O que é isso, companheira?

Em diálogo atribuído ao escritor Ernst Hemingway (1899-1961) pontuava-se que mais importante que a guerra é quem estaria ao seu lado. E nas trincheiras do governo Lula, de onde se acreditava que o conceito de companheirismo tão utilizado pelos membros do Partido dos Trabalhadores prevaleceria, um combate velado vem sendo travado entre a presidência da sigla, na figura da deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) de um lado, e membros do Executivo, do outro.

Na Esplanada, a irritação com o comportamento belicoso da presidente do PT ao criticar ministros como Fernando Haddad (Fazenda), por exemplo, não é segredo entre os membros do governo, e até mesmo do dentro do próprio partido. Para alguns, a “implicância” da deputada com Haddad deve-se a uma disputa pela herança política de Lula e quem será o seu sucessor.

Em fevereiro, Gleisi foi à imprensa, e também às suas redes sociais, criticar o retorno da cobrança dos impostos federais sobre a gasolina e o álcool anunciado por Fernando Haddad. A petista chegou a dizer que adotar a reoneração seria “descumprir compromisso de campanha“. Em resposta à alfinetada, Haddad afirmou, de forma apaziguadora, em entrevista à Folha que “[Gleisi] é uma pessoa que tem opiniões fortes. Mas que sabe que a decisão final, quem arbitra os conflitos de posições dentro do governo, fora do governo, é o presidente da República”, encerrando o assunto para que a discussão não se estendesse.

No mesmo dia em que Fernando Haddad apresentou a proposta de arcabouço fiscal, Hoffmann, mais uma vez mirou a artilharia e desferiu novo ataque contra o ministro, afirmando que seria uma ameaça inibir o crescimento econômico. O comportamento da presidente do PT rendeu comentários até da oposição. Em entrevista a Crusoé, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) chegou a afirmar que Gleisi fazia mais oposição a Haddad e Lula do que ele próprio.

Membros de uma ala do PT contrária aos posicionamentos da líder da sigla veem na postura de Gleisi um certo ressentimento por não se ver reconhecida como aquela que sucederia Lula politicamente. A parlamentar paranaense, que foi a primeira mulher a ser eleita senadora pelo seu estado de origem, e chegou a ser ministra da Casa Civil no governo de Dilma Rousseff, foi alçada a presidente da sigla em 2017. A pretensão é legítima, mas esbarra nos planos do presidente da República.

“A Gleisi se aproximou muito de Lula durante o período da prisão dele, ela esteve muito ao lado dele. Talvez por isso, ela tenha entendido que seria a sucessora natural do presidente. Isso explica essa implicância e vontade de se impor sobre Haddad que, ele sim, é o herdeiro de Lula. A disputa, por parte dela, se intensificou nas eleições de 2018”, revelou a Crusoé uma fonte do Partido dos Trabalhadores.

O vice-presidente nacional do PT, o deputado Washington Quaquá, engrossa o coro dos que se incomodam com o comportamento da deputada paranaense que, segundo ele, também têm provocado incômodo no presidente Lula.

“O Haddad é o sucessor natural do Lula. Da parte dele não tem ciumeira. Já Gleisi tem cometido erros, criticar a política fiscal do Haddad publicamente é um erro. Uma coisa é o partido se reunir com o ministro – e olha que ele se reuniu com a bancada há um mês e meio atrás. Ela estava presente, ele explicou qual é o projeto dele e ela não fez nenhuma crítica dura. Outra coisa é ir para o jornal criticar o governo. Acho muito ruim. Isso é esquizofrenia”, disse o parlamentar do Rio de Janeiro em entrevista a Crusoé.

Tanto o deputado quanto alguns membros do diretório nacional do partido afirmam que Lula tem se sentido incomodado com Gleisi e seus arroubos contra o governo. “Nos episódios em que ela criticou o ministro das Comunicações, os ministros do União Brasil, o presidente Lula ficou chateado e deu até uma dura ‘do meu governo cuido eu’”, revelou Quaquá.

Companheiros de partido, o deputado carioca já experimentou a ira de Gleisi ao aparecer em uma foto ao lado do ex-ministro da Saúde de Jair Bolsonaro e, hoje, deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ). Em seu Twitter, a presidente do PT esbravejou: “Foto do nosso companheiro deputado Quaquá com bolsonarista Pazuello é desrespeitosa com o PT e ofensiva às vítimas da Covid. Na vida e na política, tudo tem limites”.

“Eu mesmo fui vítima dela. Teve gente louca que queria pedir a minha expulsão à comissão de ética porque tirei uma foto.  Imagina que um coordenador de bancada do Rio não pode conversar com um deputado! Essa postura estreita não condiz com a postura de um partido que governa um país num Congresso majoritariamente de centro”, contou o deputado petista.

Em sua cruzada de críticas contra Fernando Haddad, Gleisi ganhou o reforço do companheiro — de partido e de vida amorosa —, deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), que acabou se envolvendo no imbróglio com o ministro da Fazenda. Ao criticar o arcabouço fiscal, Lindbergh sugeriu que Haddad estaria “vendendo a alma ao diabo”. “Eu me lembro de Grande Sertão: Veredas, em que Riobaldo tenta vender a alma ao diabo e o diabo nem responde. É mais ou menos o que está acontecendo com o arcabouço”, declarou o deputado do Rio de Janeiro no dia 9 de abril.

“Esse gosta da polêmica. Fala mal de todo mundo. Ainda bem que não veio para o lugar do Paulo Teixeira na secretaria geral do PT. Veio o Henrique Fontana, do grupo político deles, a Resistência Socialista”, relatou um membro do diretório nacional do PT.

“Parece um casal Chernobyl. Como se diz lá no Rio, melhor não dar cria”, brincou o deputado Quaquá sobre a atuação conjunta de Gleisi e Lindbergh contra Haddad.