Ricardo StuckertReunião ministerial dos 100 dias: risco de peruanização

A torcida para o governo Lula “dar certo”

Dado seu antiliberalismo estrutural, a gestão petista jamais poderá ser um avanço para a democracia liberal
13.04.23

As coisas estão ficando claras para quem quer ver. Mas muitos analistas não petistas, que viraram governistas, não querem ver. E argumentam mais ou menos assim:

1) Somente Lula e Bolsonaro conseguem arregimentar forças eleitorais expressivas (de 30% no caso do primeiro e de 20% no caso do segundo).

2) A chamada direita democrática e o centro democrático não conseguirão, no curto prazo, alcançar tais patamares (e não chegariam a um segundo turno em uma eleição).

3) Se os democratas (ditos de direita ou de centro) não quiserem correr o risco da volta de Bolsonaro terão de apoiar Lula, envidando todos os esforços para seu governo “dar certo“.

4) Conclusão (não dita explicitamente): logo, todos os democratas, além de apoiarem o governo atual, terão de fazer campanha e votar em Lula em 2026.

Onde está o erro no argumento, ou melhor, onde está o seu déficit de inteligência democrática?

Antes de qualquer coisa: as chances de o governo Lula “dar certo” não são grandes. E “dará certo” para quem? Dado seu antiliberalismo estrutural, o governo de Lula e do PT jamais poderá dar certo para a democracia liberal.

Bolsonaro teria mesmo de ser removido em 2022. Até por Lula, como foi. Porque o problema de Bolsonaro não era somente político. Como os demais líderes populistas-autoritários ao redor do mundo, ditos de extrema direita, ele era um agente antissocial (uma ameaça aos direitos e aos valores humanos, ou seja, no limite, à própria humanidade). Mesmo que não tenha consciência disso, ele faz parte, objetivamente, da lista dos principais adversários da democracia (de qualquer democracia, não apenas da democracia liberal). Em ordem alfabética: Abascal, Bannon, Belang, Bolsonaro, Bukele, Duda, Duterte, Erdogan, Farage, Gauland, Giammattei, Le Pen, Lukashenko, Michaloliákos, Modi, Netanyahu, Orbán, Putin, Salvini, Strache, Trump, Ventura, Vucic, Wilders e Zemmour – para dar apenas vinte e cinco exemplos de líderes populistas-autoritários mais conhecidos.

Pois bem. Lula venceu as eleições (com a ajuda decisiva das forças democráticas não populistas, ditas “de direita” e “de centro”) e agora governa. Diz-se que isso é tudo de bom porque não temos mais o celerado Bolsonaro na chefia do governo.

Todavia, não ser Bolsonaro não é suficiente, nem atestado de bom governo. Se o sucessor de Bolsonaro tivesse sido a Simone, ou o Leite, ou o Doria, ou o Tasso ou até o Temer, estaríamos numa situação pior do que estamos com Lula? É óbvio que não.

O que estaria melhor em qualquer uma das alternativas imaginadas acima:

1 – Não estaríamos apoiando Putin ou namorando Xi Jinping e outros autocratas e privilegiaríamos a participação do Brasil na coalizão das democracias liberais.

2 – Estaríamos apoiando a resistência ucraniana contra a invasão militar de Vladimir Putin e não tentando ridicularizar Zelensky ou atribuir a ele, falsamente, parte da culpa pela guerra.

3 – Não estaríamos nos guiando por uma proposta pirada de Sul Global e fechando os olhos para as barbaridades cometidas pelas ditaduras de esquerda (como Cuba, Venezuela, Nicarágua e Angola).

4 – Não teríamos estuprado a Lei das Estatais para aparelhar essas empresas com petistas ou para comprar aliados com cargos.

5 – Não estaríamos destruindo o marco do saneamento.

6 – Não teríamos interrompido o processo de privatizações.

7 – Não estaríamos contemporizando ou fechando os olhos para as invasões de terras produtivas pelo MST.

8 – Não estaríamos tentando interferir nas políticas de preços dos combustíveis.

9 – Não estaríamos contestando a autonomia do Banco Central e atacando seu presidente para obrigá-lo a renunciar.

10 – Não estaríamos investindo na polarização e na guerra e sim na pacificação do país. (E só isso já seria uma grande vantagem de não ter Lula e o PT no comando).

Pergunta-se então aos governistas. É o governo que faz isso que temos de apoiar sob pena de, se não o fizermos, Bolsonaro voltar? Não faz sentido.

Bolsonaro não é uma alternativa concreta ao governo Lula 3 (as eleições presidenciais só ocorrerão em 2026 e não há grande possibilidade de impeachment ou prisão de Lula). Bolsonaro já não governa e o bolsonarismo, conquanto continue mantendo um grande contingente eleitoral, não pode fazer mais do que tentar desestabilizar o governo Lula.

As chances de substituição de Lula por Bolsonaro ou por outro bolsonarista antes do final do mandato de Lula são mínimas. A hipótese de um golpe de Estado em termos tradicionais (com tanques nas ruas), sem o apoio das Forças Armadas, é irreal. O bolsonarismo tem voto, mas não tem força político-militar para efetivar um golpe de mão no Brasil (assim como não teve durante o mandato de Bolsonaro).

O que haverá então? Acirramento da polarização e instalação de uma guerra civil fria enquanto a política continuar sendo substituída por um combate, a rigor antipolítico, entre dois populismos.

Sim, se não houver uma válvula de escape para aliviar a pressão gerada nessa panela – onde se configurou um ambiente adversarial bipolar – não haverá solução propriamente política para o conflito.

