latina têm aberto suas portas sem maiores restrições, Europa e Estados Unidos buscaram proteger sua soberania em setores estratégicos. Para evitar tornarem-se vulneráveis, a solução passou por diversificação e competição, ao contrário do modelo proposto pelos chineses. Países desenvolvidos têm buscado receber investimento, porém evitam a dependência. Para isso, usam aquilo que se convencionou chamar no meio internacional de mecanismos de verificação, conhecido como screening mechanism, uma ferramenta que merece maior atenção no Brasil e deveria ser adotada com urgência em nossa legislação. A Itália, por exemplo, retirou-se das iniciativas chinesas da Nova Rota da Seda por considerar o modelo perigoso para seu interesse nacional. Em Portugal, desde 2014, se estabelece o regime de salvaguarda de ativos estratégicos essenciais para garantir segurança da defesa nacional e do aprovisionamento do país em serviços fundamentais.

Em tempos modernos, de inteligência artificial e sistemas remotos de controle, qualquer país pode se tornar vulnerável, especialmente aqueles que precisam demasiadamente de recursos externos. É preciso evitar riscos, atrair capitais de qualidade, essencialmente de países democráticos e criar mecanismos de verificação para impedir dependência de países autoritários em setores estratégicos – recursos que chegam fáceis, mas cobram um alto custo adiante. Este é o grande desafio que se impõe ao Brasil: evitar trocar o estatismo do passado pela submissão externa a regimes autoritários no futuro.

O momento é de atenção. Ao mesmo tempo que existem recursos de qualidade que exigem um arcabouço de virtudes como ambiente regulatório confiável, Judiciário independente, contas públicas equilibradas, moeda e regras estáveis, também existem investimentos predatórios, de mais fácil atração e que não exigem ambiente de estabilidade. São perigosos porque trafegam em modelos corruptos, exigem contrapartidas e carregam armadilhas de dependência política, financeira e social.

As vantagens em lidar com investimentos da União Europeia e Estados Unidos são claras, afinal, estamos lidando com países democráticos com instituições estáveis, Judiciário independente e regras definidas. Para fluxos de comércio constantes e longos, que geram emprego e riquezas, pilares como esses são essenciais, pois fornecem segurança e manutenção das regras, elementos centrais para dinâmicas comerciais profundas, saudáveis e sólidas. Democracias gostam de democracias.

Se, de um lado, existem parceiros democráticos e confiáveis, do outro existem investimentos predatórios e perigosos, oriundos de regimes autocráticos que espalham corrupção e semeiam submissão política por onde passam deixando como herança uma ressaca econômica de caos e recessão após a festa de seus investimentos. Altas taxas de dívida, vulnerabilidade e dependência. Um sino-fenômeno que ocorreu da Grécia ao Paquistão, passando por Malásia e Gana, chegando até a América Latina. Uma reedição de um perigoso sistema colonial que visa tão somente atender a estratégia de desenvolvimento da China e a visão de mundo autocrática desenhada por Xi Jinping. O Brasil ainda pode evitar ser mais uma vítima deste perigoso processo cooptação de sua soberania e democracia.

 

Márcio Coimbra é presidente do Instituto Monitor da Democracia e Conselheiro da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig)


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  1. É preciso alertar nosso Congresso, e nossa oposição, para ficarem extremamente alertas às negociatas e corrupções que a poderosa China pode tramar ou acarretar ao Brasil. Precisamos de estadistas sempre alertas às investidas dos chineses ou quaisquer outros que venham pescar por aqui. Negociatas com corruptos brasileiros como o atual governo petista, não valem o papel onde são escritos.

  2. Impressionante a abrangência e qualidade desse texto. Parabéns a Crusoe por ter seus quadros profissionais qualificados.

  3. O Brasil não pode mais continuar com esse sistema corrupto onde advogados, políticos e juízes ditam o que deve ser feito no país. Orçamento secreto, ainda por cima segredo de 100 anos para futilidades da 1ª dama e similares. Absurdo. Precisamos de Estadistas integros, intransigentes com erros, mentiras e desonestidades. Precisam pensar na pátria. Por volta de 1780 os EUA tiveram Alexander Hamilton, um dos "founding fathers" homem culto, inteligente, militar e nos falta alguém como ele.

  4. Parabéns Sr. Marcio Coimbra. Assunto importantíssimo, negligenciado pelos ideologistas do PT, PSOL, PSTU e demais esquerdistas q não hesitam em vender nossa soberania contanto que se mantenham no poder. Precisamos um amplo debate nacional definindo na Constituição, até onde podem os membros do governo, assinar contratos, concessões, etc. com governos estrangeiros sem passar pelo crivo do povo brasileiro. Lula já se declarou comunista, então pelo seu passado d traidor, precisamos muito cuidado!

  5. Não negando que a política de investimento chineses visa apenas a satisfação de seus próprios interesses de forma predatória, é difícil aceitar que EUA e Europa não fazem a mesma coisa, ainda que de forma melhor dissimulada, com seus investimentos no 3º mundo.

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