Ricardo Stuckert/PRLula em Puerto Iguazú, na Argentina, em julho; lulopetismo é a maior ameaça política à democracia liberal no Brasil

Um predador à solta

Lula lidera um partido populista que usa as eleições não como parte do metabolismo democrático, mas para uma guerra visando reter o poder
18.08.23

Jair Bolsonaro foi uma ameaça à democracia. Uma ameaça mais social do que política. Ao revirar a lama que estava decantada no poço da cultura patriarcal, deixando que preconceitos e discriminações incivis viessem à tona, atacou o tipo de sociabilidade que permite a democracia. Ele só pôde fazer isso porque (1) esses padrões autocráticos já estavam presentes — conquanto recalcados no subsolo das consciências — em extensas parcelas da população e (2) houve uma conjunção aziaga de fatores políticos que permitiram que as campas funerárias fossem abertas.

Dentre os fatores políticos que ensejaram a golfada bolsonarista, merece destaque a degeneração da política democrática como continuação da guerra por outros meios. Já havia outro predador à solta, uma força populista vincando a sociedade com uma dinâmica “nós” contra “eles”.

Mas não é razoável esperar que os demônios que o bolsonarismo despertou vão continuar nos assombrando até o fim dos tempos. A menos que queiramos manter viva a polarização, encenando aqueles “dois minutos de ódio” (do 1984 de George Orwell) para coesionar uma legião de fiéis vingadores.

Na base da vingança, entretanto, não haverá solução. Só a dinâmica democrática será capaz de metabolizar essas forças avessas à convivência pacífica e humanizante (não querendo matá-las, mas remetendo-as novamente aos subterrâneos da vida civil — de onde não deveriam ter escapado). Padrões autocráticos, por certo, remanescerão, mas na esfera privada, não mais aceitos como categorias operativas da política na esfera pública. Assim, não serão mais normalizados preconceitos e discriminações que tornem o ambiente incivil.

Mas o bolsonarismo não continuará sendo uma ameaça à democracia?

Continuará sendo, mas menos. Pois o problema não são os cerca de 15% de bolsonaristas que queriam dar um golpe de Estado. Esse número de golpistas antidemocráticos ainda é metabolizável pela democracia. E os que, dentre esses, violaram as leis devem ser responsabilizados judicialmente. O problema são os outros 34% dos eleitores de Bolsonaro que não queriam dar golpe de Estado nenhum; apenas não queriam que Lula e o PT voltassem ao poder. É um problema para a estabilidade da nossa democracia porque esses últimos podem tomar as dores dos primeiros, se acharem que aqueles não estão sendo corretamente incriminados com base na Justiça, e sim perseguidos por vingança. Se isso ocorrer — e dirigentes governamentais continuarem dando declarações que soam revanchistas —, não haverá pacificação. E se não houver pacificação a democracia perderá legitimidade. Muitos poderão concluir que, se a democracia é um regime que permite isso, não vale mais a pena defendê-la.

É bom não forçar a barra. O Brasil não tem 58.206.322 fascistas, que queriam dar um golpe de Estado. A maioria desse pessoal (cerca de 40 milhões) votou em Bolsonaro em parte porque o admirava mesmo e em parte porque não queria — por diversos motivos — que Lula e o PT voltassem ao governo, mas essa maioria não é composta principalmente por fiéis adeptos do populismo-autoritário bolsonarista. E os 60.345.825 que votaram em Lula não são fiéis seguidores do neopopulismo lulopetista. Cerca, talvez, de uns 17 a 20 milhões apenas não queriam — também por vários motivos — que Bolsonaro fosse reeleito.

Isso significa que boa parte dos eleitores que compareceram às urnas de 2022 (talvez até a metade, um pouco mais, um pouco menos) está num campo favorável ao florescimento de uma oposição democrática aos dois populismos (de extrema direita e de esquerda) que polarizam o cenário político. Sem falar nos nulos e brancos (e, claro, nas abstenções que não foram computadas aqui). Tudo isso é estimativa, claro. Não há pesquisas. Este artigo está baseado na avaliação corrente de que os bolsonaristas-raiz representam aproximadamente 15% dos eleitores de Bolsonaro e de que os votos petistas somam mais ou menos 30% do eleitorado que votou em 2022 (no segundo turno).

A questão central aqui é o predador à solta.

Nem a democracia dinamarquesa, uma das mais bem avaliadas por todos os institutos que monitoram os regimes políticos no mundo, magistralmente retratada na série Borgen da Netflix (Søren Kragh-Jacobsen e Rumle Hammerich, 2010-2022), teria proteção eficaz contra a entrada em cena de um tipo de predador: um partido populista que usa as eleições não como parte do metabolismo democrático, mas como meio para travar uma guerra com o fito de tomar e reter o poder. Esse predador, no caso do Brasil deste século, é o PT.

