FelipeMoura Brasil

O ‘conservadorismo’ do dinheiro alheio

25.10.19

Em 12 de outubro de 2019, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) publicou no Twitter fotos do evento alegadamente conservador CPAC Brasil.

“O CPAC não é sobre Bolsonaro, governo e políticos”, escreveu o filho 03 do presidente da República, Jair Bolsonaro. “É sobre nos identificar, saber o que é ser conservador e levantar nossa [sic] bandeiras.”

Seis dias antes, em 6 de outubro, Eduardo Bolsonaro havia escrito para Nando Moura uma mensagem que só seria revelada pelo youtuber em vídeo do dia 16:

“Nando, sigo te considerando. Mas neste momento está ocorrendo uma escalada nos ânimos que acredito que não seja prudente você ir ao CPAC. As pessoas já me questionam o porquê de você ir. Elas têm a impressão que você está em pé de guerra com o governo e não entendem mais seus posicionamentos. Obrigado por ter aceitado. Mas estou te desconvidando para este evento dia 11 e 12/OUT. Abraço.”

Ou seja: “O CPAC não é sobre Bolsonaro, governo e políticos”, mas um convidado que ousou criticar Bolsonaro, seus filhos políticos e o governo foi desconvidado.

Eu não precisei ser desconvidado para o evento. Recusei-me a participar quando fui sondado pela coordenadora Taís Morais, que me perguntou, em áudio, se eu “teria como me mandar um orçamento”. Questionei primeiro: “Quem seriam os painelistas? Quem são os organizadores? É a família Bolsonaro, como anuncia a imprensa?”

“Oi, Felipe, sim”, respondeu ela, também em áudio. “O Eduardo foi quem trouxe o evento. Mas não é da família Bolsonaro. É o CPAC Brasil. O Eduardo falou com o pessoal do CPAC dos Estados Unidos para fazer este evento aqui, e a fundação Índigo é que está por trás e está financiando basicamente este evento. O Eduardo só foi mesmo o mediador com a turma do conservadorismo lá dos Estados Unidos.”

É o curioso caso, como saberíamos mais tarde, do “mediador” que desconvida.

A coordenadora então me passou o endereço do site para que eu visse os nomes dos palestrantes confirmados e, quando me deparei com aquele quadro bolsonarista de ministros, políticos e militantes, nem as presenças de Ana Paula Henkel e Bene Barbosa – com suas defesas legítimas das mulheres contra a invasão de homens biológicos no esporte feminino e da flexibilização da posse e do porte de armas, respectivamente – dissuadiram-me de responder:

“Obrigado pelo seu convite, Taís, mas não farei o evento. Abraços.”

Até por ter sido o primeiro brasileiro a roteirizar e apresentar um vídeo da PragerU, produtora criada pelo radialista americano e autor conservador referencial Dennis Prager, não posso chancelar o “conservadorismo” de um evento quase totalmente reduzido ao bolsonarismo da turma de Eduardo e dos blogueiros de crachá (que fingem não saber distinguir esta descrição e rótulos infamantes de nazista e fascista).

Como nem cogitei passar orçamento, não me interessei em saber, naquele momento, de onde vinha o dinheiro da tal Fundação Índigo – 1,1 milhão de reais do fundo partidário do PSL, como O Antagonista noticiaria no dia 13.

O CPAC americano (Conservative Political Action Conference) é financiado por empresas privadas (que poderão pagar, na edição de 2020, de 4 mil a 120 mil dólares) e pelos compradores de ingresso (que vão de 55 a 5.750 dólares), o que demanda tempo para promover o evento. A PragerU é financiada por doadores, para os quais promove um jantar anual, do qual participei em 2016.

Evento “conservador” pago com dinheiro público é mais uma inovação da ala bolsonarista fisiológica que abriga militantes virtuais em gabinetes de assembleias legislativas e do terceiro andar do Palácio do Planalto, enquanto os ministros Paulo Guedes (com reformas como a da Previdência, agora aprovada), Sergio Moro (com a queda de 22% no número de mortes violentas), Tarcísio Freitas (com seu programa de concessões em prol da modernização da infraestrutura nacional) e Tereza Cristina (com a ampliação da pauta de exportações dos produtos agropecuários brasileiros) trabalham para tirar o país do poço onde o petismo o deixou.

Eduardo Bolsonaro, em sua tática de rebater qualquer notícia incômoda acusando eventual favorecimento da esquerda, ainda alegou que, se a verba não tivesse sido usada, ela iria “para o PT, o PCdoB, o PSOL”; mas, como garante a Lei 9.096/1995, os recursos não gastos retornam para aplicação em atividades do próprio partido. Usar o risco da volta do PT para encobrir ou justificar seus próprios equívocos e contradições entre discurso e prática é apenas uma nova forma de insultar a inteligência dos brasileiros – tanto mais para quem se opôs à investigação do advogado do PT na presidência do STF, Dias Toffoli, que comanda uma sequência de decisões das quais o padrinho Lula e seus comparsas são beneficiários, além de Flávio Bolsonaro, claro.

“Os conservadores”, ensina Dennis Prager, “creem que o papel do governo na sociedade deve se limitar às necessidades básicas”, “quanto mais dinheiro o estado distribui, mais dinheiro as pessoas exigirão do estado”; “sem a crença em um governo limitado, não existe direita”– mas a ala dos “conservadores” do dinheiro alheio considera necessidade básica reunir a tropa chapa-branca para “levantar nossa [sic] bandeiras”. Isso só é conservadorismo em cabeça de bajulador.

Felipe Moura Brasil é diretor de Jornalismo da Jovem Pan.

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