Em outras palavras, se não surgir uma alternativa democrática liberal no Brasil – uma oposição democrática que se diferencie da oposição antidemocrática bolsonarista – podemos caminhar para a instabilidade política rapidamente. O entrechoque entre dois populismos — um democrático apenas eleitoral (o lulopetismo) e outro autocrático eleitoral (o bolsonarismo), ambos não liberais — pode nos levar ao colapso. Haverá, no mínimo, uma peruanização. Uma democracia formal de baixa intensidade poderá sobreviver, mas o processo de democratização será paralisado, o sistema imunológico da democracia será deprimido, os direitos políticos e as liberdades civis precarizados. Não é que deixaremos de ser uma democracia formal (pois o sistema representativo continuará funcionando), mas entraremos numa guerra civil fria de longa duração, cujas consequências serão as que foram apontadas acima (e que estão sendo observadas neste momento no Peru e, talvez, na Bolívia – dois regimes parasitados pelo populismo de esquerda em luta contra o populismo-autoritário de extrema direita).

Ou seja, num momento em estamos diante de uma segunda grande Guerra Fria mundial, nosso governo, a pretexto de manter uma posição de (falsa) neutralidade, está pronto para se alinhar (objetivamente) às piores autocracias do planeta contra as democracias liberais. E, no plano interno, como um reflexo desse mesmo movimento, também está contribuindo para instalar no país uma guerra civil fria de consequências conhecidas e, em parte, desconhecidas (por imprevisíveis).

 

Augusto de Franco é escritor

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  1. A democracia não pode fazer do eleitor refém do voto no "menos pior". "O vota Bolsonaro senão o PT volta" não deu certo. "O vota Lula para defender a democracia" também não dará. São dois desastres populistas que devem ser escorraçados da política nacional.

  2. Lula usa lentes ideológicas e mistura tudo. Lula tem a presidência do Brasil. O Brasil é muito importante no contexto mundial. Mas o Brasil não é Lula nem seus bajuladores petistas/esquerdistas. O tempo está passando e caminhamos para poucas realizações desse governo esquerdo/petista. Lula e seus aliados querem carta branca para gastar. Seria suicídio. O "shadow cabinet" do Dallagnol precisa funcionar p evitar roubalheiras, corrupções, dessa turma que está no poder. Em 2026 nem Lula nem Bozo!

  3. A China lucrou muito com a melhora, ou abertura das relações com os EUA. Aprendeu muito e rapido nas universidades e nas indústrias americanas. Da democracia americana, o conhecimento e a invejável liberdade que os chineses puderam observar nos EUA, os chineses copiaram o conhecimento. Democracia e liberdade, NÃO! Com um regime de força e repressão ditatorial, conseguiram a crescer fabricando imitações c tecnologias americanas. Sem leis trabalhistas competem deslealmente. Não há mérito nisto!

  4. Governo Lula dar certo é um oximoro. Concordo com os comentários, mas só vejo esperança se surgir até 2026 uma liderança alternativa com um mínimo de capacidade de articulação política para ser lançado. Cabe à imprensa também analisar os fatos com um filtro de realidade e parar de passar pano para as asneiras ditas pelo PR. Dois erros não fazem um acerto.

    1. Augusto de Franco sempre BRILHANTE. Obrigada,,, obrigada sempre.

  5. Torço pelo impeachment do Descondenado. O Pangaré Sociopata não é a melhor opção mas com certeza bem melhor que esse traste que desgoverna o país com sua corja de incompetentes voraz por verbas públicas.

  6. Com tristeza eu torço que o governo dê errado, mesmo com o sofrimento para a população. Mas o fracasso desse governo é a esperança de uma mudança tão difícil. É uma vergonha estar em um pais que está se posicionando junto com as piores políticas autoritárias.

    1. O link a matéria sobre a tentativa de cmpra da cama é este ...... www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/janja-tentou-comprar-uma-mesa-de-r-200-mil-mas-foi-brecada-diz-colunista/ss-AA19S9QR

    2. .. com uma primeira dama que ainda não decidiu se é a Imelda Marcos ou Mme.Pompadour tá é difícil ... veja isto ... https://www.bing.com/search?q=painel+de+coontrole&aqs=edge.1.69i64i450l8.1383953478j0j4&FORM=ANAB01&PC=EDGEDSE

  7. Concordo. São incompreensíveis as desculpas que dá essa turma que fezuéli. Ou vão dizer que não sabiam que tudo isso iria acontecer? Ah, por favor, chega dessa ladainha. Quem pariu Luisnacio que o embale!

  8. Concordo. São incompreensíveis as desculpas que dá essa turma que fezuéli. Ou vão dizer que não sabiam que tudo isso iria acontecer? Ah, por favor, chega dessa ladainha. Quem pariu Luisnacio que o embale!

  9. o autor faz uma lista gigante do porque o governo não vai dar certo (várias das quais quais o governo anterior já estava atacando) e mesmo assim defendo que foi melhor eleger o nine do que manter o governo anterior. quando estudei filosofia no colégio (profundidade rasa), aprendi que isso se chama sofisma, quando da premissa básica não decorre uma conclusão lógica.

  10. Ninguém em sã consciência torce para um governo que terá quatro anos (pelo menos in these) dar errado pois o pau tora é no nosso rabo sim MAS uma nação dividida entre duas ideologias medievais e dois energúmenos que acham "mitos" tem destino certo O LIXO e como ensinavam os antigos celtas "o destino é tudo" ... pobre Braziu !!!

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