Conquanto o bolsonarismo tenha sido e continue sendo uma ameaça social (ou antissocial, como diria Maturana), a maior ameaça propriamente política à democracia liberal no Brasil é constituída pelo lulopetismo, por várias razões:

• seja porque está no governo (e, como sabemos, nenhum governo populista permite que um regime eleitoral vire uma democracia liberal ou plena);

• seja porque tem um partido “com cabeça, tronco e membros” (como descreveu Lula, involuntariamente revelando que há uma cabeça — um partido interno — que se distingue da massa de simpatizantes e eleitores, o partido externo);

• seja porque tem uma base social organizada (mídias que viraram chapa-branca e institutos de pesquisa de opinião simpáticos, universidades, corporações, movimentos sociais, ONGs, além de ativos de juristas, de artistas famosos etc.);

• seja porque tem um líder capaz de apadrinhar e mesmerizar os que vivem em situação de pobreza ou extrema-pobreza;

• seja porque tem uma estratégia desenhada (inclusive no plano internacional, de aliança com as maiores autocracias do planeta contra a coalizão das democracias liberais) e uma narrativa contraliberal consolidada (que tenta substituir o conceito de democracia pelo conceito de cidadania).

Esse predador continuará à solta enquanto não se conformar um centro democrático capaz de lhe fazer oposição para valer.

 

Augusto de Franco é escritor

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  1. Urge às forças democráticas se unirem sob lideranças capazes, racionais e equilibradas para conduzir nosso tão maltratado Brasil ao progresso e felicidade. Vejam onde estava a Coréia do Sul há 30/40 anos atrás. As Democracias dos EUA e Europa Ocidental permitiram às nações ascendentes obterem conhecimentos em suas universidades, distribuindo progresso, bem estar e felicidade para seu povo. Abriram também, democraticamente, seus mercados. Vejam onde estão agora Coréia do Sul, Japão e Índia!

  2. Pior ainda, Predador, Perdedor e Podre! A Lula não bastaram os 580 dias na prisão por conta da roubalheira do triplex/Guarujá. Ele quer trair ainda mais o Brasil, prejudicar 100% da população brasileira. Se une a ideologias d esquerda pois dada à sua ideologia podre não consegue ser respeitado entre as nações realmente livres então fala as mentiras e baboseiras sem se envergonhar. Envergonha a nós, brasileiros. Quer criar uma moeda dos BRICS contra o dólar, sem noção, ridículo! VIVA A LAVA JATO!

  3. Augusto, seu artigo só confirma tudo que estamos vendo. AsNão precisamos de pesquisa para saber que estas eleições foram pautadas pelo NÓS contra ELES. Minha esperança é que o grupo que não quer nenhum desses populistas encontre um só nome, forte e que não divida, Aí sim podemos esperar que essa polarização acabe. Lula e Bozo tendo que responder na Justiça pelos seus atos escusos. Fé e esperança é o que nos resta.

  4. Fica difícil quando a oposição não quer ser oposição, como ocorre agora com PP e Republicanos (o PL só não tá junto pq é o partido do Bozonazi). A oposição quando pode, faz de td pra espremer o governo pra ela própria entrar no e mamar junto nas tetas do contribuinte. Deus me livre ser oposição!, devem pensar eles. Nem o PT, quando era oposição, fez td que se espera de um opositor (ex lava toga). Por isso não vale a pena brigar pelos Kn4lh4$, no fim do dia, tds bebem whisky juntos em Brasília...

  5. Concordo plenamente. Tudo caminha nessa direção, de mais populismo e autoritarismo, e não se vê no horizonte nenhuma força política e social para denunciar e se opor a isso. Parabéns pelo artigo!

  6. Augusto de Franco, ótimo artigo, ótima reportagem e ótimo escritor! Parabéns ao Sr. e à Crusoé. Enquanto as esquerdas e Lula/PT ficam no nhenhém, no trololó, Unasul, Brics, Dilma, estatais, ONG's, MST, MTST, Cuba, Coréia do Norte Rep. Dominicana, Venezuela, Putin, China, etc. as verdadeiras democracias estão nas universidades, no progresso e no desenvolvimento do nosso planeta. Lula, vc e o sistema que o colocou no poder não servem p/ o Brasil, não servem pra nada! Viva a Lava Jato!

  7. .....tiverem opção decente e forte no próximo pleito, adeus pt. Mas não acho q possa ser assim tão simples, pois o pt, sim, pode fraudar resultado de eleições, bem como trabalhar prá destruir adversários

  8. É isso que penso. lula não tem método, ele navega no método do pt , esse sim,bem estruturado e muito perigoso. Se os insatisfeitos com um e outro somados aos nulos, como eu, e abstenções, ções

  9. O "bolsoarismo" nunca foi isso que a mídia todo dia tenta vender. Se ao menos a mídia divulgasse 10% do que é o "petismo" e "lulismo" como faz com o Bolsonaro, talvez esse país não estivesse fadado ao fracasso certo

    1. Antes fosse! O PRI sempre teve presidentes preparados. Nenhum analfabeto assumiu o poder.(vivo no MX ha muitos anos).

  10. Bingo. Excelente reflexão Augusto. Mas o problema continuará sendo como formar um centro democrático quando há uma força centrípeta do populismo a favor de um centrão pecuniário. É tão utópico quanto imaginar uma maior igualdade social pelo mero desenvolvimento humano. Não vai rolar. Pessoas são egoístas e políticos são ambiciosos

    1. Uma reforma política de verdade só acontecerá se vier de baixo pra cima, da sociedade, dos jovens, da imprensa independente, da academia. Para chacoalhar o sistema com uma nova arquitetura de país. Que possa responder à pergunta: que país queremos deixar para nossos filhos e netos? E não: como eu posso me dar bem? Transformar as fraquezas da democracia na sua fortaleza.

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